Jornal Estado de Minas
Certificado

Lixo zero

Heloisa Aline
 
 

Enquanto um documentário investigativo do canal britânico Channel 4 revela as condições de trabalho nas fábricas da varejista on-line Shein, nas quais cada funcionário produz até 500 peças por dia, conta com um dia de descanso por mês e ganha menos de R$ 0,20 por cada artigo, alguns jovens tentam contribuir com o mundo e fazer o caminho reverso em suas marcas.
Desde que teve acesso às informações sobre como a indústria da moda é poluente, impactando diretamente o ecossistema do planeta, Sarah Almeida mergulhou em uma longa pesquisa sobre o tema. As reflexões, que começaram em 2016 quando estudava no Senai Modatec, ganharam corpo quando decidiu abrir seu próprio negócio e lançar a Florent no mercado.
 
- Foto: Florent/divulgação 
 
De lá pra cá, apesar das dificuldades enfrentadas, o projeto vem avançando. Agora, ela comemora mais um passo no caminho da sustentabilidade: a marca conseguiu o certificado de “lixo zero” outorgado pelo Instituto Lixo Zero Brasil, o que significa o primeiro ateliê do Brasil que aproveita todo o resíduo têxtil gerado na confecção das peças.
 
- Foto: Florent/divulgação 
 
Da pequena sobra do overloque ao retalho maior, tudo é processado por meio de máquinas que desfibram os tecidos e os transformam em um novo tecido ou em nova matéria-prima. O desafio é encontrar vida útil para os rejeitos e as possibilidades envolvem desde o aproveitamento do material no enchimento de almofadas à confecção de ombreiras.
 
- Foto: Florent/divulgação 
 
Depois das imagens das montanhas de roupas amontoadas no Deserto de Atacama, divulgadas pela imprensa, a questão do resíduo sólido ficou mais visível para a população. “Nós nunca descartamos os restos de tecidos usados nas nossas roupas, guardamos tudo em caixas e, finalmente, encontramos a solução que buscávamos”, relata a empresária.  Mas, como ela explica, infelizmente, tal tecnologia ainda não está disponível em Minas Gerais: seus parceiros são fábricas de São Paulo e Santa Catarina.
 
O selo zero waste da Florent repercutiu na mídia nacional e Sarah acredita que o fato poderá funcionar como exemplo para outras marcas. Crê também que a primeira coleção, que será lançada em novembro, após a obtenção do selo, tende a alcançar a meta pretendida dos seis dígitos, principalmente porque a Florent fez uma parceria com Rayssa Bratillieri, atriz internacional e influenciadora, uma adepta das causas sustentáveis.
 
“Nós já estávamos conversando há um bom tempo e, agora, o trabalho poderá ser realizado com mais potência, justificando o investimento que fizemos nesse certificado. Por sua vez, ele é um aval, poderá ser usado em várias situações, nas peças, na divulgação da marca”, pontua.

CONSCIÊNCIA Atuar no ramo da inovação dentro da sustentabilidade da moda não é tarefa simples, mas a semente foi plantada na cabeça da empresária por uma professora, no curso de produção de moda, ilustração e costura do Modatec. Tocada pelo assunto, iniciou os estudos sobre o tema.
“Tive acesso ao documentário ‘The true cost’ e ao movimento Fashion Revolution, que represento até hoje em Belo Horizonte. Não tinha ideia do impacto que a indústria de confecção gera no meio ambiente, particularmente a indústria do je- ans, que gasta litros e litros de água nas lavagens do tecido, entre outros problemas.”
 
Sua primeira reação como jovem até então atraída pelos preços praticados pelas lojas de fast fashion foi deixar de consumir roupa durante um ano. Vocacionada para a moda autoral, percebeu logo que tal comportamento não era o suficiente e resolveu investir em um projeto que cooperasse com o desenvolvimento sustentável.
 
Assim surgiu a Florent, em 2017, totalmente focada em upcycling no primeiro momento. “Comprava peças de brechó, principalmente o jeans, para criar outras peças, de olho na economia circular, que visa prolongar a vida da matéria-prima já existente”, ela ressalta. Procurou outros cursos, inclusive o oferecido pela Organização das Nações Unidas, para se atualizar e saber o que estava acontecendo no mundo nessa área.
 
Para se ter uma ideia, de acordo com dados da organização, são perdidos US$ 500 bilhões ao ano com descarte de roupas que vão direto para aterros e lixões e não são recicladas. Já a Prefeitura de São Paulo calcula que, a cada 100 peças produzidas, 10 são descartadas no corte, gerando uma perda de R$ 1 bilhão em matéria-prima têxtil.
 
O trabalho evoluiu e Sarah começou a contratar costureiras para executar os modelos. Em 2019, já com a empresa registrada, iniciou o e-commerce, sistema comercial adotado desde o início.
Com as vendas aumentando, houve necessidade de escalonar a produção. Hoje, a marca conta com uma pequena rede de costureiras independentes de Belo Horizonte, que, segundo ela, são bem remuneradas, já que um dos pilares da sustentabilidade inclui a valorização e bem-estar dos colaboradores das empresas.

PRINCÍPIOS Indo mais além, a Florent está conversando com o Instituto Brasileiro de Defesa da Natureza, entidade especializada em sustentabilidade empresarial e crédito de carbono, localizada em São Paulo, que já plantou 300 mil árvores no país, para incluir a pauta nesse braço ambiental.
“Prestigiar a economia local e matérias-primas nacionais, focar na economia circular, no slow fashion e no waste zero faz parte dos nossos princípios. Tudo isso envolve despesas, que são embutidas no preço do produto, mas os clientes se identificam com o propósito e reconhecem seu valor”, observa Sarah.
 
As coleções são vendidas no site ou pelo Instagram e WhatsApp. A próxima cápsula tem como tema a brasilidade e é voltada para a Copa do Mundo. A cartela destaca os tons de azul, amarelo e branco. São jaquetas, paletós, tops, bermudas, shorts e saias, em jeans e em malha, valorizados por detalhes e recortes. A alfaiataria é um dos destaques da marca, que já foi convidada para mostrar suas criações na exposição “Tecendo futuros”, no Minas Trend, e participou do desfile de abertura do Salão de Negócios Mineiro, em 2019.
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