Jornal Estado de Minas

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Questão de escolha

Antes restritos à decoração, os materiais responsáveis ganham vários usos na moda - Foto: Gio Coppi/Divulgação

Usar ou não tecidos sustentáveis não é mais uma questão de desconhecimento ou dificuldade de acesso. É uma questão de escolha. Há dois anos, uma iniciativa em Belo Horizonte tem aproximado o mercado da moda de materiais que impactam menos o meio ambiente e se relacionam com responsabilidade com toda a cadeia produtiva. Detentora de um acervo itinerante, a Ecomaterioteca cataloga amostras da indústria brasileira e as apresenta para marcas e consumidores.
 
“Queremos levar conhecimento para o consumidor e mostrar que é possível fazer escolhas mais conscientes. Além disso, impulsionar a indústria têxtil para que o Brasil volte a ser referência em tecidos”, aponta Gabriela Marcondes Schott, que divide a curadoria com Denise Frade.
Gabriela é paulistana e vem de uma família envolvida com moda. Depois de se formar na área em São Paulo e fazer vários cursos de criatividade em Milão, ela aceitou o convite de dar aulas em Belo Horizonte e vive aqui desde então. A professora conheceu a amiga e sócia na sala de aula de uma universidade. Denise era da área financeira e resolveu estudar moda há mais ou menos seis anos, pensando em dar aulas de história da moda.
 
Os tecidos são divididos em sustentáveis, ecológicos, orgânicos e biodegradáveis - Foto: Gio Coppi/Divulgação 
 
Muito antes de sustentabilidade virar assunto sério na indústria da moda, Gabriela já pensava em como lidar com os resíduos.
“Sempre incentivei os alunos a usar materiais alternativos, mas naquela época nem existia o conceito de moda sustentável”, observa. Denise lembra que, em uma das aulas, criou uma roupa inteira com saco de lixo preto.
 
O olhar da paulistana se voltou definitivamente para o tema quando ela ouviu em uma palestra o fundador da marca Osklen, Oskar Metsavaht, dizer que “o Brasil seria reconhecido, num futuro próximo, como o país da sustentabilidade”. Já Denise começou a se envolver com a causa logo que assistiu à defesa da tese de mestrado de Gabriela sobre a gestão de descarte de resíduo têxtil dentro das confecções do Bairro Prado. “Foi a primeira vez que parei para escutar sobre sustentabilidade.”
 
O acervo itinerante já tem 450 amostras de 29 fábricas brasileiras - Foto: Leonardo Viana/Divulgação 
 
Em conversa sobre tecidos sustentáveis, há três anos, professora e aluna decidiram buscar informações sobre este mercado, de onde vem, quem faz, qual é a composição etc. “Se a gente tem esta curiosidade, imagina as outras pessoas?”, questionou Gabriela, decidida a espalhar o conhecimento. Na época, só havia tecidos sustentáveis para decoração, nada de moda.
 
Neste meio tempo, elas foram selecionadas por um edital para organizar uma exposição no Museu da Moda. Gabriela e Denise formaram um grupo com alunos de moda e design de interiores da Una para tocar o projeto.
“Em 2017, eram umas 10 fábricas, a maioria só com uma linha sustentável. Não existia nada sistematizado e precisávamos criar um critério para catalogar os tecidos”, conta Denise.
Daí surgiu a Ecomaterioteca. O trabalho começou pela classificação das amostras. As curadoras entenderam que sustentável seria apenas uma das quatro subdivisões, por isso chamam todos os tecidos de responsáveis. “Responsável envolve todo um conceito, que não se resume a matéria-prima. Representa uma mudança mais sistêmica, de mentalidade da empresa”, justifica Gabriela. Hoje, já fazem parte do catálogo 450 amostras de 29 fábricas, todas brasileiras. O objetivo é valorizar a indústria têxtil nacional.
 
O projeto começou em 2017, com uma exposição no Museu da Moda - Foto: Josi Fiúza/Divulgação 
 
Pela classificação da Ecomaterioteca, os tecidos sustentáveis são oriundos de reciclagem de aparas têxteis ou garrafas pet.
Já os ecológicos são aqueles produzidos com o menor impacto ambiental, ou seja, que usam tingimento natural, dispensam lavagem ou repelem líquidos, enquanto os orgânicos são tecidos naturais, necessariamente, fabricados sem agrotóxicos e pesticidas. Logo, nessa classificação entram apenas algodão, lã, seda e cânhamo.
 
Por fim, o catálogo contempla os tecidos biodegradáveis, que são feitos com um fio de poliamida específico. “É um material sintético que tem uma tecnologia desenvolvida no Brasil. Colocam bactérias dentro e em três anos, em condição de aterro, elas consomem os fios”, explica Gabriela.
Além de catalogar os tecidos, as sócias oferecem serviço de curadoria têxtil, o que significa apresentar as opções do mercado brasileiro às marcas. De acordo com Gabriela, ainda são poucas, boa parte concentrada no Sul do país. “A maioria das empresas estão nascendo, têm menos de um ano, ou ainda nem saíram do papel. São marcas dirigidas por quem quer saber como pode fazer diferente, que quer mudar todo o seu lifestyle (são vegetarianos, por exemplo)”, detalha.
 
As curadoras Denise Frade e Gabriela Schott se conheceram emsala de aula - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press 
 
CONSUMIDOR O projeto também oferece palestras e oficinas para o público em geral conhecer e manusear os tecidos. Gabriela e Denise acreditam que este é um caminho para sensibilizar todo o mercado. “Sabemos que a indústria só vai mudar quando o consumidor quiser saber quais materiais estão sendo usados”, observa Gabriela.
 
Em dois anos, o mercado deu uma reviravolta. Os tecidos responsáveis deixaram de ser exclusividade da área de decoração para ganhar vários usos na moda, e não estamos falando apenas de roupas.
As curadoras da Ecomaterioteca avisam que os materiais catalogados podem se transformar em calçados, bolsas, mochilas, joias, bijuterias, aventais e até mesmo óculos. Uma marca belo-horizontina está testando uma armação feita com esses tecidos.
 
 
 
No ano que vem, Gabriela e Denise devem iniciar um projeto para analisar microscopicamente a trama dos tecidos responsáveis. A dupla quer entender, no detalhe, de que forma eles são diferentes dos convencionais para encontrar uma maneira de identificá-los. Outro plano é catalogar aviamentos que seguem a mesma proposta, incluindo linhas, botões, zíperes, fechos e rendas (sempre muito procuradas, mas ainda não encontradas pelas curadoras).
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