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Estado de Minas MINAS+VIVA

Segundo dia do evento reúne produtores dos alimentos tradicionais de Minas

Críticas à legislação e abertura de diálogo para valorizar processo artesanal como pilar de sustentabilidade marcaram discussões


postado em 09/08/2012 15:05 / atualizado em 10/08/2012 14:32

(foto: Juliana Flister)
(foto: Juliana Flister)

No segundo e último dia do evento Minas+Viva: gastronomia, cultura e marketing, o debate foi feito com a troca de experiências entre os produtores de doces, queijos e a carne de lata, produtos tradicionais mineiros. Segundo o chef Eduardo Avelar, mediador do debate e consultor dos Diários Associados no projeto Sabores de Minas, que já percorreu mais de 150 mil quilômetros apresentado pratos típicos de cada município, os profissionais, produtores, governo e entidades devem estar unidos pelo desenvolvimento da gastronomia mineira e brasileira.

Inspirado pelo que observaram no Festival Madrid Fusion, que em 2010 já mostrou esse movimento, com chefes de todas as idades e províncias, Eduardo fundou, com o chef Eduardo Maya e Ralph Justino, organizador do Festival Gastronômico de Tiradentes, a Conspiração Gastronômica.

“Estamos reunidos neste movimento para mostrar que a sustentabilidade passa pela valorização dos pequenos produtores e dos processos artesanais. Cerca de 80% do agronegócio mineiro vêm de pequenos produtores e agora em julho o governo do Estado já apresentou a política estadual de gastronomia. Os chefs estão conspirando para trazer todo o segmento para uma convergência de discurso e para valorizar os pequenos produtores, com benefícios ambientais, sociais e culturais”, afirmou Avelar. De acordo com o chef, o turismo gastronômico tem tudo para ser destaque no PIB de Minas Gerais nas próximas décadas.


Entre os cases apresentados, dificuldades semelhantes, realidades diferentes. Marinalva Soares, coordenadora do programa Queijo Minas Artesanal da Emater, apresentou o processo de qualificação que começou em 2000, com as equipes que visitaram os produtores e grupos passaram a discutir a regulamentação do queijo com o objetivo de valorizar a cultura mineira e a agricultura familiar.

“Até o processo de maturação do queijo, que leva de 15 a 20 dias, estava se perdendo pela exigência de vender mais rápido. E o queijo maturado, curado, é a cara de Minas. Com a lei 14185/2002, foi possível reestruturar a cadeia do queijo, por meio de levantamento histórico, sócioeconômico, climático e agroecológico” explica Marinalva.

A partir daí, foram definidas as cinco regiões produtoras de queijo no estado e a caracterização dos processos, com uso do leite cru, do pingo (fermento natural),a salga seca e a maturação. “Os itens que mais caracterizam o queijo mineiro eram os mais criticados pelos órgãos reguladores. Mas com o cadastramento, o fomento ao associativismo e a qualificação dos produtores, estamos conseguindo trazer mais qualidade de vida às famílias que vivem dessa produção, além de garantir um produto com alto valor agregado”, comemora a representante da Emater.

Tacho de cobre e colher de pau, como aqueles utilizados em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, estão ameaçados de desaparecer(foto: Beto Novaes/Estado de Minas )
Tacho de cobre e colher de pau, como aqueles utilizados em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, estão ameaçados de desaparecer (foto: Beto Novaes/Estado de Minas )
José de Luís de Oliveira, que há 40 anos produz a famosa carne de lata de Divinópolis, relatou uma situação menos promissora. Hoje restrito a um único ponto de venda próprio, o produto chegou a ser comercializado em outros estados e grandes supermercados, mas foi recolhido. “Fiscais do Instituto Mineiro de Agropecuária lacraram minha fábrica, sem negociação prévia. Fiz várias adaptações para cumprir as exigências, mas até hoje não consegui o selo de inspeção”, relatou José.

“A carne de lata veio para o Brasil no século XIX, com Dom João VI, e eu sou o único produtor. Mas não sei se será possível manter o produto que caiu no gosto de todos”, lamentou ele. Já Luiz Augusto Nunes de Almeida, da tradicional fábrica de doces Dona Joaninha, de Araxá, que há 42 anos produz compotas cobiçadas por turistas do Brasil todo, mostrou a evolução de sua fábrica, desde o fogão de lenha até a loja completa que é mantida hoje pela família, com valores nutricionais no rótulo e um processo criterioso que vai desde a seleção de matéria prima até a esterilização do vasilhame.

“Mas também enfrentamos problemas. Desde o início, o tacho de cobre e a colher de pau foram utilizados na produção. Desde março deste anos, estamos usando o tacho estanhado, que é mais difícil de limpar e altera a cor dos doces verdes. A colher agora é de plástico, mas não podemos ter certeza de que ela agüenta o calor. De qualquer forma, em 2012, conseguimos nosso alvará sanitário. Em uma visita da Vigilância Sanitária de dois dias, 80% do tempo foi gasto com análise de documentos, tamanha a exigência. É desproporcional ao tamanho da produção”, relatou Almeida.

Patrimônio Imaterial
Outro exemplo apresentado na manhã desta quinta-feira foi o de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto. Desde 2005, com a regulamentação da Lei 17/2002, os doces produzidos pelos pequenos produtores do município são patrimônio imaterial.

“São Bartolomeu é o distrito mais antigo de Ouro Preto e a comercialização de doces na região vem do século XVIII. Com o selo de patrimônio e o apoio aos produtores, estamos conseguindo manter esse modo de fazer bem vivo”, comemora Sidnéia Santos, da secretaria de estado de cultura de Ouro Preto. “Há mais de 200 anos usamos tacho de cobre e nenhum incidente de risco à saúde foi levantado. São 35 famílias cadastradas e a cultura preservada”, defendeu a gestora.

Em seguida, o debate trouxe os chefs Ivo Faria e Eduardo Maia; o médico e professor de bioquímica da UFMG Leonides Rezende Júnior; Gilson Salles, gerente de educação sanitária e apoio à agricultura familiar do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA); Maria Flávia Bracarense Brandão, diretora de vigilância sanitária e alimentos do Estado de Minas Gerais; Edson Puiati, gestor de gastronomia do Senac-MG; e Rafaela Nejm, diretor de marketing da rede de supermercados Supernosso.

Ivo Faria e Edson Puiati destacaram que a gastronomia mineira agrada a todos os paladares e só sobrevive se receber produtos de boa qualidade. Rafaela, que representou a Associação Mineira de Supermercados, explicou que muitas vezes, em função das restrições da legislação, não é possível comercializar tantos produtos mineiros quanto os empresários poderiam.

Já o médico Leonides destacou que não há, na literatura médica, casos de intoxicação crônica por cobre. “O cobre é essencial ao organismo e seu excesso é excretado naturalmente. Não há acúmulo de cobre no organismo humano. Além disso, o processo de fabricação do doce envolve altas temperaturas, que impedem a oxidação do tacho, necessária para a liberação do metal no alimento. Isso é sabido há séculos”, enfatizou o bioquímico. Ele defendeu a união dos órgãos responsáveis em torno de uma legislação adaptada à realidade. “É preciso conhecer antes de proibir”, resumiu Leonides Júnior.

O chef Eduardo Maya diz que é preciso inverter o processo que leva o consumidor a valorizar mais o que vem de fora. “Temos que acabar com esse complexo de vira-lata e juntos podemos mostrar que isso é possível. Queremos o apoio dos órgãos fiscalizadores, não os queremos como adversário”, declarou o diretor da Conspiração Gastronômica. Gilson Salles, do IMA, ressaltou que o papel do órgão á trazer informação e apoio à agricultura familiar, mas que a legislação é obsoleta.

“Os sistemas de inspeção se baseiam em textos de 1989 e erroneamente separam os problemas por regiões, como se uma bactéria pudesse viver só em Minas Gerais, por exemplo. Somente um decreto de 2010 deu autonomia aos estados para legislarem sobre sua produção artesanal e uma lei delegada de 2011 criou a gerência de educação sanitária no IMA. Hoje, sim, temos uma legislação e também uma equipe suficiente para proteger os pequenos produtores rurais, sua cultura, seus valores”, explicou o gestor. Segundo ele, em Minas, 80% dos estabelecimentos rurais são de pequenos produtores, que ocupam 20% das terras e produzem 70% dos alimentos consumidos no Estado. “Ou seja, é um modelo muito eficiente”.

Maria Flávia, da Visa Estadual, afirmou que o órgão tem trabalhado junto com o IMA e abriu o caminho para a discussão. “Queremos garantir um produto de qualidade no mercado. Quanto ao tacho de cobre, por exemplo, não há um estudo que comprove a contaminação dos alimentos. Podemos, sim, nos unir e fazer uma leia estadual que complemente a federal, mantendo o processo artesanal. Podemos ser parceiros na busca desse consenso”, sinalizou a gestora estadual.

A programação da manhã incluiu uma oficina de culinária viva, apenas com alimentos crus, que reuniu 20 assinantes do Jornal Estado de Minas, sob o comando da nutricionista Milene Mattar. As discussões continuam até o fim da tarde desta quinta-feira, com o tema “Cultura e revitalização de hipercentro”.

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