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Estado de Minas ENTREVISTA

Farmacêutica busca parceiros para doar testes rápidos para COVID-19 em Minas

Ana Paula Tameirão, fundadora da QR Consulting, defende que os testes rápidos são fundamentais para monitorar a população e garantir a retomada da economia com segurança


19/07/2020 04:00 - atualizado 20/07/2020 13:56

(foto: QR Consulting/Divulgação)
(foto: QR Consulting/Divulgação)

“É hora de doar o que se pode.” Ana Paula Tameirão, de 47 anos, está no olho do furação chamado COVID-19. Fundadora da QR Consulting, com sede em Belo Horizonte, no momento ela trabalha para registrar na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), importar e distribuir testes rápidos para a doença. Ainda assim, a farmacêutica encontra tempo para dar sua contribuição à sociedade, o que considera uma “obrigação”. A empresa faz parte do movimento nacional #2em2, iniciado em São Paulo, que promove ações para doar testes rápidos a quem precisa. Ana Paula está agora em busca de parceiros para construir o movimento em BH. Para a mineira, os testes rápidos, usados para detectar se a pessoa já teve contato com o vírus, são fundamentais para monitorar a população e garantir a retomada da economia com segurança. Mas ela alerta que eles só podem ser aplicados e analisados por profissionais de saúde.
 
Como começa a sua história?
Nasci em Belo Horizonte e me formei em farmácia com habilitação em bioquímica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde então, me voltei para gestão da qualidade. Trabalhei na implementação de sistema de qualidade em um laboratório, depois fui para uma indústria de produtos médicos, onde fiquei durante 18 anos como gestora de qualidade e gerente de assuntos regulatórios, responsável por registrar os produtos que a empresa fabricava tanto no Brasil quanto nos países para onde ela exportava. Devo a experiência que acumulei a esta empresa, os desafios enfrentados lá. Assuntos regulatórios não se aprende na universidade, é no “tapa” mesmo.

Quando surgiu a ideia de abrir o seu próprio negócio?
Saí da empresa por uma decisão de começar carreira solo. Montei a QR Consulting em 2014 como uma empresa de consultoria. Em 2015, a Maria José Duarte se associou e começamos a atuar como representantes legais de empresas estrangeiras no Brasil. Ou seja, empresas que não têm escritório no Brasil e precisam apontar uma empresa no país como detentora do registro dos seus produtos. Já éramos importadores e, agora em 2020, nos tornamos também distribuidores. Trabalhamos com o registro dos produtos para a saúde na Anvisa, para que eles possam ser comercializados no Brasil, importamos e agora temos autorização para distribuir. Temos clientes nos Estados Unidos, Alemanha, China, Índia, Israel. Queremos focar no diagnóstico in vitro, até pela nossa formação como farmacêuticas, que são testes feitos em laboratório (fora do organismo) para diagnosticar doenças, e também em materiais para a área cirúrgica, como cateter e sonda, que são utilizados nos hospitais.

Como a empresa se envolveu com os testes rápidos da COVID-19?
No início do ano, um cliente norte-americano nos pediu para fazer o registro dos testes da COVID-19. Então, a nossa empresa foi uma das primeiras a conseguir o registro da Anvisa. Os primeiros saíram no dia 19 de março, e o nosso estava lá. Hoje temos três registrados (dois desta mesma empresa e outro de uma empresa chinesa) e temos outros para registrar, de outra empresa norte-americana e de uma canadense. Acabou que, como fomos uma das primeiras, ganhamos muita visibilidade. A nossa preocupação é trazer testes de qualidade excelente, com sensibilidade elevada.

Como funcionam os testes rápidos?
Existem duas metodologias principais para a detecção da doença. A primeira corresponde ao RT-PCR, que detecta a presença do vírus no estágio inicial, quando ele está circulando e se multiplicando no organismo. A partir da segunda semana, o organismo começa a produzir anticorpos para dar um jeito de eliminar o vírus, que são as células de defesa. Os testes rápidos não são para o momento inicial, são para ver se a pessoa já teve a doença, pois identificam a presença de anticorpos. São indicados para a fase a partir de 10 dias de sintomas. É importante ficar claro que, quando você vai para o hospital, vai fazer o teste RT-PCR. O teste rápido é para monitorar a população, ele vai dar a ideia de quem já teve contato com a doença e já pode ser “reintegrado”. Brinco que é um atestado de bons antecedentes. Em teoria, pelo que se tem de conhecimento de imunologia, quando você entra em contato com o vírus, desenvolve imunidade. Mas ainda não deu tempo de fazer estudo específico para o novo coronavírus. Os testes rápidos podem ser usados, por exemplo, por empresas que querem saber quais funcionários ja tiveram a doença e que podem trabalhar normalmente e quais precisam ficar em casa.

Como está a demanda por testes?
No início, estava uma loucura, havia poucos testes registrados, o número de contaminados crescendo. Agora está mais tranquilo, porque já chegou muito teste no Brasil e a demanda, que ainda é grande, se distribuiu entre as empresas. Muitas empresas estão querendo testar seus funcionários, porque a economia precisa voltar. O cenário ideal é manter distanciamento, usar máscara, lavar as mãos e fazer testes para saber quem pode voltar a produzir. Lembrando que o teste precisa ser feito por um profissional de saúde habilitado. Não vendo para a empresa e pronto, tenho a preocupação de indicar laboratórios, senão o teste vai ser mal-usado. Já vendemos cerca de 90 mil testes, e pretendemos trazer mais, mas estamos com pé no chão. Como é um produto muito sério, que precisa ter aplicação certa, precisamos ter responsabilidade na venda, não é vender para qualquer um.

Qual é o maior desafio deste trabalho?
Primeiro, fazer com que as pessoas entendam a necessidade e o momento de usar o teste rápido. Há uma confusão e, pela falta de entendimento, tem gente que fala que teste rápido não funciona. Faz o teste de anticorpo e dá positivo e depois faz o RT-PCR e dá negativo, aí acha que está errado. Isso está colocando o teste rápido em uma situação ruim. O segundo desafio é o processo de importação. Foi um caos no início, uma demanda absurda, pessoas querendo comprar um milhão de testes, os principais fabricantes não conseguiam produzir, a gente não conseguia trazer. Enfrentamos muitos atravessadores, muita gente que não é da área entrando, vendo uma oportunidade de negócio. Não é o momento de pensar em um negócio lucrativo. Estamos vivendo uma pandemia, isso é um problema de saúde pública grave. Para a nossa empresa é uma oportunidade de negócio, mas temos seriedade para tratar disso. Somos farmacêuticas, eu trabalhei a vida inteira com produtos médicos. Vemos muitos importadores que apareceram e não conseguem nem explicar o teste. Isso carece de infomação técnica.

Vocês pretendem importar vacina contra a COVID-19 quando for aprovada?
Vacina entra na classificação da Anvisa como medicamento, então não vamos trabalhar com ela, porque vendemos produtos para saúde. Tomara que a vacina chegue logo, embora, até por ser farmacêutica, saiba que os protocolos de fabricação não são rápidos. Mas torço para que a tecnologia tenha chegado a ponto de que seja fabricada em menos tempo.

A empresa faz parte do Movimento #2em2, que doa testes rápidos. Explique como funciona a ação e como as pessoas podem participar.
Fomos convidadas, com muita alegria, para participar do movimento, que começou em São Paulo, foi para o Rio de Janeiro e agora estamos tentando trazer para Minas. É um movimento de empresas particulares para incentivar a doação de testes rápidos para quem não pode pagar. Um teste custa entre R$ 180 e R$ 250, é caro e o governo não disponibiliza para todo mundo. Nós somos uma das empresas doadoras. Junto com a XP Investimentos e a Orbitae Diagnósticos, já entregamos 13 mil testes em São Paulo e até agosto serão mais sete mil. Além disso, pessoas físicas podem comprar pelo aplicativo Rappi e agendar o teste no esquema drive thru. No momento em que pagam, doam um. Agora estamos buscando empresas parceiras para construir este movimento aqui em BH. É uma forma de aumentar a testagem. Sabemos que o monitoramento da população é importante, até para volta a economia.

Por que apoiar este movimento?
É a nossa obrigação, como empresa importadora de testes, além de ser muito gratificante ajudar e estimular outras empresas a doar. Acredito nas iniciativas privadas, não temos que ficar esperando o poder público. Cada um tem que fazer a sua parte, ainda que seja pequena. Se cada um pensar em pequenos movimentos, juntos conseguimos um grande movimento.

Como é ser mulher neste mercado?
Já enfrentamos de tudo. Primeiro por sermos brasileiras. Viajamos muito, participamos de feiras internacionais, e as pessoas já chegam achando que o Brasil é aquele misto de burocracia e bagunça. Aí temos que falar que não, que temos uma agência reguladora muito forte, atuante e preocupada com a população. Como lidamos com diversas culturas, já enfrentamos várias situações de machismo, de achar que somos menos. Um cliente da Índia um dia veio questionar por que estávamos cobrando o mesmo preço dos Estados Unidos. Falamos que oferecíamos o mesmo serviço. Tenho certeza de que, se fosse um homem, ele não teria falado isso. Mas, no geral, vemos mudanças no mercado. As mulheres estão cada vez mais presentes nestas feiras, representando empresas internacionais. Entre os diretores comerciais que lidam com o mercado externo, a grande maioria são mulheres. Isso é muito bacana. Acho que 75% dos nossos clientes têm mulheres à frente.

Na sua opinião, o Brasil está indo bem no enfrentamento da pandemia?
Não, no Brasil falta liderança para comunicar adequadamente o isolamento e o distanciamento, o que é fechamento de comércio. Acho que isso virou uma loucura, ninguém sabe para onde ir. Não estou falando do presidente, nem do governador, estamos há dias sem ministro da saúde. O Nelson Teich, para mim o mais técnico, foi uma perda grande. Acho que tem que ser feito um trabalho para cuidar que as pessaos adotem medidas de higiene, não só para prevenir a COVID-19, mas para qualquer outra doença. Lavar as mãos é uma medida sanitária há tantos anos, que inclusive reduziu a infecção hospitalar. Lavar as mãos é um segredo para a nossa vida e o governo precisa trabalhar esta questão, além de exigir o uso de máscara nos ambientes onde a aglomeração é inevitável, porque a economia tem que voltar. Senão vai morrer mais gente de fome e de suicídio do que de COVID-19. Precisamos cuidar das pessoas do grupo de risco que não podem pegar a doença – essas, infelizmente, precisam ficar isoladas em casa, mas não tem como imunizar a população se metade dela não tiver contato com o vírus. Só não podemos saturar o sistema de saúde. Acho que o governo de Minas está fazendo um trabalho muito bom.

Você tem uma visão otimista do futuro?
Temos que ter, não podemos perder isso. As coisas vão melhorar, isso vai passar. O que temos que fazer é trabalhar para manter a sanidade mental. Acho que tem que existir uma comunicação adequada por parte das autoridades e precisamos cuidar dos profissionais de saúde, aqueles que estão na linha de frente. Temos que cuidar de quem não pegou e fazermos a nossa parte. Manter distância, evitar abraço, aperto de mão, lavar as mãos e usar máscara. Vamos conseguir superar isso com menos tempo.

O que você tem feito para  manter a sanidade mental?
Gosto de correr, então continuo fazendo atividade física. No fim de semana, estou sempre junto com os meus filhos e o meu marido, tentando conversar ao máximo com amigos e família, da forma que é possível. Tento desligar a TV, não como forma de alienação, mas para não levar um soco no estômago toda vez. Aqui na empresa lidamos com COVID-19 o dia inteiro, respondendo dúvidas, explicando o teste, então tento sair fora da rotina. Ver um programa de culinária e ler um pouco para mudar de pensamento. Nos primeiros 45 dias de pandemia, não sabia em que dia da semana estava, não tinha sábado, domingo e feriado. Trabalhava 14h por dia. O telefone não parava de tocar, não tinha teste, foi um momento trágico, muito difícil, mas graças a Deus passou e estamos aqui, firmes, seguindo com os nossos planos. A empresa teve uma visibilidade bacana, mas continua com o propósito de fazer um trabalho técnico, seguindo valores de ética e transparência. 


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