Para as mulheres que sobreviveram à violência de ex-companheiros, relembrar os momentos de dor 'a fÃsica e também da alma', é como remexer numa ferida que jamais cicatriza. A vendedora Kalila Costa Carvalho, de 25 anos, passou muito tempo num hospital e faz fisioterapia. Hoje, ela evita comentar os quatro tiros que levou do desempregado Glayson Alexandre Teixeira Vasconcelos, de 31, em maio deste ano. O estado psicológico mais grave é o da estudante de administração de empresas do UNI-BH, Daniele Jequeline Ramos Nascimento, de 21, baleada pelo ex-namorado em uma sala de aula, em 7 de abril. Na quinta-feira da semana passada, ela fugiu à s presas do banco onde faz estágio, com a roupa do corpo, quando soube que o seu agressor, o desempregado Rodrigo Wenceslau Nassif Silva, de 31, tinha sido posto em liberdade pela Justiça, por excesso de prazo. A jovem, que tem medo de ser atacada novamente, se esconde numa cidade do interior.
Por recomendação médica, Daniele não falou do seu drama com o Estado de Minas. 'Ela está muito doente, em pânico. Só chora, não come e não se levanta da cama para nada. Isso tudo é reflexo do criminoso em liberdade. Ela pensa que a qualquer hora o ex-namorado vai entrar pela porta e descarregar a sua arma', disse a mãe da estudante, a aposentada Maria do Carmo Ramos, de 58.
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Mulheres vÃtimas da violência são entregues à própria sorte
Também é trágica a desilusão amorosa da estudante de pedagogia Eliene Maria Coelho, de 40, que chegou a ver a cara da morte, mas resistiu e hoje tenta retomar a vida. Em maio, ela foi torturada por mais de 10 horas pelo amante, o estudante de direito e agente penitenciário Cristiano Eloy Gomes, de 32, que é casado com outra mulher e tem três filhos.
Cristiano passou a madrugada cortando a vÃtima com uma faca. Ele ainda quebrou os dentes dela e feriu a barriga com uma barra de ferro. O crime chocou os moradores do Bairro Ipiranga, na Região Nordeste da capital. Cristiano, que ficou conhecido como 'Monstro do Ipiranga', foi preso ao lado da vÃtima, quando ela agonizava. Eliene disse à polÃcia que Cristiano a obrigou a relembrar seus relacionamentos antigos e o ciúme do amante motivou o crime.
Durante alguns meses, Eliene se refugiu na casa de parentes, numa cidade do Centro-Oeste do estado, e recentemente retornou a Belo Horizonte para retomar os estudos, devendo se formar em pedagogia nas próximas semanas. Ontem, ela se recusou a comentar a tragédia, que tenta esquecer a qualquer custo.
Queimaduras
Em 17 de setembro, outro crime passional resultou em duas mortes e chocou os moradores do Bairro São João Batista, Região de Venda Nova. O motorista de ônibus Nilson Ferreira Lopes, de 44, trancou a ex-namorada na casa dela, com duas filhas e uma irmã, e ateou fogo. Aparecida Gomes dos Santos, de 39, e a filha dela, Jamaira Gomes dos Santos, de 21, morreram em função das queimaduras. As outras vÃtimas, a filha caçula de Aparecida, a estudante CÃntia, de 17, e a irmã Genilva Estêves de Monteiro, de 16, tiveram ferimentos graves e sobreviveram. Somente na segunda-feira Genilva saiu do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e continua internada no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS).
A vendedora Luciana Mascena, de 31, ainda não se conforma com a morte da irmã Aparecida e da sobrinha Jamaira. O que a entristece ainda mais é ver o sofrimento da sobrinha CÃntia, que não consegue voltar a escola e vive chorando. 'Ela está fazendo tratamento com psicólogo e toma remédios controlados para dormir, pois acorda aos gritos de madrugada, assustada com pesadelos', disse Luciana. A estudante, segundo a tia, acredita que perdeu tudo que tinha de valor na vida. 'Para ela, seu mundo era a mãe e a irmã, pois foi abandonada pelo pai quando tinha 10 anos. Agora, ficou sem ninguém', lamenta a tia.
CÃntia se emocionou ao falar da sua perda. 'A minha vida está péssima. Por mais que tente esquecer o que aconteceu, não consigo. Eu ainda tenho um pai, mas é como se ele não existisse, pois ele nunca me procurou e nem quis saber como estou. Guardo muito rancor do homem que destruiu a minha famÃlia e também a minha vida. De alguma forma, eu também me sinto morta', disse a adolescente, que hoje mora com a avó.
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