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Estado de Minas

Ensino superior é ambiente restrito


postado em 02/11/2008 08:48 / atualizado em 08/01/2010 04:06

Beto Novaes/EM/D.A Press
Vizinhas e amigas, Vilane e Liliane, do Cafezal, têm a mesma idade e preocupação semelhante: cuidar do futuro dos filhos
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Quando passou no vestibular para educação física, Ingrid Ariana da Silva, de 19 anos, apostou que dali para a frente tudo iria mudar, mesmo que a futura faculdade fosse particular. Vieram os primeiros meses, ela conseguiu uma bolsa parcial para estudar, pagando R$ 269 por mês. “Mas as coisas não são tão fáceis. Há livros, cópias, lanches e transportes.” Hoje, no terceiro período do curso, pensa em trancar a matrícula, por não ter condições de continuar. “Todos conseguiram estágio na minha sala, menos eu. Tenho plena certeza de que o fato de eu morar numa favela é um entrave, eles olham o endereço e preferem contratar quem mora em lugares melhores”, desabafa.

Morando na Barragem Santa Lúcia, Ingrid conta que na sua sala da faculdade é a única que vem de uma comunidade pobre. “Os outros têm carros, moram em lugares bons e sempre viajam. É um ambiente muito diferente do meu, tanto é que nunca convidei nenhum deles a vir à minha casa”, revela. E acrescenta: “Eles não conhecem a realidade de dormir e acordar sentindo cheiro de drogas”.

De acordo com a pesquisa da PUC, Ingrid é exceção entre as jovens de baixa renda. Os resultados indicam que o segundo grau é o limite da escolarização da maioria das moradoras de favelas. De acordo com os dados, apenas 1,4% das entrevistadas nessa faixa social cursa ou cursou uma faculdade. “Em relação ao mercado de trabalho, as que estavam trabalhando, que correspondem a 50%, têm renda média de R$ 330. E 56% disseram ser comerciantes, atendentes e trabalhadoras de serviços administrativos. Outras 24% são domésticas”, conta a pesquisadora Mônica Maia.

Enquanto o índice de mulheres que cursa ou cursou ensino superior em comunidades carentes é de 1,4%, nos bairros da Região Centro-Sul chega a 40%. De acordo com a pesquisa, 51% das entrevistadas entre 20 e 24 anos declaram estar trabalhando, com renda média de R$ 700, e 47% são estagiárias de ensino superior.

Aos 23 anos, Naíssa Zeh, estudante do 8º período de design de produto em faculdade particular, é dona do próprio negócio. Ela já morou por 10 anos na Inglaterra e fez curso técnico em Londres. “Com essa experiência, aprendi a ter disciplina e as portas se abriram para mim”, avalia. Sua empresa, inaugurada recentemente, trabalha com design de móveis e ela conta com a ajuda de dois sócios, que conheceu quando fez um estágio na área.

Há dois anos, Naíssa mora sozinha, no Bairro Sion, e se considera independente financeiramente. “Tenho apartamentos em meu nome e consigo sobreviver com o aluguel deles”, conta, revelando que, por mês, chega a pagar R$ 900 de faculdade. Segundo ela, o fato de abrir o próprio negócio é um risco. “Porém, estou na idade de arriscar, tenho um futuro pela frente. Se hoje tivesse filhos, não teria essa coragem, ia procurar um emprego com carteira assinada. Quero me casar daqui a um bom tempo. Primeiro, quero me dedicar à minha carreira”, pontua.

Segundo a professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas Lúcia Lamounier, é no mercado de trabalho que se refletem ainda mais as desigualdades. “O ensino superior muitas vezes não é valorizado pelas garotas da favela, uma vez que não enxergam nele uma melhora para o futuro”, diz. E admite que a minoria que consegue chegar ao ensino superior enfrenta dificuldades por vir de regiões pobres. “Muitas perdem uma vaga por morarem em vilas. É o preconceito da sociedade.”

 No estudo, os pequisadores propõem mudanças para esse cenário de desigualdades e a necessidade de estudar melhor a relação entre escolaridade e profissionalização no caso de mulheres jovens de baixa renda. De acordo com Mônica Maia, o “relativo” melhor acesso ao segundo grau não se traduz em uma inserção profissional das moradoras de favelas. A ausência de políticas públicas voltadas para esse segmento da população que não sejam focadas na saúde reprodutiva também reflete essa falta de entendimento sobre essa realidade. “É urgente pensar em políticas públicas que possibilitem às jovens do morro acessar o ensino superior ou técnico de qualidade, para que o mercado de trabalho possa ser ampliado e diversificado, e a remuneração possa ser maior”, diz.


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