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postado em 26/07/2014 06:00 / atualizado em 23/07/2014 15:20

Reprodução/MSF

Os médicos da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) atuam em condições muito mais precárias do que as encontradas nos municípios brasileiros mais pobres, onde não há médicos. Elas atendem a pessoas vítimas de catástrofes humanitárias causadas por guerras, terremotos ou enchentes. A MSF está presente em cerca de 70 países, entre os quais o Brasil, onde mantém uma base para captação de recursos financeiros e recrutamento de profissionais. Até 2009, a instituição desenvolvia projetos de ajuda humanitária no país. Porém, hoje não atua mais em campo aqui porque considera que a situação do país evoluiu e esse trabalho não é mais necessário, como explica Susana de Deus, diretora-geral da organização no Brasil. "No Brasil, não identificamos mais situações que justificassem nossa presença rotineira, mas estamos sempre atentos ao que acontece no país e se for necessário atuaremos", explicou.


Como surgiu a ONG Médicos Sem Fronteiras?
A organização foi criada em 1971 por um grupo de jovens médicos e jornalistas franceses, com o objetivo de levar cuidados de saúde para quem mais precisava, sem discriminação de raça, religião ou convicções políticas. A organização manifesta-se publicamente sobre o sofrimento de seus pacientes, trazendo à luz aspectos de realidades que não podem permanecer negligenciadas. Hoje, a MSF trabalha em cerca de 70 países, levando cuidados médicos a populações vítimas de desastres naturais, conflitos armados, epidemias, doenças negligenciadas e processos de exclusão do acesso à saúde.

Que projetos vocês desenvolvem no Brasil?
Mantemos um escritório no Rio de Janeiro, que concentra esforços no recrutamento de profissionais e na captação de recursos financeiros para apoiar projetos da MSF pelo mundo. O escritório trabalha também na informação e sensibilização da sociedade para crises humanitárias internacionais e na representação da organização junto a instituições brasileiras. Atualmente, a MSF não desenvolve projetos no Brasil, mas está pronta para responder a emergências pontuais, dependendo da avaliação das nossas equipes, como foi o caso das enchentes em Alagoas, em 2010, e na região serrana do Rio, em 2011, além do projeto de ajuda aos haitianos em Tabatinga (AM), realizado entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012. Lá, levamos ajuda humanitária a mais de mil haitianos, além de sensibilizar as autoridades para a urgência da situação. Mais recentemente, durante as cheias do Rio Madeira, em Rondônia, enviamos equipes para avaliar a situação e descartar a possibilidade de um surto de cólera. A conclusão foi que as autoridades estavam preparadas para atender às necessidades. Ainda assim, a MSF ministrou um treinamento médico para compartilhar experiência no tratamento da cólera e entregou um documento com medidas que poderiam ser adotadas localmente para conter um possível surto.

Mas a MSF já desenvolveu projetos de campo no Brasil?
Entre 1991 e 2009, desenvolvemos projetos que envolveram o combate a uma epidemia de cólera na Amazônia, a oferta de cuidados a pessoas sem acesso a serviços de saúde na Favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, e a vítimas da violência no Complexo do Alemão, também no Rio. Desde então, nossa opção foi a de atuar apenas pontualmente.

Por que a decisão de trabalhar apenas pontualmente no Brasil? Teria ocorrido uma melhora da situação brasileira?
Essa decisão veio depois de um estudo bem aprofundado que fizemos das condições brasileiras. Sempre que tomamos uma decisão de nos retirar de um país ou encerrar um determinado projeto, fazemos, antes, uma análise detalhada. Na ocasião, fizemos isso em vários estados brasileiros e concluímos que a situação aqui estava melhorando do ponto de vista da necessidade de fornecimento de ajuda humanitária de caráter emergencial. Nós somos uma organização que trabalha com questões emergenciais. E, no Brasil, não identificamos mais situações que justificassem nossa presença rotineira. Assim, em 2009, fechamos nosso último projeto, no Complexo do Alemão.

Vocês atuaram também no episódio do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Sim. Isso não significa que não existam situações pontuais. A da Boate Kiss foi uma delas. Se houver necessidade, as portas estão abertas. Mas não é esse mais o foco de nossa intervenção. Em Santa Maria, enviamos uma equipe para atuar no apoio às equipes médicas. Depois, fizemos algumas visitas de monitoramento e vimos que a coisa estava indo bem. Com isso, encerramos aquela intervenção.

Como são definidas as prioridades de atuação da MSF no mundo?
Antes de enviarmos uma equipe para qualquer país, fazemos um diagnóstico no qual é analisada a capacidade do Estado de intervir naquela situação e identificados quais os outros atores que lá atuam, bem como as reais necessidades da população. O primeiro passo é enviar uma equipe pequena, em geral de duas ou três pessoas, para fazer um levantamento das condições de saúde da população em questão e da ajuda oferecida por outras instituições, organizações ou governos. Com base nesses dados, avaliamos se o nosso trabalho é realmente necessário. Em caso positivo, as informações coletadas são utilizadas para traçar um plano de atuação, que inclui as atividades que serão realizadas, a equipe, os suprimentos médicos necessários, etc. Só depois disso é que tomamos uma decisão quanto a intervir ou não na região. Um detalhe importante: a decisão sobre os locais onde teremos projetos é sempre baseada nas necessidades de saúde da população; não em opiniões políticas, ideológicas ou religiosas quaisquer.

O que mais pesa nessa definição?
O que mais pesa são as necessidades da população e a segurança dos profissionais que para lá vão ser deslocados. A segurança tem um peso grande porque em qualquer projeto que desenvolvemos há toda uma parafernália de segurança envolvida. Temos grande zelo pelos profissionais que enviamos, pois sempre atuamos em situações bastante complicadas do ponto de vista da segurança. Fazemos também uma análise de risco, para que ele seja o menor possível. Nessa análise, levamos também em conta a segurança da população que atendemos. Não vamos colocar nossa estrutura de saúde em um local onde a população, para ter acesso aos nossos serviços, vai se ver em uma situação de perigo. Não fazemos isso. Tudo tem que estar devidamente balanceado, pois queremos que a população também possa chegar em segurança aos locais onde nós vamos atendê-la.

Qual a região prioritária para a MSF hoje?
Não temos região prioritária porque isso significaria, de alguma forma, priorizar o sofrimento das pessoas. O que acontece é que os contextos humanitários têm picos difíceis de serem controlados. Este ano, por exemplo, poderia destacar os conflitos na República Centro-Africana, as várias crises no Sudão do Sul e o surto de ebola na Guiné, em Serra Leoa e Libéria.

Como é a atuação da MSF na epidemia de ebola?
A MSF ainda é uma das pouquíssimas organizações a prover atendimento médico na resposta ao surto de ebola na África Ocidental. É a primeira vez que o vírus aparece na região e não é fácil para governos e para as organizações locais se adequarem rapidamente à situação. Também não é fácil para a população perceber a dimensão e a gravidade da doença. O vírus já se espalhou por mais de 60 localidades e chegamos ao limite das nossas capacidades de atuação. Considerando Guiné, Libéria e Serra Leoa, enviamos de avião mais de 40 toneladas de equipamentos e temos 300 profissionais em campo para cuidar dos pacientes em estruturas de isolamento, monitorar as pessoas que tiveram contato com eles para evitar a propagação, treinar profissionais indicados pelos ministérios da Saúde e informar a população, além de limpar áreas contaminadas, fazer a desinfecção dos corpos, garantir enterros seguros e oferecer apoio psicossocial. Desde março até a primeira semana de julho, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, foram registrados 779 casos e 481 mortes.

E o que a MSF está fazendo na República Centro-Africana?
Tivemos de reforçar a nossa resposta à crise na RCA em dezembro de 2013, dobrando a capacidade de atendimento. Só de janeiro a maio, por exemplo, realizamos mais de 450 mil consultas ambulatoriais e quase 172 mil atendimentos de malária. Também estruturamos projetos nos países vizinhos, como Camarões, Chade e República Democrática do Congo, para receber os refugiados que fogem da violência. Atualmente, temos mais de 300 profissionais estrangeiros e mais de 2 mil centro-africanos provendo assistência à saúde primária e secundária, cuidados obstetrícios e neonatal, vacinação, tratamento de HIV, doenças negligenciadas, cirurgias de emergência e atendimentos aos feridos nos conflitos. Além disso, oferecemos atendimento de saúde mental porque a população está muito traumatizada com os contornos que a situação trouxe às suas vidas.

Quais são as principais fontes de recursos de vocês?
Nosso trabalho depende quase que exclusivamente de doações privadas. Essa é uma condição fundamental para que possamos garantir a independência de nossa atuação e levar cuidados de saúde às pessoas que mais precisam sem discriminação de raça, religião, nacionalidade ou convicções políticas. Esses princípios – independência, neutralidade e imparcialidade – são fundamentais para o trabalho da nossa organização.

Qual o perfil dos profissionais da MSF?
As pessoas que atuam têm perfis profissionais bem distintos. Além dos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, psicólogos, ginecologistas, farmacêuticos, entre outros, temos administradores, economistas e logísticos. Os requisitos básicos para trabalhar na Médicos Sem Fronteiras são: formação superior; dois anos de experiência profissional; domínio de um segundo idioma (inglês e/ou francês) e disponibilidade para trabalhar em outros países por longos períodos.

Quantos brasileiros trabalham hoje em projetos da organização?

Atualmente, cerca de 100 brasileiros.

Como é o processo de seleção?
O processo de recrutamento começa no nosso site. A pessoa interessada em trabalhar com a MSF deve acessar nosso site e responder a um pequeno teste para ver se ela tem um perfil profissional adequado à nossa necessidade. Aquelas que se enquadram no perfil são convidadas a enviar o currículo. Os candidatos selecionados são, então, chamados para uma nova etapa do processo de recrutamento, na qual recebem informações sobre a organização, participam de entrevistas, fazem testes de idiomas e dinâmicas para avaliar seu potencial para trabalhar nas situações em que a organização atua. Todas as pessoas que participam desse processo e não se enquadram no perfil da MSF, mesmo aquelas que só fazem o teste do site, recebem um retorno da organização, que é importante para que os interessados se preparem e tentem novamente no futuro.

Como é o modo de vida dos profissionais da MSF?
Nos projetos, eles dividem casas com profissionais de outros países. A questão da alimentação também varia de acordo com o projeto e do país em que os profissionais estejam. Muitas vezes, eles comem na própria casa, onde, geralmente, há alguém para cozinhar para todos. Eles recebem uma ajuda de custo para se manter no país e uma remuneração pelo trabalho prestado no período em que estão no projeto.

Qual o valor da remuneração?
A remuneração não é a motivação principal para trabalhar na Médicos Sem Fronteiras. As pessoas que trabalham conosco fazem isso porque querem levar ajuda humanitária a pessoas que sofrem em situações de conflitos, epidemias, etc. Um profissional que vai trabalhar pela primeira vez recebe entre 700 e 1.040 euros por mês (algo em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil mensais, segundo a cotação da moeda europeia). Além de a remuneração muitas vezes não ser competitiva se comparada com o mercado de trabalho, a escolha por atuar em locais inóspitos, longe de casa e da família, por longos períodos, não é fácil. A pessoa tem mesmo que estar interessada em trabalhar com ajuda humanitária para fazer essa opção.

Existe alguma característica que distingue o médico brasileiro dos profissionais de outros países?
Uma característica importante é que a maioria dos profissionais brasileiros tem uma formação muito sólida e com uma grande experiência no atendimento de comunidades, não apenas experiência clínica. O trabalho com comunidades indígenas, rurais e urbanas torna os médicos brasileiros profissionais com um perfil diferenciado e de grande valor, o que é muito importante para a ação da MSF.

Há pessoas que desistem do trabalho por não suportarem as condições muitas vezes difíceis do lugar?
Há, mas não são muitas. Pode acontecer de o médico ter uma doença na família que deixou no país de origem e ter que regressar. Isso pode acontecer. Se esse profissional não tiver princípios humanitários muito enraizados, ele dificilmente será feliz trabalhando na Médicos Sem Fronteiras. Isso é detectado quando fazemos o recrutamento dos interessados. A vida desses profissionais, de alguma forma, pode ser considerada dura. Por outro lado, há compensações porque, muito além da satisfação pessoal, um diferencial importante é que, mesmo atuando em locais com grandes dificuldades, damos aos médicos todas as condições de que eles precisam para exercerem suas atividades. Garantimos toda a medicação e equipamentos de que o médico necessita para dar um atendimento de qualidade à população. Entretanto, esse mesmo médico pode chegar em casa e não ter luz para ler. Por isso, o primado do humanitarismo é o principal.
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