Jornal Estado de Minas
entrevista/Maxime Tarneaud - 49 anos, gerente-geral da Cartier no Brasil

Butique on-line



Você compraria uma joia importada pela internet? Seis meses antes de a pandemia parar o Brasil, a Cartier inaugurou seu e-commerce com a expectativa de que a resposta seria sim. Hoje, a maison francesa comemora os resultados de um investimento que a fez largar na frente no mercado on-line de luxo brasileiro. As vendas quintuplicaram de 2019 para 2020 e chegaram ao número que era meta para o quinto ano de operação. Parte da estratégia de expansão da marca, que tem duas lojas físicas em São Paulo, a plataforma virtual foi relançada no início do mês, depois de ser totalmente reformulada. Em entrevista ao Feminino&Masculino, o gerente-geral da Cartier no Brasil, Maxime Tarneaud, explica que a ideia é tentar ao máximo aproximar a experiência da loja virtual à das boutiques.
 
Como você se envolveu com o mercado de luxo?
Sou de Paris e me formei lá em uma escola de negócios. Já tinha muita vontade de conhecer o mundo, viajar e morar fora. Fiz estágio, por acaso, no Grupo LVMH e isso me deu a oportunidade de entrar no mercado de luxo. Me apaixonei por esta indústria, os produtos, a história das marcas.
Conquistei um savoir-faire grande e já tenho 26 anos de mercado de luxo. Trabalhei 10 anos no Grupo LVMH, sendo oito na Louis Vuitton, tanto na França como nos Estados Unidos, Argentina e Brasil. Depois, trabalhei três anos na marca italiana de calçados masculinos Berluti e três anos no grupo de cosméticos Shiseido. No Brasil, fiquei três anos no Grupo Iguatemi e há três anos virei gerente-geral da Cartier.

Esta é a sua segunda vez no Brasil?
Na primeira vez, trabalhava na Louis Vuitton em Nova York. Abri uma loja em Porto Rico, depois tive a oportunidade de me mudar para Buenos Aires. O primeiro contato com o Brasil foi quando ainda estava na Argertina e fiquei um dia no Rio de Janeiro. Mesmo com a agenda apertada, consegui um tempo livre para conhecer o Corcovado.
Alguns meses depois, a marca resolveu abrir um escritório regional em São Paulo e morei aqui por dois anos. No início de 2008, resolvi voltar para o Brasil. Morava em Paris, não estava feliz, e um belo dia larguei tudo o que tinha. Peguei as minhas malas e voltei para o Brasil. Acho que foi a melhor decisão da minha vida, vir para um país que já conhecia, onde tinha amigos e vinha passar férias todo ano. É o conselho que dou para as pessoas. Tem hora que você precisa forçar o destino e sair da zona de conforto. Cheguei aqui e comecei a procurar emprego.
Meu ex-chefe na Louis Vuitton me ajudou. Já estou há 10 anos na Cartier. Depois conheci a minha esposa e me casei.

Por que escolheu o Brasil?
Desde o começo, o que me encantou no país foi o calor humano, a alegria do brasileiro, o gosto pela vida. Isso me atraiu muito. De fato, os franceses são bem diferentes dos brasileiros. Hoje me considero mais brasileiro do que francês. Sou casado com uma brasileira, meus dois filhos nasceram aqui, e estou aqui pela segunda vez há 13 anos. Tenho uma grande paixão pelo país. Apesar de todos os problemas, o Brasil é um país fantástico, onde ainda existem muitas oportunidades de negócios, comparando com a Europa. Vejo mais como país do futuro do que a França, que é um país mais velho.

Existe muita diferença entre o mercado de luxo da moda e da joalheria?
Acho que são mercados bem dife- rentes.
Joia é um produto mais durá- vel. Não segue coleções, como o universo da moda. A Cartier cria produtos para a vida inteira. Vendemos nas butiques produtos criados há mais de 100 anos. Para mim, a grande diferença é que a joalheria trabalha com produtos permanentes, que são transmitidos de geração em geração.

O que mudou na Cartier desde que você entrou, há 10 anos?
Quando entrei, tínhamos uma butique nos Jardins, em São Paulo. Saímos da rua para abrir duas butiques em shoppings. Temos outros dois motores de vendas além das butiques. Os nossos parceiros, chamados de concessionários, que revendem os nossos relógios. Enxuguei bastante para termos uma distribuição mais exclusiva, com representatividade e visibilidade maiores. Hoje, são 20 no Brasil.
(Em Belo Horizonte, tem a Manoel Bernardes e a Savine.) O terceiro motor é o e-commerce, que lançamos há pouco menos de dois anos e foi um grande avanço na nossa operação no Brasil.

Como o mercado de luxo brasileiro tem se transformado nestes anos?
Antes de 2008, existiam 10 marcas. Hoje tem muito mais e a oferta de produtos internacionais cresceu de forma exponencial. Além da quantidade de players, existe um fator interessante: os lançamentos acontecem no mundo inteiro ao mesmo tempo. Não tem mais aquele delay de antes. Outro ponto é o preço. As marcas estão se posicionando com preços mais agressivos, muito parecidos com os da Europa e Estados Unidos, o que não era o caso. Ainda é um mercado muito pequeno, e esse é um dos motivos pelos quais muitas marcas saíram, achando que o Brasil era a nova China, mas não é isso. O mercado do Brasil é caro para operar, mas, ao mesmo tempo, tem um consumidor muito atualizado, moderno, sofisticado, que viaja, que sabe o que a Cartier faz. Então, considero um mercado importante.

O que o consumidor brasileiro tem de diferente dos outros?
O brasileiro é moderno, gosta de consumir as novidades, não quer esperar seis meses para comprar. Ele gosta de entrar na butique, sentar, conversar e se sentir paparicado. Quer uma experiência personalizada. O Brasil não é um mercado onde temos turistas comprando os nossos produtos, se compararmos com a Europa, onde a grande maioria são asiáticos, norte-americanos, e os locais representam uma fatia pequena. Aqui é o oposto, não temos turistas, e isso faz com que o tempo que as pessoas passam nas nossas butiques seja muito maior do que fora. A frequência de visita dos clientes também é maior que em outros mercados. Aqui, butique não é só um lugar de consumo, é onde as pessoas vão para se socializar, conversar sobre a vida. Por isso, as nossas butiques estão se tornando cada vez mais lugares de experiências, convivência, não só espaços comerciais. O público brasileiro é assim, quer ter tempo para entrar em uma joalheria como a Cartier e pensar no que vai comprar. É exigente e espera um alto nível de serviço. Quer se sentir parte de um grupo exclusivo de pessoas. A relação humana do cliente com a marca é muito profunda no Brasil.

O público da Cartier é mais masculino ou feminino?
A Cartier é uma maison feminina, mas o comprador é mais masculino. Muitos homens entram nas butiques para comprar joias para as mu- lheres.

Qual é o produto mais vendido no Brasil?
A pulseira Love. É um modelo icônico, de 1969. A Carteir tem um estilo perene, o que não significa que não seja moderno. Somos uma marca moderna.

O que levou à decisão de abrir uma loja virtual no Brasil?
A Cartier tinha o objetivo de elevar a estratégia de comunicabilidade. De oferecer acesso a todos os canais e os clientes decidem onde querem comprar. Poucas marcas têm o que temos, que são as butiques e os parceiros. Hoje temos uma presença ampla no Brasil, com representantes que comercializam os relógios da Cartier nas principais cidades. Mas a gente sabia que, tendo só duas butiques concentradas em São Paulo, o cliente que queria uma joia em outra cidade tinha que vir até aqui. Daí a decisão de entrar no comércio eletrônico. Do mesmo jeito que a Cartier foi pioneira ao chegar ao Brasil há 43 anos (abrimos a filial em 1978 e somos a marca internacional que está há mais tempo no país), fomos os primeiros neste segmento de e-commerce de luxo. Havia pouquíssimas marcas, a Louis Vuitton era a única. O principal motivo é atender todos os clientes.

O brasileiro se mostrou resistente em migrar para o on-line?
A gente sabia que ia levar alguns meses para ver os primeiros resultados. Num primeiro momento, você tem que criar um tráfego no site, para depois converter em vendas. Lançamos em agosto de 2019 e seis meses depois veio a pandemia. Então, tivemos seis meses com valores tímidos, mas, é como uma butique, temos que criar fluxo de clientes. O público entra, avalia, depois volta para comprar. O consumo de joia é diferente do de roupa e de calçado, porque os preços são muito diferentes. Acho que o lado impulsivo na compra de joia é bem menor.

Como levar experiência da butique para o e-commerce?
Esse é o grande desafio, manter a conexão entre o cliente, o produto e a marca, o senso de exclusividade, o ambiente de venda. Isso que estamos o tempo inteiro trabalhando. Queremos que a experiência do cliente on-line seja a mais parecida possível, mas é difícil. Acabamos de lançar um novo site e agora ele tem todos os códigos da marca e das butiques. Tentamos fazer com que o cliente entre na butique on-line e se sinta no universo Cartier, sofisticado e com atendimento exclusivo. Temos embaixadores para atender o cliente que tenha dúvida. É como se fosse um vendedor da butique, ele tem o mesmo treinamento. Para mim, o cliente que compra no e-commerce tem que ser tratado da mesma forma que na butique. O grande segredo é conseguir humanizar este universo on-line. Que o cliente sinta que a gente sabe que ele existe. Nunca comprei em um e-commerce e depois recebi uma carta de agradecimento da marca, e é algo que estamos fazendo.

Como a pandemia impactou os negócios?
Para nós, lançar o e-commerce antes da pandemia foi, obviamente, a melhor decisão. As nossas butiques ficaram fechadas por três meses e conseguimos atender os clientes, com os próprios vendedores, ou pelo menos manter o contato com os clientes. Obviamente, a pandemia nos ajudou muito a passar de um patamar para outro em questão de relevância entre os consumidores. Tanto aqui como no resto do mundo. Hoje, o e-commerce se tornou um canal de vendas muito significativo para a Cartier, e olha que vender roupa é muito mais simples que joia. Conseguimos quintuplicar as vendas em 2020, comparando com 2019. Hoje as vendas no e-commerce representam mais de 10% das vendas. Chegamos ao número que tínhamos colocado como meta para o quinto ano.

Como aumentar ainda mais esses números?
Acabamos de reformar completamente a nossa butique. Você chega mais rápido aos produtos, acessa um conteúdo institucional com vídeo. A experiência do cliente vai ser muito melhor, e acho que isso vai ter um impacto positivo nas vendas. Ao mesmo tempo, temos que continuar divulgando que a Cartier tem um e-commerce no Brasil.

O perfil de compra é o mesmo no site e nas butiques?
Achava que ia mudar mais, mas está muito parecido com o que vendemos nas butiques. Inclusive, já fizemos algumas vendas de mais de seis dígitos. Foi surpreendente. A grande diferença é que a maioria dos clientes são novos, nunca tinham comprado Cartier antes. Muitos porque não moram em cidade onde encontram a marca. Em termos de idade, são apenas três anos mais jovens, mas o mix de produtos é muito parecido. A pulseira Love continua a ser a mais vendida.

Quais são os planos da Cartier para o Brasil?
Vamos continuar fortalecendo a butique e os parceiros e continuar ampliando e-commerce, que tem grande potencial.

Existe mercado para novas lojas?
Não sei responder. A grande dificuldade desta pandemia, no caso da Cartier, é entender o futuro. No ano de 2020, no meio da pandemia, tivemos um recorde de vendas no Brasil . Então, não sabemos se esses crescimentos fortes, tanto em 2020 quanto em 2021, vão se manter na mesma velocidade. O mercado de luxo, nesse sentido, é um pouco atípico. Mesmo em momentos de crise grave, marcas como a Cartier resistem. O produto é perene, não vai ser jogado no lixo cinco anos depois. Nestes momentos de crise, o nosso segmento de joias tende a resistir melhor que outros.

O Brasil é um mercado que anima?
Se você olha os números da Cartier, estamos indo bem em todo o mundo. O mercado mais impactado pela pandemia foi a Europa, porque os turistas não estão indo, mas no resto do mundo – Ásia, Estados Unidos, América Latina, Oriente Médio – estamos com forte crescimento. E o Brasil é, sim, um dos países com maiores crescimentos percentuais.

Você tem vontade de voltar para a França?
Não, temos muito potencial para crescer e consolidar cada vez mais a marca no Brasil. 
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