Jornal Estado de Minas

Vale do Jequitinhonha

Casarão que abrigou inconfidentes e historiadores está em fase final de restauração

Gustavo Werneck

Casarão do Inconfidente Domingos Abreu Vieira também é conhecido como "Sobrado Velho" ou "Sobrado Abreu Vieira" - Foto: Iphea/Divulgação

 

Ainda este ano, os moradores de Berilo, no Vale do Jequitinhonha, terão de volta, restaurado, um imóvel importante para a história de Minas. Considerado o mais representativo remanescente do período colonial da cidade, o casarão do inconfidente Domingos Abreu Vieira (1724-1792), também chamado de Sobrado Velho ou Sobrado Abreu Vieira, vai entrar em sua terceira fase de obras a cargo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG). A expectativa é de que, ao ficar pronto, o prédio, que pertencia a particulares, foi desapropriado pela prefeitura local e já consumiu mais de R$ 500 mil em intervenções, se torne um centro de artes e ofícios do Vale do Jequitinhonha, com escola de tecelagem de algodão e cerâmica, sala de música, biblioteca, anfiteatro e outros serviços.

Segundo o autor do projeto, o arquiteto Miguel Angel Fermán, da Diretoria de Restauração e Conservação do Iepha, o imóvel localizado às margens do Rio Araçuaí estava em situação precária, sofrendo os efeitos das cheias e das chuvas. Os problemas estruturais aumentaram há dois anos, durante período de fortes tempestades, quando foi registrado o desprendimento do revestimento da alvenaria de adobe, comprometimento dos esteios e falhas no calçamento de seixo rolado da rua.

A primeira etapa do projeto, desenvolvido de maio a dezembro de 2009, com recursos do Fundo Estadual de Cultura e contrapartida da prefeitura local, num investimento total de R$ 200 mil, incluiu consolidação e reforço estrutural, remoção e substituição de peças deterioradas, caso de vigas, esteios, barrotes etc), demolição das alvenarias de adobe degradadas e que ofereciam para a execução da intervenção, construção de nova cobertura e imunização da estrutura e dos elementos de madeira.

A segunda etapa, contratada pelo Iepha com recursos provenientes do estado (R$ 333,4 mil), contemplou instalações hidrossanitárias, elétricas e luminotécnicas, sistemas de cabeamento, remoção de reboco e execução de novo revestimento nas alvenarias de adobe, acondicionamento dos forros artísticos no segundo pavimento do prédio e fechamento provisório de janelas e portas. Na fase de execução de tijolos de adobe, vários tipos de terra encontrados na região foram experimentados. A terceira fase vai beneficiar os elementos artísticos, como o forro de gamela, com pinturas de autor desconhecido, que foi removido, mapeado, embalado e acondicionado em local apropriado. Segundo Fermán, “as adaptações propostas permitem melhor acessibilidade e adequação das demandas decorrentes do novo uso”.

História e afeto

A professora aposentada Haydée Almeida Murta está ligada ao casarão pela história que ele guarda e pelos laços afetivos, afinal, foi no Sobrado Velho que ela nasceu. “É uma obra arquitetônica de grande valor, tem um teto bonito demais”, diz a professora, que vê como de grande importância o fato de o imóvel, construído em 1728, se tornar um centro dinâmico de cultura. Numa pesquisa sobre o sobrado, que pertenceu a seu avô e depois a um tio, Haydée verificou que a residência hospedou expoentes da Inconfidência mineira, com destaque para Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792)

Para Haydée, a história de Berilo, antigo Arraial da Água Suja, se inseriu “de maneira salutar” na Inconfidência Mineira: “A posição intermediária do arraial no contexto econômico da Comarca do Serro e as conexões com outras áreas da Capitania de Minas permitiram que a história da região se enlaçasse com um dos mais importantes movimentos sediciosos tramados nas Minas no século 18, por meio dos inconfidentes Domingos de Abreu Vieira e Tiradentes”.

No século 19, foi a vez de viajantes, a exemplo do historiador austríaco João Emanuel Poh e o francês Auguste de Saint-Hilaire se hospedarem no casarão. “Ele serviu de cenário para reuniões, conferências, tomada de importantes decisões e projetos em defesa dos valores da época, compartilhou dos trabalhos de mineração de ouro e pedras preciosas, assistiu à violência e maus-tratos dispensados aos escravos no escuro do seu porão, bem como do benéfico trabalho em favor da formação da Vila de Água Suja.”

Trajetória

O inconfidente Domingos Abreu Vieira era português natural de São João de Concieiro, cidade localizada em Conselho de Regalados, na Comarca de Viana, no Arcebispado de Braga. Nasceu em 1724 e morreu em Muxima, Angola, no dia 9 de outubro de 1792. Conforme pesquisa do Museu da Inconfidência, de Ouro Preto, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira – volume II, ele trabalhou como tenente-coronel e foi preso em Vila Rica em 23 de maio de 1789.