Jornal Estado de Minas

Estudantes denunciam atraso no pagamento de bolsas da Fapemig

- Foto: Arte EM A crise financeira do estado tem afetado um setor-chave, a ciência. Estudantes de pós-graduação denunciam que há mais de um ano têm recebido com atraso o pagamento relativo a bolsas concedidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A instituição financia estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado. Os valores referentes a fevereiro só serão liberados no fim deste mês. Pesquisadores se reuniram em Belo Horizonte para tentar solucionar o problema e exigir que a ciência volte a ter prioridade nas políticas púbicas do governo estadual.

O pagamento das bolsas de R$ 2,2 mil para doutorado, R$ 1,5 mil para mestrado e R$ 400 de iniciação científica era feito no quinto dia útil do mês corrente, referente ao mês anterior. O repasse feito às instituições de ensino englobava o período de três meses, justamente para garantir a pontualidade. Mas, há cinco meses, o sistema de movimentação financeira foi alterado. O dinheiro começou a ser repassado mês a mês para as universidades, enquanto os alunos recebem a verba sem data fixa, com prazo estendido até o último dia de cada mês, como explica a pesquisadora e vice-presidente da Regional Sudeste da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Laís Moreira Silva.

“Nunca havia virado um mês sem o dinheiro na conta.

De fevereiro para março isso ocorreu pela primeira vez”, reclama. “Essa indefinição gera, além de prejuízos financeiros, já que os bolsistas têm regime de dedicação exclusiva às pesquisas e não podem trabalhar em sua área, o sentimento de instabilidade para continuar fazendo a pesquisa”, diz. Numa ponta, estão as questões burocráticas e, na outra, os bolsistas.



Além dos problemas no repasse, o trâmite para que a verba seja compensada na conta dos pós-graduandos dificulta ainda mais o acesso ao dinheiro. Da Secretaria de Estado da Fazenda os recursos vão para o caixa da Fapemig, que os repassa às fundações gestoras e estas últimas ao banco. Considerada um auxílio ao pesquisador, as bolsas servem, de fato, não apenas para manter as pesquisas, mas a própria vida pessoal deles. É com a verba que se paga transporte, alimentação, plano de saúde, aula de inglês, livros e as contas de manutenção de casa. Os bolsistas também dependem do dinheiro para participar de congressos e apresentar trabalhos, cuja agenda é obrigatória.

Os pesquisadores beneficiados ficam impedidos de assumir vínculo empregatício em qualquer empresa ou instituição, sob pena de ter de ressarcir os cofres públicos dos valores já pagos com o auxílio.
Doutoranda em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bolsista da Fapemig, que prefere o anonimato por medo de sofrer represálias, conta que passou dificuldades até para comer por causa dos atrasos nos pagamentos. Na casa dela, os atrasos substanciais desde dezembro a deixaram sem itens básicos de higiene.

Uma rede de colegas e professores a ajudaram a comprar até mesmo lanche da escola para o filho de 3 anos. O marido, engenheiro civil formado, mas sem atuação na área e atuando como motorista numa empresa de entregas, custeou parte das contas do mês. “Tenho meu salário e é justo que eu o receba. Ainda tenho uma rede de pessoas que podem ajudar, mas outros não têm. Recebi doação em dinheiro de professores da minha área e de outras áreas. É uma situação vexatória. Tenho uma profissão, tenho um nível de graduação alto e me encontro nessa condição”, desabafa.

Graduada pela PUC Minas, ela estudou com bolsa do Prouni, passou em quarto lugar na seleção para o mestrado e em primeiro no doutorado.
“O bolsista não é prioridade. Tanto o secretário da Fazenda como o gari não sabem qual é meu papel, que eu trabalho fazendo pesquisa, que essa é uma carreira acadêmica. Isso faz com que os atrasos se mantenham. O que faz um bolsista? Não sabemos mesmo, então vamos enrolando”, critica a pesquisadora.

“Chorei muito. A saúde mental de todo mundo fica abalada e atrapalha nossa produção. O tempo que perco para resolver o problema da bolsa é o tempo que fico sem produzir. Pedem nossa compreensão nos e-mails de resposta, mas não posso pedir a compreensão do banco nem a da diretora da escola (em que o filho estuda). Tenho que pagar.”

CHEQUE ESPECIAL Outra doutoranda, de 26 anos, que também pediu anonimato, conta que tenta economizar ao máximo para ter uma reserva e não atrasar o pagamento do aluguel, que divide com outras pessoas da pós-graduação. “Mas o dinheiro não chega. Várias vezes tive que recorrer ao cheque especial.
Nesse último ano, paguei mais de R$ 500 só em juros para banco”, relata. Pesquisadora no programa de ciências da saúde na Fiocruz, ela recorreu aos pais para pagar até plano de saúde. “Muitas pessoas não têm esse conforto. Vários alunos vieram do interior, de outros estados ou país para fazer a pós-graduação e, diante de uma situação assim, não têm a quem recorrer”, afirma. “Para um país em crise, a ciência e a tecnologia são necessárias para sairmos do buraco em que estamos.”

Também estudante do doutorado da Fiocruz, um jovem de 28 anos é outro que conta com a ajuda dos pais. “Vimos o mundo inteiro falando da perda inestimável do cientista britânico Stephen Hawking, incluindo nosso presidente da República, mas 90% dos que lastimaram a morte dele nem sequer sabem como funciona a pesquisa no Brasil. A cada vez que tentamos explicar que somos pagos para fazer pesquisa, soa como insulto. A vacina que as crianças tomam provavelmente veio de uma linha de mestrado ou doutorado”, diz. “Quem está fazendo pós-graduação é quem ama, porque se fosse considerar o lado financeiro ninguém faria ciência no país. Com tanta corrupção, não tem R$ 2,2 mil para pagar uma bolsa? É revoltante.”

Ciência perde valor


Mais que uma questão de números, os pós-graduandos estão preocupados também com outras formas de financiamento.
“A Fapemig depende do governo do estado e investe 90% de seu repasse em bolsas. Ela tem muita disposição, mas pouca capacidade de solução. E o governo do estado está ilhado, em crise”, afirma a pesquisadora e vice-presidente da Regional Sudeste da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Laís Moreira Silva. A fundação apoia, em média, 10 mil bolsistas, entre todas as suas modalidades. As bolsas em atraso dizem respeito a 7 mil estudantes, de 78 instituições de ensino mineiras.

O medo de não conseguir cumprir prazos e metas e a dúvida em relação à manutenção das bolsas levou à proposta de criação de um grupo de trabalho com todos os envolvidos – de mestrandos e doutorandos a representantes do governo. “Não queremos apenas reivindicar salário, mas reposicionar a ciência, que é produzida na pós-graduação, no projeto nacional e em Minas”, ressalta Laís. A ideia é que o grupo esteja no centro das decisões políticas referentes ao setor, facilitando, assim, o diálogo com a Secretaria de Estado da Fazenda, responsável pelos aportes financeiros. “Queremos procurar uma saída, não adianta procurar culpado. A ciência precisa voltar a ser prioridade para o estado de Minas Gerais, assim como outras áreas o são. Não somos gasto, somos investimento. Por meio da pesquisa vamos encontrar saída para a crise.”

A execução financeira da Fapemig e os investimentos no programa de pós-graduação (PAPG) da instituição, que reúne basicamente as bolsas de mestrado e doutorado, diminuíram nos últimos dois anos. Por outro lado, a quantidade de projetos de pesquisa e de bolsas concedidas aumentou (veja quadro). De acordo com a fundação, o orçamento para pagamento das mensalidades de bolsas é vinculado ao orçamento do estado. Os recursos são repassados pela Secretaria da Fazenda no início de cada mês, mas, por causa da crise financeira do estado, o repasse tem atrasado. Por meio de nota encaminhada ao Estado de Minas, a Fapemig destacou que “tem como prioridade manter em dia o pagamento das bolsas concedidas pela Fundação. A direção tem efetuado diversas ações junto ao tesouro estadual, fonte dos recursos para pagamento das bolsas, a fim de garantir esse pagamento”. (JO).