(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Queijo artesanal é companheiro ideal de um cafezinho


postado em 16/11/2008 08:37 / atualizado em 08/01/2010 04:02

-->
Fotos: Euler Júnior/EM/D. A. Press
José Brandão Simões preserva a técnica herdada dos antepassados e acredita que o clima da Serra do Cipó é muito bom para a arte queijeira

Serro – Na cozinha da fazenda, sobre a mesa de madeira, o queijo é estrela de primeira grandeza, alvo de todas as atenções. Cada um que chega vai logo cortando um pedaço, às vezes pequeno, em outras mais generoso, para apreciar com o café quente que sai do bule esmaltado. A combinação perfeita dos dois sabores emoldura um quadro bem mineiro: a conversa em torno do fogão a lenha, o dia que parece não ter fim e as histórias, novas e antigas, que dão cores vivas à região. No Serro, no Vale do Jequitinhonha, a 326 quilômetros de Belo Horizonte, o produto, feito com leite cru e o pingo – fermento natural –, já se tornou sinônimo de arte, técnica e hospitalidade. E ganhou até um certo ar de mistério no seu preparo, o que passa de geração em geração e torna as fatias brancas ainda mais especiais e cobiçadas.

Com seu jeito calmo, bem típico do interior, o produtor Jorge Brandão Simões, dono da Fazenda Engenho da Serra, a 15 quilômetros do Centro da cidade, sabe que o legítimo produto do Serro tem lá seus segredos. Descendente de portugueses e representante de uma linhagem de queijeiros de boa cepa, ele cita alguns dos fatores fundamentais que garantem a textura inconfundível, a liga cremosa de dar água na boca e uma consistência particular. Tudo começou nos tempos coloniais, há quase 300 anos, com origens na Serra da Estrela, em Portugal. Os primeiros queijeiros trouxeram para o Brasil a sua tecnologia, que se casou perfeitamente com o clima das montanhas de Minas e gerou boa tradição e os prazeres do paladar.

“Temos um clima ameno durante todo o ano, além de uma topografia favorável, coberta de mata atlântica. Estamos cercados de montanhas, que direcionam as correntes de ar, impedindo mudanças bruscas de temperatura e interferências na bactéria láctea do fermento”, afirma Jorge. De manhã bem cedo, na ordenha, ele revela outras particularidades que fazem a diferença no produto final. Uma delas é criar apenas gado girolando, para obter um leite com maior teor de gordura e mais volume de massa. “Mas há outros segredos, o nosso pulo-do-gato…”, desconversa o produtor.

O reconhecimento como patrimônio cultural do Brasil, em maio, destacou o modo de fazer o queijo nas regiões mineiras do Serro, Alto Paranaíba ou Serra do Salitre e Serra da Canastra, no Centro-Oeste. Juntas, elas oferecem 13,5 toneladas/ano. “Esse título, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), aumentou nossa auto-estima e trouxe mais responsabilidade”, conta Jorge, que preside a Associação dos Produtores Artesanais do Queijo do Serro (Apaqs). A entidade, com 950 associados e produção em torno de 10 mil kg/dia, inclui ainda os municípios de Alvorada de Minas, Dom Joaquim, Conceição do Mato Dentro, Sabinópolis, Paulistas, Materlândia, Rio Vermelho, Serra Azul de Minas e Santo Antônio do Itambé.

A luta para conquistar o registro cultural começou em 2001 e teve na Apaqs um dos seus baluartes. A primeira vitória veio no ano seguinte, com o reconhecimento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). Na época, a produção do queijo artesanal estava ameaçada pelas leis sanitárias e pela obrigatoriedade de se usar o leite pasteurizado, como faz a indústria. Para os produtores, isso significaria o fim da comercialização. “Com a decisão do Iphan, o queijo fortaleceu a sua condição de bem cultural”, orgulha-se. No Serro, a atividade está nas mãos de pequenas famílias, com uma oferta média diária de 20 unidades. Pela lei estadual, eles só podem usar matéria-prima das suas propriedades. Uma vez por mês, a turma se reúne para discutir as questões do setor, num encontro batizado de café com queijo.

Mandamentos

Com a maior visibilidade para o queijo artesanal, os visitantes estão chegando não só para conhecê-lo na fonte, como também o lugar onde é feito. “Isso incrementa o turismo rural”, conta Jorge. Na cozinha do casarão da fazenda, construção da década de 1930, ele recebe grupos interessados em conhecer os detalhes da produção e o funcionamento de uma propriedade rural mineira. Para dar mais charme, ele montou um pequeno museu, com bancadas primitivas e fôrmas de madeira para fazer o queijo, além de um paiol arejado que faz o visitante se sentir em casa e se esquecer da vida urbana.

Caminhando pelo casarão, vê-se que a higiene deve ser a base primordial do processo queijeiro. Não é à toa que Jorge pendurou, na parede, um cartaz com os 10 mandamentos essenciais, fruto de um trabalho da Universidade Federal de Viçosa (UFV): lavar as tetas do animal; pôr o leite em balde limpo; tomar banho antes de fazer o queijo; lavar as mãos; manter uma muda de roupa limpa só para fazer o queijo; usar touca, mas jamais relógio e pulseira; fazer a barba; manter as unhas curtas, limpas e sem esmalte; não fumar; não tossir ou espirrar no local de fabricação; e, finalmente, não conversar, coçar o corpo, mexer nas orelhas ou no nariz. Depois dessa dicas preciosas, mãos à obra!

SERRO
Vale do Jequitinhonha

População: 20,8 mil habitantes
Fundação: o primeiro povoado surgiu em 1702, tornou-se vila em 1714 e cidade em 1838
Distância de Belo Horizonte: 326 quilômetros






1 -
Vida de queijeiro começa cedo. Antes da ordenha, Jorge faz completa assepsia da vaca para evitar contaminação. Para fazer um quilo de queijo, são necessários de oito a 10 litros de leite. O primeiro passo é adicionar uma colher (de sopa) de fermento natural, também chamado de pingo, e uma colher (de chá) de coalho. Mexer durante dois minutos e deixar em repouso, num recipiente, de 40 minutos a uma hora


2 - No mesmo recipiente, “cortar” a massa em pedaços, com as mãos ou pá de aço inox ou de PVC. Deixar decantar e tirar o soro, coando-se a massa numa telinha de nylon. Depois de retirado todo o soro, pôr a massa numa fôrma de plástico (diâmetro de 15cm)


3 - É nesta etapa que o queijo ganha forma. Com técnica e muito jeito, o queijeiro faz o que se chama de espremedura, apertando a parte superior com as mãos. Em seguida, ele vira o queijo na bancada, retira a fôrma, acrescenta mais massa e aperta a outra parte. O processo se completa jogando bastante água limpa para lavar o produto, que será virado e salpicado com sal grosso (50g)


4 - Nas próximas seis horas, o queijo será virado mais uma vez. Terminado esse processo, poderá ser recolhido, na bancada, o pingo (fermento), a ser usado na produção do dia seguinte. O queijo do Serro vai bem com um café coado na hora e acompanha bons momentos de prosa, principalmente se a conversa for perto do fogão a lenha, numa cozinha bem agradável


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)