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Estado de Minas

Ferrovia não transporta mais passageiros, mas escoa a produção do cerrado


postado em 29/03/2012 06:00 / atualizado em 29/03/2012 08:57


Ferrovia Centro-Atlântica é a única em operação na região de Corinto, e seus trilhos vivem a expectativa de dias com mais movimento (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Ferrovia Centro-Atlântica é a única em operação na região de Corinto, e seus trilhos vivem a expectativa de dias com mais movimento (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Corinto e Lassance - O alemão Vupes, personagem de Grande sertão: veredas que vendia de tudo a fazendeiros, acertou em cheio quando disse ao também "estranja" Assis Wababa, um comerciante turco, que Curralinho lucraria bastante com a chegada do trem, conforme trecho no alto desta página, destacado  do romance. A chegada da estação ferroviária impulsionou tanto a economia do povoado que o lugarejo se emancipou de Curvelo. Curralinho agora é Corinto.

Na quinta reportagem da série Sertão grande, o Estado de Minas mostra como estão as linhas férreas que levaram desenvolvimento ao sertão descrito por Guimarães Rosa.  

Os trens de passageiros que rasgaram o cerrado ajudaram a impulsionar a economia, mas, 60 anos depois da viagem que Rosa fez pelo cerrado para escrever o livro, não há mais vagões transportando pessoas pela região. Por outro lado, há expectativa de que o minério que começa a ser descoberto na região amplie a malha férrea de cargueiros.

Atualmente, apenas a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) explora o setor no Norte de Minas, com um modal até Pirapora. Já os trens de passageiros não apitam por aquelas bandas desde a década de 1990. Locomotivas destinadas ao transporte de pessoas são importantes em qualquer país por vários motivos: reduzem a quantidade de ônibus e carros nas perigosas rodovias e beneficiam as famílias carentes, pois a passagem é mais barata que a de outros modais coletivos. Apesar disso, a União tem projeto para reativar apenas uma linha na área, de Bocaiuva a Janaúba. O estudo foi feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na década de 1990, e ainda não saiu do papel.

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A morosidade do poder público em apostar nos caminhos férreos para passageiros é exemplo de como o país precisa avançar em relação à estrutura de transporte. Até porque mais trilhos significam geração de empregos. A maria-fumaça que levou à emancipação de Curralinho, por exemplo, era administrada pela Estrada de Ferro Central do Brasil e garantia muitos empregos. "Havia pelo menos 1 mil funcionários aqui, pois Corinto abrigou importante oficina de trens", recordou o prefeito do local, Nilton Ferreira da Silva.

Um dos moradores que ganharam a vida nos trilhos do ex-povoado de Curralinho é Elias Caetano, de 81 anos. "Fui lenheiro: abastecia a caldeira com madeira. Depois, responsável pelas bagagens. Que saudades!", suspirou o homem enquanto descansava em um banco da praça principal de Corinto, de onde se avista o supermercado Varejão Sertanejo, de Gerson de Almeida. O empresário foi outro que se beneficiou da época do trem de passageiros: "Montei uma venda em 1979. Eu era o único 'empregado' de minha loja. Dei duro e, hoje, tenho 51 colaboradores". Os vagões com adultos e crianças que passavam pela cidade faziam parte do Trem do Sertão, que ia de Belo Horizonte a Monte Azul. Dali, fazia-se baldeação para Salvador.

O ramal passava por Sete Lagoas e foi extinto em 1996. A linha foi tão importante para o cerrado de Minas que Guimarães Rosa o citou no romance por mais de uma vez. Além da conversa entre Vupes e Assis Wababa, a locomotiva foi registrada por Riobaldo, o protagonista, que embarcou no Trem do Sertão com boa vestimenta: "(…) Faz tempo, fui, de trem, lá em Sete-Lagoas, para partes de consultar um médico, de nome me indicado. Fui vestido bem, e em carro de primeira, por via das dúvidas, não me sombrearem por jagunço antigo". O próprio escritor, ao fim da viagem ao lado de Manuelzão e outros vaqueiros, entrou num vagão em Sete Lagoas rumo ao Rio de Janeiro, onde morava.

As locomotivas que hoje passam por terras de Sete Lagoas puxam vagões de carga. A empresa que os administra é a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), controlada pela Vale. É a única a explorar uma linha férrea no Norte mineiro. O ramal chega a Pirapora, onde a FCA ergueu, em 2009, um terminal intermodal, que recebe parte da lavoura do sertão para ser exportada via Porto de Tubarão (ES). Em 2009, o entreposto embarcou 250 mil toneladas de grãos. Em 2010, 700 mil toneladas. Para 2012, a expectativa é embarcar mais de 1 milhão de toneladas.

Fora da pista

Animais e locomotivas dividem espaço na estação ferroviária de Corinto (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Animais e locomotivas dividem espaço na estação ferroviária de Corinto (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
A construção do entreposto retirou dezenas de carretas abastecidas de grãos da BR-040 - os caminhões, até a construção do terminal intermodal, precisavam pegar a estrada para descarregar na capital. A expectativa de que o Norte de Minas se transforme na nova fronteira do minério no estado - pesquisas estimam que o subsolo de 20 municípios escondem 20 bilhões de toneladas - exigirá a construção de novos ramais férreos por aquelas bandas ou minerodutos. A FCA teria intenção de estender o ramal para além de Pirapora.

A Miba, que deve aportar R$ 3,6 bilhões na estração de minério no Norte, também pode construir uma linha férrea. A empresa pretende construir um ramal da região de Grão Mogol a Catité (BA), onde tem outro projeto mineral. A Vale, por sua vez, pode rasgar um caminho férreo até a malha da FCA, sua controlada. Apenas a título de comparação, estudo feito na década passada estimou que produtores de soja pagavam R$ 0,056 por tonelada transportada em caminhões. No caso de vagões, o preço caía para R$ 0,016 - 28,5% do custo da viagem pelo asfalto.

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