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Motivada pelo desafio

Há 27 anos na presidência da Fundação Benjamin Guimarães, Tereza mudou a imagem do Hospital da Baleia, e conseguiu implantar programas inovadores para captação de recursos


postado em 17/02/2019 05:09

(foto: gladyson rodrigues/em/d. a press)
(foto: gladyson rodrigues/em/d. a press)



Sabe aquelas coisas que surgem na vida da gente por acaso? Pois foi exatamente assim que a psicanalista Tereza Guimarães foi parar na presidência da Fundação Benjamin Guimarães, leia-se Hospital da Baleia, cargo que ocupa há 25 anos. Desde que assumiu o posto deu novo fôlego à instituição, e não só fôlego, mas imagem, energia, gestão. Tereza levou modernidade e profissionalismo à fundação. Este ano, apesar de todas as dificuldades financeiras no setor da sáude, é momento de celebrar porque o Hospital da Baleia completa 75 anos de vida e de trabalho em prol da saúde do mineiro carente.

 

Como nasceu a Fundação Benjamin Guimarães?
Foi fundada por meu bisavô, Benjamim Ferreira Guimarães. Sou a quarta geração da família à frente da fundação, criada na década de 1940, quando o grande problema de saúde pública era a tuberculose. O governo do estado criou a Cruzada Mineira pela Tuberculose. Meu avô, Antônio Mourão Guimarães, era médico e incentivou seu pai a abrir o Hospital da Baleia. O estado doou o terreno, que era uma fazenda (3 milhões de metros quadrados de terreno) que – não sei o motivo – estava nas mãos do governo, e o Benjamin construiu os prédios criando a fundação. Com o advento do antibiótico, a tuberculose foi debelada, mas restaram os problemas ósseos, como as osteomielites, paralisia infantil, etc. Primeiro o hospital atuou no tratamento da tuberculose, depois na ortopedia infantil, e se estendeu para a clínica de adultos. Hoje, tem 26 especialidades. Somos uma fundação filantrópica de direito fechado.

Seu bisavô era da área da saúde?
Não, fez fortuna com a indústria têxtil. Benjamin era uma pessoa muito inspiradora, era um dos homens mais ricos de Minas Gerais. Parou de trabalhar aos 55 anos, pegou metade, do dinheiro que tinha e distribuiu para os filhos, afirmando que era muito mais do que precisariam para fazer a vida. Com a  outra metade, foi abrindo escolas municipais e ajudando hospitais, santas casas no interior de Minas e no estado do Rio de Janeiro. Chegava anônimo em uma cidadezinha pequena, no lombo de um burro, cheio de dinheiro nas bolsas do arreio, mas ninguém sabia. Hospedava-se em uma pensão, ia ao boteco, conversava com o padre, ia no prefeito. Levantava qual era a demanda do local e dizia: “o que vocês levantarem de recursos com fazendeiros e comerciantes para abrir – por exemplo um hospital ou uma escola – eu dobro”. Ele criava uma subscrição pública porque queria ter a certeza de que quando saísse, aquilo seria bem cuidado com as pessoas locais. Com isso fez muitas obras sociais.

Quem era o gestor da fundação antes de você?
O Baleia sempre esteve na gestão de um familiar. Antes mim era minha tia Célia Guimarães Diniz, que ficou na presidência por 30 anos, sem ter a menor formação na área. Era nutricionista, e trabalhou até pouco mais dos 80 anos.

Qual a sua formação?
Formei-me em psicologia pela PUC-MG e sou psicanalista. Cliniquei por 25 anos, atendendo adultos e adolescentes em consultório. Nunca tinha pisado no hospital. Por sinal, a família nunca se envolveu muito no trabalho. Em 1990, fui para a França fazer especialização, com meu marido e minhas três filhas ainda pequenas.

Quando e como entrou para o Hospital da Baleia?
Quando voltei da França não tinha nenhum cliente. Minha mãe era a vice-presidente da fundação e minha tia queria montar um serviço de psicologia no hospital para atender os pacientes. Ainda não existia esse setor e não era obrigatório. Sabia que eu tinha retornado do exterior, feito estágio em hospital por lá, e me fez o convite. Tudo o que eu queria na época era um projeto para voltar a atuar na área. Aceitei o convite e chamei umas pessoas com as quais já tinha trabalhado. Montamos o serviço trabalhando primeiro com crianças e familiares. Com a maturação do serviço passamos a atender todos. Depois de oito anos na psicologia do hospital, o dr. Paulo Naves – que era o executivo do Baleia –, fez o convite para eu integrar o conselho e assumir a diretoria financeira. Na época o cargo era ocupado pelo meu tio Paulo Vivas, que acabara de descobrir um câncer e decidiu largar tudo para cuidar da saúde (ele viveu muitos anos ainda). Gelei porque não tinha formação na área, mas com a vivência que tinha adquirido ali vi que era a oportunidade para fazer diferente, e mudar o que achava necessário. Não  me senti no direito de recursar, aceitei o desafio. Fui na cara e na coragem. O convite foi em uma quinta-feira pela manhã, a reunião do conselho era de noite, e na sexta-feira pela manhã assumi o cargo.

Até então não tinha nenhuma queda pelo trabalho social?
Além da inspiração que foi a vida do meu bisavô, teve uma pessoa que foi muito importante na sensibilização para o serviço social que foi minha avó materna, vovó Filhinha, que sempre foi caridosíssima. Junto com dona Sarah Kubitschek, visitava um lactário que tinha aberto e virava e mexia dava uma limpa nos guarda-roupas lá de casa e doava o que via pela frente, sem consultar ninguém, para cada família necessitada que batia à nossa porta. Não se preocupava se a roupa era nova, nacional ou importada. Quando questionada, a resposta era muito natural:  “Passou uma família muito necessitada e com frio, eu vi o casaco tão bonito e dei”. Crescemos assim, com exemplos do lado da mãe e do pai que me sensibilizaram.

Rápido assim?
Acho que nem ele acreditou. Como ninguém da família dava atenção ao hospital, penso que ele duvidou um pouco que eu apareceria. Lá estava eu cedo. Quis me dar uma sala, mas não aceitei, pedi para ficar com ele, porque precisava aprender. Tudo que ele despachava, me colocava a par. Fiquei alguns meses com ele e entrei em um MBA em gestão e saúde. Precisava me preparar porque não sabia ler um balanço. Eu brinco que para mim ativo e passivo era dinâmica da pulsão, que é uma leitura psicanalítica. No ano seguinte me tornei vice-presidente, e em 2001 assumi a presidência, em que estou até hoje.

Você tornou o Baleia mais visível.
Tive a sensibilidade de perceber que isso era necessário. Peguei duas consultorias, uma em gestão – precisava de know-how e tecnologia para assessorar melhor os executivos –, e uma assessoria em comunicação, para a qual chamei o Lélio Fabiano. Foi feita análise de diagnóstico e uma proposição de plano estratégico de comunicação. Quando apresentou, disse que o Baleia precisava ter uma cara, que eu precisaria me expor. Sempre fui low profile, era meu temperamento e ele sabia disso. Tive que fazer um trabalho comigo mesma, mudei meu espectro de atuação. Antes meu trabalho era um a um no consultório na fundação passei a atender milhares de pessoas. Ver que seu trabalho pode fazer diferença na vida de tanta gente é fascinante. A vida passa a ter um propósito.

Quantos colaboradores têm no Hospital e quantos atendimentos são feitos?
870 funcionários e 250 médicos. 500 mil atendimentos por ano.

Qual o custo de um paciente e quanto o SUS paga?
Vou falar em termos de leito de CTI. O pediátrico custa R$ 1,6 mil a diária sem medicamentos, e o adulto, R$ 1,4 mil. O SUS paga R$ 472,80. Temos que correr atrás do “prejuízo” constantemente.

Você disse que atendem a 26 especialidades. Qual delas pode dizer que são referência?
Nosso trabalho com crianças de lábio leporino é referência no estado. Temos o Centrare – Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissura Labiopalatal e Deformidade Craniofacial. Antes os pacientes tinham que ir para Bauru, em São Paulo, que é referência nacional. Abrimos em parceria com a PUC e tem 5 mil crianças cadastradas. É uma patologia na qual o diagnóstico é feito antes de a criança nascer e o tratamento vai até aos 18 anos. A criança faz sucessivas cirurgias plásticas e envolve 12 especialidades, como por exemplo otorrino, odontólogo, fono, nutricionista, psicólogo, cirurgião plástico, assistente social, etc. É um centro muito preparado e tudo ´é feito pelo SUS.

Só atendem pelo SUS?
Não, atendemos SUS e todos os planos de saúde. Quando entrei era 98% SUS. Hoje, estamos com 85% de atendimento pelo SUS e 15% por convênios, mas podemos chegar a 40% de convênios e ter até 60% SUS e continuar com o certificado de filantropia. Isso nos dá vantagem competitiva em relação ao mercado porque não pagamos a cota patronal do funcionário. Tem sido um esforço enorme aumentar o mercado de convênio e do privado. O SUS paga muito pouco, e recebemos 60 dias após o atendimento. E é uma ironia, pois foi criado na Constituição de 1988. Saúde é direito de todos e dever do Estado, mas não se programou qual seria a fonte que financiaria isso. O programa de vacinação e tratamento para Aids do SUS são referências mundiais, mas o problema do subfinanciamento é um mal de raiz. Por isso precisamos mobilizar tanto a sociedade para tentar sanar esse déficit.

O que vocês fazem para conseguir recursos?
Um verdadeiro cardápio de opções. Temos parcerias com a Drogaria Araújo e com o Supermercado Epa de doação de troco; adoção de leitos; doação via contas de luz e de água; boletos; imposto solidário; voluntariado digital para uma campanha específica, como por exemplo enxoval para as camas; bazar; eventos como o jantar do Amigos do Baleia e diversas outras ações.

Quanto recebem mensalmente com a doação de troco?
Nossa parceria com a Drogaria Araújo já tem 14 anos, e ali são doados troco apenas de pagamento em dinheiro, o que rende uma receita mensal entre R$ 80 e R$ 110 mil por mês. Já a parceria com o Epa, que tem apenas dois anos, aceita a doação de troco por cartões, e com isso já recebemos R$ 10 milhões nesse período. Nenhuma das duas empresas recebe nenhum benefício fiscal com essa doação. Recebemos o dinheiro integralmente. Na drogaria, vendemos os produtos solidários da marca, como agendas e canecas.

Como se sente hoje vendo a diferença que fez no hospital?
Uma privilegiada em poder fazer este trabalho. Falo que sou igual Jonas, a baleia me engoliu, estou lá dentro e não faço mais nada. É muito bom olhar para trás nesses 27 anos e ver o tanto que a instituição melhorou. Tive algumas ações que foram definitivas, como o trabalho da governança com o auxílio da Fundação Dom Cabral e da consultora Elismar Alvares, que me ajudaram a como formar um conselho. Temos sete conselheiros, que se reúnem quinzenalmente para decidir questões estratégicas, mobilizam parceiros, ajudam no trabalho. Outro passo foi o setor de comunicação e marketing trabalhando o ano todo para arrecadar recursos. A Rede de Amigos responsável pela arrecadação de material, medicamento e recursos. E um trabalho de mobilização de políticos mineiros, desde 2005, para alocar emendas em suas verbas em Brasília.

Além de verba recebem outro tipo de doação?
Recebemos doações de todo o tipo e todas são muito bem-vindas e nos ajudam muito. Usamos os alimentos para dar refeição aos acompanhantes das crianças que vêm fazer tratamento de quimioterapia, e passam o dia no hospital sem dinheiro para comprar alimento. Temos um bazar constante, no qual vendemos produtos de toda e qualquer natureza para funcionários, familiares dos pacientes e moradores da região.  O recurso do bazar e essas doações é que ajudam. É tudo muito difícil, por isso cada pequena conquista é muito comemorada.

E o jantar?
O jantar existe há 18 anos. É uma arrecadação importante R$ 200 mil líquidos, mas não resolve nosso problema. Porém o evento é um momento institucional importante, porque reunimos parceiros e pessoas da sociedade e prestamos conta para eles. Este ano, o Hospital da Baleia faz 75 anos e pretendemos fazer eventos menores para celebrar a data o ano todo. Mas 20% de nossa arrecadação é recurso não operacional, que são as doações. Por exemplo, a Cera Inglesa adota leito há anos, e temos quatro cotas, diamante (R$ 37,1 mil), ouro (R$ 10,3 mil), prata (R$ 5,1 mil) e bronze (R$3,6 mil).

Qual o novo projeto do Baleia?
O Mais Baleia. Lançamos no ano passado e agora já está bem ajustado, com muito espaço para crescer. Trata-se de um programa para as pessoas poderem fazer cirurgias eletivas, parceladas em até dez vezes, sem acréscimo. Cirurgias eletivas são aquelas que não têm urgência, que o plano de saúde não cobre, ou necessárias, mas que a pessoa não tem um plano de saúde e não quer esperar a longa fila do SUS (meses ou anos), como por exemplo cirurgias ortopédicas, bariátricas, estéticas, de varizes, ligaduras de trompas, plástica, queda de bexiga, incontinência urinária. Hoje, tem 18 mil pessoas esperando por uma cirurgia ortopédica aqui, porque não tem quem a faça. Como remuneram muito mal, os hospitais reduzem a cota, para minimizar o prejuízo e se manter de pé. Fazemos até botox, por R$ 690, com excelentes médicos e o paciente pode pagar em 10 meses.

Fecha o ano positivamente?
Não. Com a defasagem da tabela tivemos que recorrer a um financiamento. Temos uma dívida de R$ 58 milhões com a Caixa Econômica Federal, com juros extorsivos, em um banco que é considerado social. Pagamos 1,46% ao mês, quando a Selic está a 6,5% ao ano, ou seja, pagamos quase 20% ao ano, em um programa que chama Caixa Hospitais, feito para hospitais filantrópicos. Para se ter uma ideia da gravidade do setor filantrópico em termos financeiros, hoje, os hospitais filantrópicos devem aos país R$ 25 bilhões, dívidas bancárias, com fornecedores (medicamentos, insumos) e prestadores de serviços, e 80% são da Caixa. Ela deveria fazer um programa para nos ajudar, mas empresta para uma JBS a 8% ao ano e para nós a 19%, quase 20%. Há uma distorção de princípio, porque estamos fazendo o que é dever do governo. É uma fundação de direito privado e finalidade pública. É o setor que deveria ser mais contemplado de benefícios e ajudas e não é.

Qual o desafio?
Agora é preparar a sucessão. Não tenho ainda alguém para preparar para me suceder. Não que eu esteja pensando em parar, mas já preciso começar a preparar a próxima geração e não tem ninguém da família que tenha manifestado desejo de assumir o posto.


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