(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas MASCORONA

Projeto desafia público a criar máscaras de 'proteção' com objetos do cotidiano

Ideia que começou como uma brincadeira entre amigos viraliza nas redes sociais e se transforma em uma catálogo de máscaras que marcam o período de isolamento social


postado em 24/05/2020 04:00 / atualizado em 24/05/2020 12:51

Ver galeria . 15 Fotos Raique Moura (artista visual)Arquivo pessoal
Raique Moura (artista visual) (foto: Arquivo pessoal )


No início, era apenas um desafio entre amigos. Mas a ideia se espalhou rapidamente pela internet e levou centenas de pessoas a criarem máscaras de “proteção” contra o coronavírus usando objetos do dia a dia. Em quase dois meses, o projeto Mascorona já publicou mais de 190 fotos no Instagram e há outras tantas na fila. “As máscaras podem ser lúdicas, poéticas, provocadoras, políticas, ingênuas. Algumas são extremamente sérias, outras são muito debochadas. Isso revela a abordagem criativa de cada um”, comenta o designer João Marcelo Emediato, um dos idealizadores. O desafio não exige nenhum material específico, só celular para tirar a foto. Quanto mais improvisada, mais interessante pode ser a máscara.
 
Acredite, o Mascorona não começou por causa do coronavírus. Foi uma coincidência. Depois de ler um livro do artista visual romeno Saul Steinberg, a designer Rita Davis teve vontade de estudar mais o trabalho dele e encontrou uma pesquisa sobre máscaras. A  quarentena já tinha começado, mas ela só se sentiu inspirada a fazer igual. “Não pensei no contexto que estava vivendo, mas, quando compartilhei a foto da máscara nas redes sociais, dois amigos tiveram a ideia de provocar mais pessoas a fazerem também e logo associaram à quarentena”, conta. O projeto acabou se encaixando perfeitamente à realidade.
 
A foto que inaugura o perfil no Instagram é a de Rita. A máscara segue o estilo nose mask, muito comum no trabalho de Steinberg, feita de papel e com um buraco no meio para enfiar o nariz. “Ele fazia máscaras bem minimalistas, um pedaço de papel com dois olhos e uma boca. Eu já fui um pouco mais escandalosa. Fiz a minha toda pintada e bem colorida”, descreve. A designer usou papel craft pintado com tinta em cores fortes e batom vermelho no nariz.
 
Em poucos dias, o post viralizou. A brincadeira de fazer máscaras começou em BH, só entre amigos, e do dia para a noite alcançou outras cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Brasília, Recife,  e países – Polônia, Estados Unidos e Itália. “Muitas pessoas, depois de conhecer o projeto, se viciaram em mascaramento a partir de objetos do cotidiano. Acho que isso ativou a criatividade delas. É um jeito de preencher o tempo e não enlouquecer”, opina.
 
Tiago Gambogi é ator e dançarino mineiro e mora no Reino Unido. Ele juntou uma série de objetos que tinha em casa para criar sua máscara de “proteção”. Rolos de papel higiênico, tubo de aspirador de pó, fita de isolamento, pregador, chapéu de operário, cabo de internet, luvas amarelas, passaportes e duas bolas vermelhas de massagem, que se assemelham ao coronavírus, se misturam em uma “imagem absurda, cômica e ao mesmo tempo opressiva”, como ele mesmo explica.
 
O autor da fotoperformance de nome Fé frágil quer impressionar pelo excesso. “Brinco com o nosso desespero e sentimento de aprisionamento, mas também alerto sobre a necessidade urgente de equipamentos de proteção e sobretudo à nossa fragilidade frente à covid-19”, informa.
 
Há entre os participantes artistas, fotógrafos, atores e designers, mas o projeto cresceu tanto que muitos não são da área criativa. Para Rita, isso mostra que arte e criatividade estão ao alcance de todos. “O projeto, sendo colaborativo e aberto, trouxe muitos significados. Algumas máscaras são de pesquisas mais aprofundadas, outras de pessoas que estão ressignificando objetos pessoais. Essas são as mais inesperadas, espontâneas e originais. Algumas simbolizam sensações, desejos e angústias.”
 
Rita usa como exemplo a máscara da pequena Olívia, de 5 anos. É a mãe dela quem conta como tudo aconteceu. Ana Oliveira mostrou as fotos para a filha e foi preparar o almoço. Minutos depois, a menina apareceu na cozinha com um lápis azul colado com durex na testa. Ela dirigiu a foto e posou com cara séria. Tudo tão espontâneo que surpreendeu. “Acho que a imagem reflete o momento que ela está vivendo. A Olívia gosta muito de desenhar e está sentindo muita falta da escola”, observa.
A mãe acha muito importante propor atividades que estimulam a criatividade das crianças, ainda mais durante o isolamento. Como professora de história, ela defende a necessidade de a escola disponibilizar para os alunos em casa materiais lúdicos, e não só conteúdo prático.
 
Os amigos que embarcaram com Rita na ideia do Mascorona são os designers João Marcelo Emediato e Filipe Costa. João mora em Helsinque, na Finlândia, onde faz mestrado em design gráfico. O fascínio por máscaras, que o tornou colecionador de imagens delas, vem da sua história com o teatro e do trabalho como designer. “As máscaras têm várias tradições do teatro, da arte popular, de épocas diferentes do mundo. Várias culturas criavam máscaras como forma de se esconder e revelar outra coisa”, conta.

EMPILHAMENTO O designer fez sua primeira máscara empilhando, com certa aleatoriedade, objetos disponíveis em casa. Um ferro de passar roupa apoiado em cima da cabeça, o fio dele enrolado no rosto, prendendo uma meia, que tampa um dos olhos, e uma banana com casca na boca. Já a segunda é inspirada em uma máscara italiana que mulheres usavam em bailes séculos atrás. A bola de papelão com superfície preta cobre todo o rosto e tem um botão costurado na parte interna que serve como apoio. “As mulheres ficavam caladas a festa inteira, porque a máscara era segurada pelos dentes”, detalha.

A ideia era simplesmente ocupar a cabeça e deixar a criatividadade fluir, mas rapidamente os amigos enxergaram a oportunidade de fazer uma conexão com o momento que vivemos. O projeto faz muito sentido, considerando que as pessoas vão ter que usar máscaras por um tempo. “Começamos a perceber várias metáforas, entre elas a de que a velocidade com que o vírus se espalha é a mesma com que uma ideia se espalha pela internet. Uma pessoa compartilha e contamina outras pessoas. Vira uma espécie de pandemia criativa”, compara.
 
O projeto chamou a atenção do fotógrafo Luis Filipe Américo por reinventar o trabalho do artista, que perde o valor em momentos de crise. Como trata da ressignificação de objetos, ele entende que nos faz enxergar o mundo de maneira mais lúdica. A sua máscara é formada por tijolo, arame e um pano (que não aparece) para não machucar o nariz. “Pensei no tijolo porque ele representa essa carga pesada que temos que carregar. Além disso, dá a ideia de proteção extrema, uma barreira muito grossa e forte para nos separar da realidade, do vírus e de tudo mais que vem de fora”, justifica.
 
 
Curadoria a três
O projeto Mascorona cresceu rápido demais e os idealizadores, que planejavam continuar desenvolvendo máscaras, viraram curadores da página no Instagram, que publica fotos diariamente. Os designers fazem uma seleção para evitar ideias repetidas, levam em conta a qualidade da foto e as que são esteticamente mais atrativas. “O projeto nunca teve caráter competitivo ou excludente. A ideia é guardar máscaras que consideramos mais inventivas, curiosas e interessantes”, pontua João Marcelo Emediato.
 
Segundo Rita Davis, o projeto não se encerra no Instagram. Na verdade, os amigos pensam em excluir a página depois que a pandemia passar e trabalhar em desdobramentos, como um livro ou uma exposição. “Seria uma forma de sair da internet e marcar fisicamente este período”, ela diz. João acrescenta que o Mascorona vai virar um registro da época. “Vão ser muito importantes as histórias que vamos contar deste ano maluco de quarentena. Acho que o projeto vai ficar circunscrito como uma narrativa deste período que estamos vivendo.”
 
Para alguns participantes, a experiência também terá desdobramentos pós-pandemia. Camila Fortes, criadora da marca Panoletos, é uma delas. A designer ficou sem rumo logo no início da quarentena, quando teve que fechar sua loja no Mercado Novo. Criar máscaras era uma válvula de escape, mas agora já funciona como uma extensão do seu trabalho. “Já tem um tempo que estou querendo ampliar o meu trabalho, indo para um lado mais autoral e mais artístico. Curiosamente, essa pausa me obrigou a mexer com o que já estava dentro de mim.”
 
Na primeira foto, Camila amarrou um livro pesado no rosto com elástico. O livro, não por acaso, é O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada, do italiano Domenico de Masi, cuja mensagem tem muito a ver com os tempos de pandemia.

Na primeira foto, a designer Camila Fortes amarrou um livro pesado no rosto com elástico(foto: Arquivo pessoal)
Na primeira foto, a designer Camila Fortes amarrou um livro pesado no rosto com elástico (foto: Arquivo pessoal)

 
A partir disso, a designer começou a fazer selfies que integram uma série de retratos na quarentena (não necessiamente máscaras). Uma delas tem relação direta com o seu trabalho de bordado: linhas foram coladas no rosto com cola de cílios, dando a ideia de que ela está costurando a pele. Em outra, ela tampa nariz e boca com pregadores de roupa. Há uma em que ela usa uma corda tão apertada que chega a desfigurar seu rosto. “Quero tirar as pessoas do modo contínuo de zumbi. Como assim, tem gente que não consegue ficar no conforto de casa, com comida na geladeira, filmes para ver, livros para ler, por uma questão de saúde mundial? Que egoísmo é esse?”

Camila não tem dúvida de que a experiência vai mudar a forma como se comunica e o trabalho em si. “Quem é empreendedor fica um pouco sufocado pelas outras funções que exerce. Tenho que vender, pagar conta, correr com a produção, e isso vai tolhendo a nossa mente. Talvez tenha encontrado uma atividade que vai alimentar o meu processo criativo”, observa. 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)