Jornal Estado de Minas

Baile de debutantes inédito reúne jovens com deficiência

Gustavo Werneck
Rafaela usa as mãos para sentir a delicadeza do tecido e o relevo das pedrarias e adornos que enfeitam os vestidos da festa deste sábado - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A PRESS

 

O que os olhos de Rafaela não vêem, o coração de Esther sente. E ambas traduz em em gestos, sorrisos e palavras, algumas ditas com certa dificuldade, a sua emoção. Esther conta que o vestido da amiga é amarelo, tem pedras brilhantes no decote e é muito bonito, até mais do que o dela, nas cores rosa e azul. Rafaela, com delicadeza, segura a mão de Esther, faz com que os dedos deslizem pela roupa e revelem a barra elegante terminada em pontas, as alças nos ombros e a leveza do tecido. “O meu vestido também é lindo”, dá o arremate final. Sentadas diante de um espelho, numa loja de moda feminina, em Belo Horizonte, as adolescentes, a primeira, deficiente visual, e a segunda, com síndrome de Down, não cabem em si de alegria e ansiedade. Depois de posar para fotos, testar penteados, sapatos e enfeites, elas prometem se divertir muito na noite de hoje, numa festa promovida pelo Serviço Social do Comércio (Sesc/MG).

Ao lado de outras 23 meninas de 15 anos, ou perto de completá-los, Rafaela Alves Nunes, moradora do Bairro Botafogo, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, e Esther Maria Diniz Gomes, da Vila Oeste, na Região Noroeste da capital, participam, às 21h, no Sesc Contagem/Betim, de um baile de debutantes inédito no estado: todas as meninas que vão dançar a valsa e ser apresentadas à sociedade, como qualquer outra de sua idade, são portadoras de necessidades especiais – deficientes visual, auditiva e mental (a maioria) e paralisia cerebral. Mesmo com as limitações, já que muitas estão em cadeira de rodas, elas mostram entusiasmo e não vêem a hora de entrar no salão escoltadas pelos cadetes da Polícia Militar (PM) e do Corpo de Bombeiros para curtir a festa Especial 15 anos.

Com a mão na cintura e jogando a cabeça para o lado, como se fosse modelo, Esther ficou longos minutos diante do espelho da Maison Iris Clemência, no Bairro Cidade Nova, Região Leste da capital. Compenetrada, ela conferia cada detalhe do vestido e não se cansava de circular entre as vendedoras e fregueses, distribuindo afagos. “A festa vai ser boa”, comentou com Rafaela, que preferiu ficar sentada numa poltrona, embora não menos animada. “Meus pais fizeram a minha festa de aniversário, no sábado passado. Todos os amigos e parentes foram, dançamos ao som de música eletrônica, sertanejo e forró”, disse Rafaela, filha única e cega desde a infância.

Com o semblante tranqüilo e voz mansa, Rafaela considera a festa de hoje uma oportunidade de inclusão, “pois vai fazer uma mistura de todas as pessoas com a sociedade”. Estudante do Instituto São Rafael, no Bairro Barro Preto, aonde chega diariamente depois de hora e meia de viagem em dois ônibus, ela revela que pretende ser professora de música e cantora católica. Para tanto, aprimora os estudos de flauta e quer aprender a tocar teclado. Nas horas em que passou na loja, na quarta-feira, a jovem percorreu as araras de vestidos, assessorada pela gerente Maristela Souza, e sentiu, com as mãos, a riqueza das rendas bordadas, a fluidez das sedas, o poder dos couros e os trabalhos em pedraria. Como todos os clientes, Rafaela achou graça ao ouvir alguém comentar que Esther não queria mais tirar a roupa de festa, com a qual posara para fotos – na verdade, a menina só sossegou ao saber que a roupa de baile seria surpresa e apresentada poucas horas antes da festa.

Tarde de princesa

Até a hora do baile, as meninas têm hoje uma tarde de princesa. Sempre na companhia dos pais e da equipe do Sesc, comandada pela gerente de eventos comunitários, Elisabete Cássia da Costa, elas vão receber tratamento vip, que inclui cuidar da pele e dos cabelos, e esperar a noite sem estresse. “As meninas estão muito satisfeitas. Temos certeza de que muitas nunca poderiam ter uma festa assim, completa e sem custos”, garante Elisabete, lembrando que cada uma tem direito a levar 10 convidados. “Só temos notícia de um baile de debutante desse tipo em Santa Catarina, assim mesmo com convites pagos. Trabalhamos com portadores de deficiência, principalmente atletas, há sete anos”, contou.