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Traços precisos

Como a busca pelo equilíbrio faz de mineiro um expoente na arquitetura e no design


postado em 23/06/2019 04:08

(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)



Ele poderia ter sido cirurgião plástico ou pianista, mas escolheu seguir a carreira de arquiteto. A curiosidade de conhecer a casa das pessoas e encontrar em detalhes diferentes personalidades levou Marcelo Alvarenga a descobrir, que apesar das habilidades com desenho e música, gostava mesmo de projetar espaços. À frente do escritório Play Arquitetura, com Juliana Figueiró, ele é um dos arquitetos mineiros mais respeitados desta geração. Marcelo também desenha com a irmã, Susana Bastos, os móveis e objetos de decoração da Alva Design. Defensor de uma arquitetura precisa e sem excessos, o mineiro que cresceu em Lavras e hoje mora em um apartamento no Edifício JK, de Oscar Niemeyer, em BH, faz duras críticas aos projetos contemporâneos e tenta fazer a sua parte para mudar essa realidade.

 

 

Você sempre se enxergou arquiteto?
Não. Não tenho arquiteto na família, então não tinha essa referência próxima. Mas, ao mesmo tempo, o universo da arquitetura sempre me interessou, principalmente o lado doméstico, da casa. Sempre achei divertido ver as casas, as pessoas, as diferenças, as personalidades, como cada um tinha o seu dia a dia ligado à arquitetura, sem saber direito o que era a arquitetura. Adorava conhecer as casas dos amigos. Além disso, a minha mãe sempre gostou de artes e nos incentivava muito. Então, sempre gostei de desenhar, estudava pintura com ela, fazia aula de piano. Tenho um lado artístico que vem da minha mãe. Ela achava que eu tinha que ser cirurgião plástico, mas nunca pensei em fazer medicina.

O que a casa pode dizer sobre uma pessoa?
Fico impressionado de ver como os projetos refletem os clientes, eles que vão dar o tom daquela casa. Mas projeto é um quebra-cabeça. Ficamos investigando soluções para aquele conjunto de dados, grande parte deles são desejos dos clientes, e aquilo se junta ao terreno, às nossas ideias e chegamos a um lugar-comum, mas é sempre uma surpresa. Claro que tentamos ter bastante domínio das modificações, mas o projeto provavelmente vai resultar em algo muito diferente do início.

De que forma a arte está presente no seu trabalho de arquitetura?
Acho que existe emoção e uma comunicação com esse universo plástico, da surpresa, de uma certa harmonia. Tem muita coisa caótica que expressa beleza, mas aqui buscamos um equilíbrio plástico e um número finito de elementos. A gente acaba depurando bastante o projeto para que não fique com uma comunicação muito ruidosa. É uma linha que gosto de trabalhar. De alguma maneira, o que a arte tem que nos interessa é essa humanidade e, ao mesmo tempo, essa emoção de vem de formas, da plástica, da relação com a natureza e com o entorno onde o projeto está inserido.

Você continua fazendo pintura?
Sabe que não? Preciso voltar a pintar. Desenho muito aqui no escritório, mas sempre voltado para projetos, de arquitetura ou mobiliário. Desenho livre não tenho feito. A Suzana, minha irmã, que é artista plástica, sempre fala que seria importante exercitar o desenho sem a problemática e a objetividade da arquitetura, e eu nunca fiz isso. Só preciso achar um tempo.

Quem são as suas principais referências na arquitetura?
Não tenho grandes ídolos, mas tenho uma afinidade tanto com a arquitetura portuguesa quanto com a japonesa. São duas expressões que me interessam bastante. A portuguesa por ser mais simples, mais barata mesmo, menos pretensiosa. Mas é uma arquitetura de altíssimo nível, que influencia todos nós brasileiros, naturalmente. E a japonesa talvez por ter um certo mistério e também pela delicadeza, leveza, acho muito sutil. A arquitetura dos japoneses é muito bonita, independentemente da escala. O Japão é muito legal por isso, lá eles fazem coisas fabulosas, desde comida, roupa, mobiliário até a arquitetura de grandes espaços, e isso me interessa.

Como você se envolveu com o design de mobiliário?
Mobiliário sempre me interessou porque tem as mesmas questões da arquitetura, de estrutura, funcionalidade, materiais, plástica, mas sintetizadas numa pequena coisa. Acho que fazer móvel é um exercício muito parecido com a arquitetura, só que numa escala menor, por isso acabamos tendo mais domínio das variáveis. É o que tentamos fazer, pegar coisas muito complexas e simplificar no entendimento e nas soluções, o que na arquitetura é difícil de fazer. Por isso as nossas cidades são ruins arquitetonicamente. Temos que ser permeáveis às modificações, ao mesmo tempo não perder o fio da meada, então é complicado conseguir um bom resultado na arquitetura. A maioria dos arquitetos desiste no meio do caminho, deixa desse jeito, porque é exaustivo.

Mas você não é desses.Não, não desisto e acho que por isso conseguimos fazer projetos legais. Isso vem da insistência e do entendimento da necessidade de estar junto, de muito envolvimento.Qual linha você segue no mobiliário?
A Alva Design é um trabalho que desenvolvo com a minha irmã Suzana, que é artista plástica. Temos cabeças diferentes, por isso nos juntamos, para conseguir encontrar um equilíbrio. O objetivo é mais ou menos o mesmo, gostamos mais ou menos das mesmas coisas, mas existem pontos de partida diferentes. Enquanto eu vou pelo desenho, Suzana vai muito pela matéria. O que existe em comum nas peças – não existe isso a priori – é um lugar onde eliminamos elementos e inserimos outros. Não é algo minimalista, mas também não tem excessos. Sempre começamos com o desafio de querer desenhar uma certa peça, de usar determinado material. No brainstorming, vamos analisar desde questões da sociedade, dos hábitos das pessoas, da natureza dos usos daquilo e depois colocamos a ideia no papel. Percebe-se uma comunicação entre as peças no número de elementos, que é finito. Não tem nada em excesso, ruidoso, confuso. Dou bastante energia para tentar alcançar uma certa precisão. Não estamos no extremo do minimalismo, muito austero, muito seco, temos uma bossa.

O trabalho tem caminhado também para peças decorativas.
Começamos pelo mobiliário e os objetos foram fluindo de forma muito bacana. Na arquitetura, víamos usos legais da pedra sabão, mas nos objetos não, aí começamos com um pote feito a seis mãos: eu, Suzana e a Tatiana Queiroz. Depois fomos desenvolvendo outras peças e tivemos uma receptividade ótima. Vimos que as pessoas estavam abertas, queriam novidades, e também fomos tomando gosto de fazer coisas assim. Produzimos em uma escala que não atende a indústria, fazemos artesanalmente. É um lugar que, por incrível que pareça, foi revalorizado. O artesanato está muito repetitivo, monótono, até tímido em termos de experimentação, e o design se encontrou com esse lugar que precisava de renovação. Então, muitas coisas são feitas por artesãos. Nessa escala, artesão faz melhor que do a indústria.

Vocês pensam em aumentar escala?
Depende do entendimento sociocultural, não existe um desejo ou nem uma barreira da nossa parte. A indústria de mobiliário caminhou por muito tempo em paralelo e sem atuação do designer, mas hoje não. A indústria parou de copiar e percebeu que o designer é uma peça fundamental ali dentro. A gente fica nesse namoro com a indústria, mas ainda é um namoro incipiente.

Como você se relaciona com a cidade?
Gosto muito de andar a pé, e de patinete também. Acho que é quando você vê a cidade crescendo, desenvolvendo. Carro é bom entre cidades, mas dentro da cidade é um inferno, pegar trânsito, ter que ficar procurando vaga. Para mim não tem nada mais chato que estacionamento.

Nesses momentos, surgem insights, ideias ou inspirações?
Temos na cidade uma mistura de boa arquitetura de tempos idos com péssima arquitetura contemporânea. A verdade é essa, a arquitetura precisa melhorar. Mas existem sutilezas, uma relação com passeio, um jardim, um recuo, uma esquina. A pé conseguimos ter esse prazer e ver coisas pequenas, mas legais, então a minha inspiração vem mais dessa ordem. A arquitetura modernista acaba sendo a grande fonte dos brasileiros, acho que foi o momento mais frutífero que tivemos, e por sorte temos bons exemplos aqui, e isso não deixa de ser uma inspiração constante.

Como o Edifício JK entrou na sua vida?
O JK sempre foi um ícone – de espanto – para mim. Lembro que fazia muito esse percurso de vir do Elevado Castelo Branco e passar pelo JK, voltando do campus da UFMG. Mas as tentativas de conhecer um apartamento sempre foram frustradas, os porteiros não dão informações, e eu não entendia o porquê. Até que, de uns anos para cá, começou a ter uma renovação de moradores. Morando aqui perto, de fato me interessei pelo JK e fui conhecer o apartamento de uma amiga. Na verdade, o meu plano era morar em uma casa no Santa Tereza. O projeto estava pronto, mas deu errado. Ficamos esperando dois anos o desenrolar de um inventário, precisava investir um dinheiro e resolveu investir no JK. Ainda não tinha interesse de morar lá. Na época, o preço era ótimo e realmente me apaixonei pelo JK. É uma arquitetura que tem um pouco do que falei, de ser precisa. Você consegue perceber as intenções, a organização, os traços, e tem uma vista incrível, uma luz maravilhosa. Aí comprei um apartamento, vendi, no meio do caminho comprei outro e resolvi reformar para me mudar. Depois disso comprei outro. Já reformei quatro apartamentos lá, agora chega. Um vendi, os outros três são meus. O JK tem áreas comuns muito legais, mas nunca me atrevi a mexer. Tenho ideias guardadas, como fazer uma grande instalação de piscinas Regan naquela laje com quatro quadras. Pensa em 100 piscinas, cada apartamento com a sua, ia ser uma praia maravilhosa. (risos) Lá está cheio de espaços que poderiam ser melhor utilizados. O JK tem um desenho externo muito bonito, mas os apartamentos são simples, os corredores são simples, nunca teve muito detalhamentos do Niemeyer. Acho que a sinalização e outras coisas poderiam ser mais legais. Mas as janelas são bacanas, não vemos essa qualidade em apartamentos contemporâneos. Hoje me pergunto qual seria um outro lifestyle, tirando casa, que me interessaria. Mesmo pensando nos bairros pelos quais tinha apreço, como Santo Antônio e São Pedro, hoje acho o Centro mais legal.

O Centro de BH vive um momento interessante, não é mesmo?
Aqui em Belo Horizonte existe um certo acanhamento imobiliário, que faz com que as coisas sejam muito lentas. O JK já teve momentos melhores em termos de valorização, como quando me mudei, em 2012. Com a crise, o Centro também sofreu, ficou mais sujo, mais largado. A relação com o Centro da cidade tem a ver com a apropriação social dos espaços públicos, de ir para a rua. A Praça Raul Soares já esteve melhor, hoje está largada. As estações de ônibus do Move estão imundas, a gente tem que saber dar manutenção nas coisas. A própria limpeza urbana está em um momento ruim. Estive em Curitiba recentemente e fiquei surpreso, porque achei muito mais limpa que BH. As lixeiras não dão conta, você olha e estão transbordando, aí as pessoas jogam lixo na rua. É uma questão de educação, de limpeza urbana e de manutenção. Não sabemos dar manutenção, e nisso JK é um bom exemplo. Nós brasileiros somos carentes de um entendimento de habitar cidade antiga e que, mesmo as coisas novas, precisam de manutenção. Olha só o Viaduto Santa Tereza, os postes não têm nem mais cor, tem luz apagada, luz queimada. O Centro é super legal, mas precisa de ação, de cuidado. Acho uma pena. Como um prédio como o Sulacap, lindo daquele jeito, com uma localização fabulosa, está caindo aos pedaços? Por que não sabemos dar valor para coisas assim?

O que você quer fazer que ainda não fez?
Poderíamos fazer muito mas projetos comerciais, algo que adoro, mas a crise reflete no nosso trabalho. A arquitetura está ligada, evidentemente, a questões econômicas e, não tem jeito, em momentos de crise as coisas mínguam. Mas temos trabalhos legais e bem variados. Nunca tinha feito restaurante e estamos fazendo, em São Bento do Sapucaí, na divisa de Minas com São Paulo. Cenografia também, fiz os dois últimos espetáculos do Grupo Galpão. Por incrível que pareça, temos atuado de maneira muito gostosa, tanto na arquitetura quanto no design. Estamos fazendo o que gostamos. O meu plano é ter uma fluidez na produção tanto arquitetônica quanto de design, mas precisamos encontrar quem consuma isso. Hoje vendemos pouco em Minas, a maioria dos clientes está em São Paulo. O mercado mineiro não sustenta os designers mineiros. Acho o mercado consumidor mineiro muito estranho, e tenho as minhas críticas. Tem muito mais gente fazendo que absorvendo essa produção. Se estamos falando de produção, estamos falando de consumo, sim, de desejos materiais, e é aí que acho que nós mineiros somos um pouco travados, desconfiados, pão-duro. Não fazia parte do nosso plano inicial ter uma loja, mas, se quisermos que o nosso produto seja apresentado da nossa maneira, acabamos caindo no lugar de comercializar as nossas peças. Será que vai ser em BH? Não tenho coragem, então ficamos nesse impasse, porque mudar a vida inteira não é tão simples assim. Sociedade se faz com trocas materiais e imateriais e vejo os mineiros trocando só uma parte, que é legal e gostosa, mas não é só isso.


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