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Estado de Minas

Pobreza parece mais perene que os rios no Norte de Minas

"Aquela gente depunha que tão aturada de todas as pobrezas e desgraças. Haviam de vir, junto, à mansa força. Isso era perversidades? Mais longe de mim-que eu pretendia era retirar aqueles, todos, destorcidos de suas misérias"


postado em 31/03/2012 06:00 / atualizado em 02/04/2012 07:54

Japonvar e Buritizeiro - Sessenta anos depois da viagem que Guimarães Rosa fez pelo interior para escrever Grande sertão: veredas, a desigualdade social ainda impera no Norte de Minas, área conhecida a fundo por Riobaldo Tatarana, autor da frase no alto desta página, destacada do romance em que o personagem arrebanha sertanejos que vivem na miséria para seu bando. O Norte do estado concentra 13 das 20 cidades mineiras com menor renda per capita mensal, segundo estudo da Fundação João Pinheiro (FJP), com base em dados de 2010. Enquanto São João das Missões registrou R$ 238,60, a menor cifra no estado, Montes Claros, chamada de capital do Norte, apurou valor quase três vezes maior (R$ 674,92).

A desigualdade social é tema da última reportagem da série Sertão grande, que o Estado de Minas publica desde domingo em alusão aos 60 anos da viagem que Guimarães Rosa fez na companhia do lendário Manuelzão e outros vaqueiros. Ao longo da semana, foram mostradas as mudanças econômicas ocorridas na região percorrida pelo escritor e seus personagens, como o avanço da indústria e o salto de empregos no comércio e na fruticultura. Depois de percorrer 4,2 mil quilômetros e visitar 25 localidades, o EM apurou que o desenvolvimento chegou a muitas cidades do Norte, mas várias ainda têm problemas tão graves quanto os narrados por Rosa em seu romance.

(foto: Produtor Sebastião Duarte Filho, no lugar do rio Jequitai, já foi
(foto: Produtor Sebastião Duarte Filho, no lugar do rio Jequitai, já foi "passavel" para o bando de Riobaldo, e agora vai ser o local de um megaprojeto, que vai garantir a irrigação de 35 mil hectares e vai gerar 20 MW de energia)
Em Japonvar, uma das 20 cidades com a menor renda per capita mensal no estado (R$ 294,23), 16 alunos do 7º ano da Escola Municipal São José assistem às aulas num imóvel improvisado como anexo da instituição. "Aqui funcionava um boteco", diz Amanda Ferreira, de 12 anos. A construção não é apropriada para receber os professores e os adolescentes. Na ausência de janelas, a imensa porta de ferro precisa ficar aberta para garantir a precária ventilação. Há outro problema: o imóvel está em uma rua de terra, onde a poeira levantada por carros e ônibus invade a "sala". O barulho dos motores de veículos e conversas de pedestres que passam por lá atrapalham ainda mais o aprendizado. A secretária municipal de Educação, Raquel Soares, explica que a prefeitura negocia uma solução com o governo do estado. "Firmamos acordo para que o estado amplie a Escola São José. Em troca, continuamos cedendo para o estado o imóvel onde já funciona a Escola Estadual Castelo Branco, de 1ª a 5ª série", disse Raquel.

A vida também é precária na área rural de Buritizeiro, com renda per capita mensal de R$ 382,80. A cidade não faz parte dos 20 municípios que integram o chamado bolsão da miséria em Minas, mas moradores de Paredão de Minas, um dos distritos mais famosos de Buritizeiro, lamentam a falta de asfalto em nove das 10 ruas do povoado. O primeiro desafio para chegar até lá é vencer os 80 quilômetros de estrada de chão.

"Houve dias piores. A energia elétrica só chegou aqui na década de 1990", conta Antônio Ramos, de 66. No mês passado, depois de economizar boa parte da aposentadoria de um salário mínimo (R$ 622), ele pagou R$ 300 por uma imensa antena de televisão. Para os moradores de lá, a antena não é luxo. "Em Paredão, casa que não tem esse tipo de aparelho só tem acesso ao sinal de uma emissora", disse o homem, que ainda não sabe quando conseguirá juntar dinheiro suficiente para reforçar as paredes de barro e trocar o desgastado telhado de casa.

O estudo da Fundação João Pinheiro mostrou que, assim como 13 das 20 cidades com menor renda estão no Norte de Minas, 13 dos 20 municípios que atingiram o maior crescimento no mesmo indicador - na comparação entre 2010 e 2000 - também são daquela região. Novamente Japonvar está no grupo: a renda per capita mensal passou de R$ 119,25, em 2000, para R$ 294,23, em 2010, o que mostra uma taxa média anual de crescimento de 9,45%. As cidades que apresentaram crescimento expressivo, porém, o conseguiram porque tinham uma base baixa a ser comparada.

"É fácil crescer quando a base é pequena. Isso (o aumento da renda nesse grupo de 20 cidades) se deve, por exemplo, a programas sociais, como o Bolsa Família. Não quer dizer que a renda tenha melhorado muito. Além disso, a população de muitos municípios tem crescido pouco e deve ser lembrado que a renda per capita é a divisão do valor pela população", explicou o economista Olinto Nogueira, coordenador de Desenvolvimento Humano da FJP.

Os governos federal e estadual vêm se esforçando para reduzir a desigualdade social no Norte do estado. Além dos programas sociais, beneficiam com redução ou isenção de impostos grandes empresas interessadas em investir na região. Se estivesse vivo, certamente Guimarães Rosa faria um apelo: desenvolver o Norte sem matar as veredas.

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