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Estado de Minas ENTREVISTA/RONY MEISLER - 38ANOS, EMPREENDEDOR

Fundador de marca carioca comemora o melhor resultado do país nas seis lojas em Minas

Rony Meisler está satisfeito de saber que a Reserva agradou em cheio consumidores mineiros


postado em 29/09/2019 04:00 / atualizado em 27/09/2019 11:23

(foto: Renato Wrobel/Divulgação)
(foto: Renato Wrobel/Divulgação)


Se fosse um pouco menos rebelde, o carioca nunca teria aberto a primeira loja em Minas. Rony Meisler ouvia de muita gente que mineiro era desconfiado, difícil de comprar roupa, mas, já escolado em matéria de opiniões desencorajadoras, seguiu com o plano. Hoje ele brinca que a Reserva é mineira. Juntas, as seis lojas da marca no estado respondem pelo maior volume de venda por metro quadrado. O número chega a ser 30% maior que no Rio de Janeiro (onde tudo começou) e São Paulo. Com 13 anos recém-completados, a empresa quer fazer diferença no mundo, e não só na moda masculina.
 
Você é engenheiro de produção e não tem formação em moda. O que o levou a criar uma marca de roupa?
Foi totalmente por acaso. Falo que sou outsider neste mercado de moda. Sou mais de humanas que de exatas, mas, até o momento em que decidi criar a Reserva, só cometi equívocos profissionais. Fiz engenharia de produção, depois consegui o primeiro emprego em uma consultoria com foco em implantação de sistemas e me alocaram na Petrobras. Um dia, malhando com um amigo de infância, o Fernando Sigal, meu sócio até hoje, decidimos montar uma marca. As pessoas estavam usando bermudas idênticas e chegamos à conclusão de que era problema de demanda reprimida ou demência coletiva. Este foi o dia D. Sem maiores pretensões, resolvemos fazer bermudas. Achamos um fornecedor em São Gonçalo e fizemos um modelo supersimples de surfe. Começamos a vender para os amigos, éramos sacoleiros mesmo. Depois fizemos uma coleção de camisetas. No dia seguinte à festa de lançamento da marca, o bicho do empreendedorismo mordeu a nossa barriga. É uma motivação louca de viver daquilo, que não se explica financeiramente, nem de perto, mas existe uma força maior. É quase um chamado. Hoje é muito fácil olhar para trás e entender as coisas, mas o bicho que nos mordeu é a possibilidade de nos comunicar através da marca. Roupa, vitrine, desfile, campanha, tudo é plataforma para dialogar com os consumidores. É aí que mora o nosso diferencial. Pela minha visão de outsider, percebo que as marcas se comunicam por monólogo. No nosso caso, comungamos do estilo de vida do consumidor e estamos na mesa do bar, por força de expressão, trocando sobre tudo, esporte, música, comida, política.

Para largar o emprego e entrar em um mundo completamente desconhecido você precisou de muita coragem, não?
Para empreender, principalmente no Brasil, você precisa de duas coisas. Primeiro, curiosidade e verdadeiramente vontade de buscar conhecimento. Segundo, coragem. Não adianta ter ideias e não colocá-las de pé. Em um país como o Brasil, que está entre os mais hostis para empreender, se você não tiver coragem não sai da cama.

Você se define hoje como empreendedor?
Hoje me considero um empreendedor. No dia em que deixarmos de ser empreendedores, e nos tornar administradores, é melhor vender o negócio. O que nos motiva a trabalhar todos os dias é encontrar solução para as dores do consumidor. Estamos em uma maratona, e não em tiro de corrida.

No vídeo em que explica a cultura da Reserva vocês falam que a marca não fica parada. Isso reflete a sua personalidade?
Sem dúvida, somos exemplos do que pregamos. Seria uma injustiça profunda dizer que tem a ver só com a minha personalidade. Tem a ver com todos que construíram a marca. Somos dois fundadores iniciais, mas considero impossível ter feito o que fizemos e chegado aonde chegamos se fosse sonho e mérito de uma única pessoa.

O que significa dizer que “não somos uma marca que vende roupas para pessoas, somos uma marca de pessoas que vendem roupas”? 
Nós somos uma empresa de logística e vendas no fim do dia, mas, se as pessoas não forem felizes e realizadas, a venda não vai acontecer. As pessoas estão sempre em primeiro lugar. Cuidamos para elevar a autoestima e a venda é consequência dessa ação.

Como funciona o treinamento dos vendedores?
Quando abrimos a primeira loja, em Ipanema, contratei uma empresa de RH para me ajudar a contratar cinco pessoas para o time. Queria pessoas com quem tivesse vontade de sair para jantar três vezes por semana, ou seja, tinham que ser legais pra caramba. Pensava: se forem legais, vão se relacionar bem com os consumidores. Técnica se aprende. Três estão conosco até hoje, um deles é diretor-geral da rede de lojas. Naquela ocasião, quando conheci o treinamento que todo mundo do varejo faz, entendi por que brasileiro tem vergonha de ser vendedor. Ensinavam o vendedor a ser robô, e não ele mesmo. Varejo já ultrapassou funcionalismo público em termos de emprego e renda, então ninguém deveria ter vergonha, e sim muito orgulho. Resolvi fazer um treinamento diferente. Meu escritório era dentro da loja, tinha uma cadeira de praia dentro do estoque, e passava muito tempo no salão de vendas. Reparava que, quando o vendedor levava o cliente para se olhar no espelho do meio do salão, a conversão de venda era três vezes maior. Aí começamos a anotar isso num caderninho, que hoje tem sete mil verbetes da Reserva. Hoje o nosso treinamento é feito com base na experiência do que dá certo, então é tudo muito dinâmico. Quando a pessoa descobre algo que funciona, a gente meritocratiza isso, tem premiação. Realmente, colocamos o nome dela na história da marca. Abrimos de 500 a 600 novos verbetes por ano. Temos uma escola de desenvolvimento para os funcionários, a Escola de Rebeldia.

Por que você se considera um rebelde?
Com certeza, empreendedor brasileiro é um rebelde. Tem uma frase que amo do cara que fundou a Patagônia, marca dos Estados Unidos: ‘Empreendedor é como um jovem insolente.’ Tem um monte de expert que quer dar a você solução pronta, mas o jovem insolente não se conforma com a solução que já existe, vai lá e dá o jeito dele. No Brasil, temos que ser rebeldes, não podemos aceitar o que é posto.

Você é novo e já escreveu um livro (Rebeldes têm asas). Achava que era mesmo a hora de contar a sua história?
O livro não era para ser publicado, mas a empresa cresceu muito – saiu do zero em 2006 para quase R$ 400 milhões de faturamento em 2019 –, vendendo basicamente moda masculina. Lá no início, todo mundo dizia que homem não comprava roupa. Quando a marca fez 10 anos, decidi escrever o livro. Primeiro, para não esquecermos a nossa história e segundo para distribuir para quem estivesse chegando. Só que neste meio do caminho conheci o Marcos Pereira, da Editora Sextante. Ele pirou na história e quis publicar. O que acho desta edição precoce? Aprendi uma frase com o meu pai quando era muito pequenininho: se o conselho é bom, o exemplo arrasta. Existem mindsets que se tornam verdade, como o de que só tem livro de mercado empresa centenária, mas descobri que essa tese é errada, principalmente em um país como o Brasil. Temos acompanhado nos últimos anos pessoas que não cresceram no mérito, eram amigas de amigas ou pagaram alguma coisa. Com base nisso, criamos exemplos errados. Apesar de viver uma dificuldade grande, temos a oportunidade única de reempreender este país em bases mais sólidas, e o que precisamos é de exemplos. Exemplos precisam ser contados e o livro cumpre esse papel. O que recebemos de feedback é incrível, muita gente quer empreender.

O que você diria para quem falou, lá no início, que homem não comprava roupa?
Hoje são elas que me dizem: nossa, estou comprando muito de vocês. São amigos, parentes, eles reconhecem que estavam errados. Quando alguém fala que não vai dar certo, provavelmente é um bom negócio. A pessoa gosta de você, não está sacaneando, está falando isso para todo mundo. Ninguém vai tentar fazer, então existe mercado e não tem concorrência.
 
Como você enxerga hoje a moda masculina?
Quando comecei, com certeza fazia sentido dizer que homem não compra roupa. Hoje, os estilistas mais festejados do mundo estão alocados nas marcas masculinas. Virgil Abloh, negro, descendente de galeses, é o diretor criativo da linha masculina da Louis Vuitton. Outro estilista festejado é o Kim Jones, da Dior. As grandes maisons têm investido profundamente no masculino, que inclusive está influenciando a moda feminina. O mundo masculino cresce infinitamente mais que o feminino, e isso serve para os cosméticos também. Nesse sentido, isso reflete no nosso negócio.

Como tem sido a relação da marca com Minas?
Quando abri a primeira loja em Minas, me diziam que mineiro era mais difícil de comprar roupa, que era desconfiado, mas descobri que a Reserva é mineira. Caímos no gosto. A venda por metro quadrado é 30% maior que a do Rio e São Paulo. Minas não para de crescer.

Como explica este sucesso?
Protagonista não é a marca. Fazemos roupa para que o protagonista componha um look que deixe clara a sua personalidade. Lançamos agora uma campanha linda, “Livre para ser”, com 18 pessoas reais, não são modelos. Cada qual com a sua personalidade, com o seu estilo de vida. Quando olho para a foto, parece que são 18 marcas diferentes. É o que queremos mostrar, e mineiro se identifica com isso. Mineiro não quer uma marca que dite a moda para ele, quer escolher as peças para montar o seu look. Além disso, fizemos uma pesquisa no início do ano, inédita para a marca, em que ficou claro que o maior atributo da Reserva é ter roupas que vestem muito bem, com uma modelagem muito boa, que deixa o homem confortável. Por isso, o homem veste Reserva e, quando se sente confortável, não troca mais. Isso tem muito a ver com o padrão de consumo do mineiro, então pegou.

Como vocês chegaram a esta modelagem?
São muitos anos de trabalho, mas uma coisa acelerou este processo. A gente se associou a quatro meninos de Minas que criaram uma tecnologia para fazer camisa social sob medida. Em vez de cortar um molde por pessoa, eles guardam o papel e usam em outras pessoas. Com isso, fizeram um banco de 10 mil modelagens já recortadas. Esta sociedade virou a Oficina Reserva, que faz camisas sob medida. Hoje, são mais de 30 mil modelagens baseadas em pessoas de verdade. As outras marcas normalmente contratam modelos de prova para determinar os tamanhos P, M e G, mas ninguém tem corpo de modelo. Nossas modelagens são tão corretas porque partem de homens de verdade. Isso faz total diferença.

O que vocês buscam a cada coleção?
Todo produto que fazemos precisa ter, obrigatoriamente, três características: sustentabilidade, funcionalidade e tecnologia. O time criativo tem que escrever por que está criando um produto, não pode ser só por questão estética, tem que resolver uma dor do cliente. Todas as nossas bermudas vêm com um bolso invisível para celular dentro do bolso tradicional. Então, a parte criativa passa pela necessidade de melhorar a vida de quem está usando a roupa. Sobre a tecnologia, temos apostado no desenvolvimento têxtil. Usamos um tecido resistente a odor, à prova de água e que não amassa. Estamos prestes a lançar a nossa segunda matéria-prima têxtil. A ideia é de que possam ir também ao mercado.

A produção da Reserva está concentrada no Sul do Brasil. Em algum momento vocês tiveram vontade de produzir fora do país?
Nossa produção é prioritariamente no Brasil por uma questão idealista. Poderíamos ter um negócio com nível de qualidade parecido e 30% mais barato fabricando na Ásia, mas devemos tudo a este país. Aqui devemos gerar emprego e renda. É uma questão de educação.

Você continua ligado ao movimento Capitalismo Consciente?
Sou presidente do movimento no Brasil. Ele é a base para tudo o que falei. Prega que somos três entidades: Estado, iniciativa privada e sociedade civil. É óbvio que o Estado tem maior responsabilidade sobre a sociedade civil, mas a iniciativa privada deve participar do desenvolvimento do país. Vivemos uma época em que falavam: quem faz o bem não diz a quem. O Capitalismo Consciente defende que diz a quem, sim. Se a questão do impacto socioambiental gera coisas boas para o seu negócio, que mal há em fazer o bem para a sociedade? Antes todo mundo fizesse isso. Quando se estabelece um case que dá certo, todos os outros vão querer fazer o bem. Não aguentamos mais o oportunista do mal. Ser oportunista do bem e querer vender mais por isso, que mal faz?

De onde surgiu a ideia de empregar pessoas com mais de 70 anos?
O Cara e Coroa é um projeto que nos orgulha muito. Começou como projeto social, mas virou comercial, porque esse pessoal vende muito. Além de vender, eles acabam assumindo papel de liderança, de respeito. Automaticamente viram mentores, direcionadores de carreira, gestores de produtividade e são queridíssimos da molecada. Hoje passo em lojas e encontro pais de amigos.

Vocês pregam o fazer do limão uma limonada e fizeram sucesso com o caso da propaganda com as imagens do assalto a uma loja. Como isso ajuda a construir a imagem da marca?
A marca se posiciona justamente neste lugar, isso tem a ver com empreendedorismo, com encontrar solução. Com todo limão que dão a você dá para fazer uma limonada. O ambiente fica mais legal. Todo mundo vai passar por crise, todo mundo vai ter uma loja assaltada um dia, infelizmente, mas ou você chora ou transforma. Acho que, todas as vezes em que pegamos um limão e trabalhamos bem em termos de comunicação, a marca repercutiu muito bem e gerou mais percepção no consumidor de que a marca vai além da moda. Uma marca clássica não faria isso.

Moda tem que falar sobre política, criticar, denunciar?
Nunca nos negamos a falar o que pensamos. Acabamos sendo diferentes porque somos de verdade, num ambiente em que todo mundo quer parecer com o outro, copiar. Este é o nosso jeito de ser, não saberíamos ser diferentes, mas isso não é uma obrigação. Obrigação é ser feliz.

Como você imagina a sua vida daqui a alguns anos?
Sou muito sortudo, descobri muito cedo o que amo fazer da vida. Poucas pessoas descobrem a sua vocação com a minha idade. Outra sorte é ter conhecido os meus sócios muito cedo. Posso viver assim pelo resto da vida. Daqui a cinco anos, se puder fazer o que faço, já estou satisfeito. A única certeza é continuar crescendo e continuar mudando, assim como a comunidade. Isso tem a ver com aquela história da mesa de bar, os valores não mudam, mas a cultura muda.

Quais são os seus sonhos?
O meu sonho pessoal é entregar para os meus filhos um mundo melhor do que aquele que encontrei, e tento fazer isso através da Reserva. O projeto de combate à fome (a cada peça de roupa vendida complemento cinco refeições de pessoas que passam fome no país) é a forma como explico a Reserva para eles. Chegamos a 31 milhões de refeições em três anos, jamais iria supor isso. O meu sonho? Chegar a 1 bilhão de refeições. É muito mais foda acordar de manhã para resolver um problema grave como a fome no país do que desenvolver um produto. Isso tem o poder de transformar a minha vida pessoal e profissional. 


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