O palco vira uma espécie de vitrine. A roupa deixa de apenas compor o personagem para criar uma imagem de moda. No novo espetáculo do Grupo Giramundo, O pirotécnico Zacarias, que estreou esta semana em Belo Horizonte, inspirado na obra de Murilo Rubião, o figurino se transforma em uma coleção. “Quero que as pessoas percebam algo a mais no figurino e sintam vontade de vesti-lo. De certo modo, me interessa que o Giramundo não retrate apenas o espetáculo através da moda, mas que proponha um comportamento”, avisa o diretor Marcos Malafaia. A ideia é comercializar peças do figurino.
Não é de hoje que o grupo vem se aproximando da moda. Malafaia lembra que, antigamente, as roupas (para bonecos, e não para atores) reproduziam fielmente o contexto histórico das peças, mas, com o tempo, elas começaram a mostrar uma maior liberdade criativa. “A moda acrescentou às cenas a ponto de começarmos a perceber que o figurino era capaz de criar bonecos humanos”, comenta o diretor, que passou a unir o trabalho de figurinistas com designers.
Para a montagem desse espetáculo, a direção reuniu um grupo de criadores, que ajudaram a construir o estilo da “coleção”.
A designer Fernanda Fantagussi já assinou outros dois figurinos do grupo. Para ela, é sempre interessante mesclar moda e teatro. Dessa forma, consegue unir o criativo ao funcional. “O que vai para a passarela é momentâneo e efêmero.
A roupa precisa dar conta de toda a movimentação dos atores no palco. Por isso, os tecidos foram escolhidos considerando principalmente a maleabilidade. No caso do personagem Zacarias, que veste terno, a solução foi fugir do padrão. “Não queríamos usar poliéster, porque o ator se movimenta muito e tecido sintético esquenta demais, então optamos por fazer a roupa de moletom”, conta Fernanda. Já as mulheres usam vestidos mais soltos e rodados, com exceção da Moça, que tem uma identidade mais moderna e ganhou vestido ajustado ao corpo.
Teleco, o coelhinho, é o personagem mais falado pela equipe que desenvolveu o figurino, em razão da liberdade que todos tiveram na hora de compor o seu visual. É nele que vemos o maior número de elementos. “O Teleco é punk, tatuado, mora na periferia, faz le parkour. No figurino dele, vislumbramos melhor o que queremos para os próximos espetáculos”, justifica Malafaia.
O ator que se esconde por trás da máscara de coelho veste regata branca, pele com estampa de tatuagens e calça ampla, combinação que revela uma clara influência da moda de rua.
O figurino do Mágico Theremin também deu o que falar. Isso porque era preciso construir uma roupa para o boneco, com as costelas expostas, e o ator que se esconde dentro dela para sustentar a estrutura. “Para mim, foi o mais interessante de fazer. O mágico usa um fraque branco numa proporção totalmente fora do padrão, com ombros muito largos, mas os braços tinham que ser na medida da pessoa que vai dentro”, destaca o alfaiate Sérvulo Felipe.
A equipe de moda ainda teve que quebrar a cabeça para escolher o tecido do fraque desse personagem. “O material tinha que ter um certo brilho porque ele é mágico e, ao mesmo tempo, funcionar como tela de projeção. Um vídeo é projetado nessa roupa durante a peça”, conta Fernanda. No fim das contas, eles optaram por um blackout texturizado branco. Nos pés, um sapato prateado que representa a magia do Mágico Theremin e brinca com a ideia de retrô-futurismo proposta por Malafaia.
Para a designer Marcela Torres, da Nuu Shoes, o calçado é tão importante quanto a roupa, mesmo que quase não seja visto, como nesse caso, já que a barra da calça encosta no chão.
MISTURA DE ÉPOCAS Na peça O pirotécnico Zacarias, o Giramundo utiliza muitas referências dos anos 1950 e 1960, mas a ideia não era criar um figurino totalmente de época. Malafaia quis misturar elementos antigos com contemporâneos, criando o que ele chama de retrô-futurismo.
A roupa da personagem Tereza é um bom exemplo. O vestido xadrez com cintura marcada, saia rodada e estampa que lembra fitas de cinema tem um aspecto de época, mas nada impede que estivesse no armário de uma mulher de hoje. “A roupa é clássica, mas tem que ser esportiva na sua construção, senão não aguenta. Tudo tem que ser superdimensionado para um uso quase atlético”, complementa Malafaia. Nos acessórios, a mistura de antigo e moderno também está presente: o sapato de salto baixo é mais tradicional, enquanto o colar de tubo plástico com liga metálica traz atualidade.
Já o Dono do Circo usa uma casaca com modelagem clássica, mas que tem uma padronagem bem moderna. “É uma mistura de século 19 com psicodelismo dos anos 1960”, define o alfaiate.
A ideia é transformar, em breve, o figurino em uma coleção de moda, para que seja disponibilizado ao público. “Isso é um sonho para mim. O Giramundo deseja caminhar em direção a essa economia criativa, formando associações que podem culminar em um modelo de comercialização de produtos, entre casacos, moletons e bolsas, de uma peça de Murilo Rubião”, diz Malafaia.
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