Jornal Estado de Minas

Artigo

Os paradigmas da educação e a descarga da privada

Talvez eu esteja utilizado a expressão paradigma de modo exagerado, mas creio que é a expressão que melhor se aplica ao tema que abordarei neste artigo. Existem certos paradigmas, que são desastrosos para a educação. Quando definimos e conceituamos algo de forma dogmática, por tabela, limitamos aquilo que foi definido. Retiramos do objeto da definição a liberdade de ser outra coisa. Algumas frases que ouvi ao longo de meu trabalho como professor, em escolas públicas e privadas, são prova desses paradigmas.

Preconceito e senso comum equivocado devem ser combatidos e dão uma dimensão da tragédia da educação. - Foto: Marcelo Ferreira /CB/ DA Press 

No meio educacional é comum afirmar-se que “tal classe é muito ruim”. Os professores, de pronto, passam a considerar que os alunos daquela classe não são bons. E excluem a possibilidade de ela ser boa. Para que gastar sal com carne podre?

Ao embarcar no (pré) conceito de que uma classe é ruim, o professor retira de sua ação pedagógica a possibilidade de interferência positiva para o ensino-aprendizagem e, naturalmente, compromete seu trabalho. O docente olha para os alunos – ruins – como um monte de gente amorfa com a qual não vale a pena lidar.

Não se trata do Rodrigo, da Bruna, do Pedro ou da Letícia, de alguém com nome e rosto. Trata-se de imediato, de uma classe como uma coisa uniforme e ... ruim. Os nomes no diário de classe são apenas um detalhe. Repeti a palavra ruim várias vezes, de propósito.

Outra frase, comum nas escolas, é uma das maiores e piores pérolas da educação. “O professor fulano dá aulas para quem sabe a matéria”. Eu sempre achei que o professor era necessário para quem não sabe e precisa saber alguma coisa. Essa é a grande questão da educação.

O magistério existe para isso – ensinar a quem não sabe. O desafio é e sempre foi esse. A transferência do saber e a consequente mudança de atitude diante da vida são feitas a partir da educação. Agora, quando o indivíduo já sabe, para que o professor? A incompetência começar por aí e termina numa tragédia para a educação. Infelizmente, muitos atribuem à frase um elogio, quando, na verdade, é uma baita deficiência do docente.

Existem inúmeros bons exemplos - especialmente na área da educação pública - que devem ser incentivados e replicados. - Foto: Bruno Peres /CB/ DA Press 

“A escola privada é melhor do que a escola pública. ” Quanta bobagem! A sociedade precisa parar de fazer essa comparação rasteira. Existem escolas boas e escolas que não são boas. Os pais e a comunidade devem possuir meios para aferir se a de seus filhos é boa.

“Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão”. Ouvi essa afirmativa de um professor que justificava o volume excessivo de conteúdo ministrado aos seus alunos.

Matutei com minha cabeça sobre essa frase de um “professor pecador”. Ora, a diferença entre o remédio e o veneno não é a dose?  Quando comecei a atuar como professor de História, achava que meus alunos deveriam ser apaixonados pela História como eu sou. Na minha ingenuidade, acreditava que meus alunos deveriam ser historiadores. A experiência me mostrou que não é bem assim. A História deveria ser uma ferramenta para os alunos crescerem como indivíduos, e não uma imposição tirânica de um professor que peca pelo excesso. 

Certa feita, um aluno de classe média me perguntou o porquê do estudo sobre o marxismo já que ele e seus colegas não eram proletários e, portanto, não necessitavam daquela matéria que, a princípio, cheirava a proselitismo. Gostei da pergunta e percebi, diante da postura ideológica do meu aluno, que ele havia compreendido o tema. Ao dizer que não fazia parte do proletariado, assumiu consciência de sua posição social e percebeu a questão da luta de classe tratada por Marx. De uma forma curiosa, entendeu o marxismo, e sua reação mostrou seu posicionamento na sociedade e no contexto no qual vivia. Isso é educação. O que meu aluno fez com o marxismo, eu não sei.

Mas sei que ele compreendeu a lição e torço para que ele pense um pouco mais no outro, proletário ou não.

 

Mudando radicalmente de assunto, os ambientalistas que me perdoem, mas continuarei dando descarga em minha privada.  Digo isso porque li, uma vez, que uma personalidade defensora da natureza, e radical na preservação do meio ambiente, afirmava que, na sua casa, todos estavam proibidos de acionarem a descarga quando fossem urinar. Se for amarelo, dizia o distinto, nada de descarga.

Sou do tempo em que a descarga era acionada imediatamente após o uso da privada. Não tenho paciência com radicalismos de qualquer espécie, mas, nesse ponto, sou radical. Creio que há água suficiente para isso. Posso diminuir o tempo no banho, evitar lavar o carro. Mas sou irredutível quanto à descarga. Aciono a descarga  e ponto final. Principalmente, quando vejo flutuando na água da privada as expressões:

“Dou aula para quem sabe”; “Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão”; Tal classe é muito ruim”; Escola privada é melhor do que escola pública”.

 

Newton Miranda é Arquiteto e professor de História do Percurso Pré-vestibular.

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