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Lama no Rio Doce deixa pescadores e produtores rurais no prejuízo

Daniel Camargos
Enviado especial

Santa Cruz do Escalvado, Sem Peixe, Naque, Periquito, Conselheiro Pena e Baixo Guandu – Um mês após a lama percorrer todo o leito do Rio Doce, da nascente, em Santa Cruz do Escalvado, até a foz, no Espírito Santo, o cenário é desalentador e formado por pescadores sem trabalho, produtores rurais contabilizando o prejuízo e animais mortos por beberem a água do rio, além de pessoas se aglomerando para receber doações de água mineral.

Em Naque, no Vale do Rio Doce, José Lino Marques não sabe com exatidão a própria idade. Calcula ser mais de 80. “O pessoal aqui me chama de ‘Véio’ do Rio”, ressalta. Porém, José sabe muito bem o prejuízo que teve por causa da lama de rejeitos de minério proveniente da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, distante mais de 200 quilômetros de sua pequena propriedade na margem do Rio Santo Antônio, próximo ao local onde o afluente deságua no Rio Doce. A água suja contaminou parte do Rio Santo Antônio e provocou a morte de sete porcos e galinhas de José. “Uns morreram lá na beira do rio e outros vieram cair aqui no terreiro”, detalha.

José relata que perdeu um porco de 25kg e vários de cerca de 10kg. “Consigo vender o quilo por R$ 10. Fiquei no prejuízo e até agora ninguém pagou nada”, reclama.
Outro prejuízo do Véio do Rio é a impossibilidade de pescar tanto no trecho do Rio Santo Antônio em frente a sua casa, quanto no Rio Doce. “A água ficou fedendo cheiro de peixe morto”, diz, recordando os dias seguintes à passagem da lama.

Os pescadores Amado de Souza, de 61 anos e Leomar Irênio de Oliveira, de 53, também estão impossibilitados de trabalhar no Rio Doce, onde tinham autorização para a pesca. “Os peixes subiram todos para o Rio Santo Antônio. Eles não vão deixar de subir para um mar de rosas para ficar no inferno”, compara Amado. O pescador explica que a lama de rejeitos que desceu no Doce provocou uma migração em massa para o afluente. “Pessoal que está pescando no Santo Antônio passa a rede e pega 25kg de peixe. Antes não pegava nem 5kg”, detalha Leomar.

Os pescadores Leomar e Amado estão sem trabalho após passagem da lama - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

O Rio Doce surge do encontro dos rios do Carmo e Piranga.
Na margem direita, está o município de Santa Cruz do Escalvado e, do lado esquerdo, a cidade de Rio Doce. Em Santa Cruz do Escalvado, Walter Vincura tinha um barco e o direito de explorar comercialmente um bar e um clube municipal na beira do rio. O barco Olga – o nome é uma homenagem à mãe de Walter – foi soterrado parcialmente pela lama e Walter ainda não conseguiu calcular se a perda foi total. Avaliado em R$ 80 mil, o barco fazia passeios no trecho inicial do rio até a barragem de Candonga.


O pescador rural, Delfim Cardoso, reclama que o gado não tem onde beber água - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press


Walter é engenheiro agrônomo e trabalhou na construção da barragem de Candonga. Nascido no interior de São Paulo, decidiu mudar para Minas e levar uma vida tranquila após a aposentadoria. Além do barco e do clube, tem também uma pousada. Os turistas e frequentadores deram lugar aos funcionários contratados pela Samarco que tentam fazer a limpeza do rio. “É possível recuperar e, quem sabe, deixar até melhor do que era”, acredita Walter.

Já o trabalhador rural Delfim Cardoso, de 63 anos, não vê solução.
“Estragou tudo. O gado não tem lugar para beber e não vai ter peixe aqui tão cedo”, afirma o morador de Sem Peixe, na Zona da Mata. Delfim relata que, na propriedade rural em que trabalha, as vacas ficaram doentes e as fezes mudaram de cor. “Parecia um barro branco por causa da lama”, descreve.



Em Conselheiro Pena, no Vale do Rio Doce, a produtora rural Rosa Lúcia Francisca afirma ter perdido quatro vacas e um bezerro por causa da lama que contaminou a água do Rio Doce. “As vacas beberam a água, apareceram babando, com o nariz escorrendo e morreram. Comprei remédio e dei até vinagre – que dizem ser bom – , mas não teve jeito”, lamenta Rosa. Ela vive há 55 anos na Fazenda Roxa e não lembra de ter presenciado situação semelhante. “Já vi muita enchente, mas a água passa e vai embora. Essa agora está agarrada”, explica. Cada vaca produtora de leite é avaliada por Rosa em R$ 2,5 mil.

Doação Às 11h da última terça-feira em Periquito, no Vale do Rio Doce, os moradores se aglomeravam para carregar fardos com garrafas de água em carrinhos de mão e bicicletas.
A Igreja O Brasil para Cristo arrecadou quase 10 mil litros em Nova Friburgo (RJ) e distribuiu para os moradores da cidade. A dona de casa Marli Maria da Silva levou um carrinho de mão e contou com a ajuda do filho para carregar. “A água que chega a torneira tem um cheiro forte e não dá para beber e nem para cozinhar”, afirma.

No distrito de Mascarenhas, em Baixo Guandu, no Espírito Santo, a atendente do posto de saúde Iraci Rocha reclama de dor de barriga e diarreia. “Não tinha costume de ter isso e estava tomando a água que eles trataram e me fez mal. Desde a semana passada, passei a tomar água mineral, mas aqui não está chegando doação”, afirma Marli..