Jornal Estado de Minas

Corte de verbas asfixia universidades federais

'A situação é dramática, extrema, muito grave. Não há paralelo na história da instituição, que completa 90 anos, com a crise financeira que estamos enfrentando' - Jaime Arturo Ramírez, reitor da UFMG - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
Quatro anos sucessivos de cortes, atraso ou retenção na liberação de dinheiro e contingenciamento (bloqueio) de verbas já previstas em orçamento. A soma de desacertos e arrocho tem produzido um resultado catastrófico na saúde financeira das universidades federais. Na UTI da educação, reitores das federais sediadas em Minas não dão cinco meses para que os sistemas da educação pública superior entrem em colapso absoluto, caso o cenário de crise continue. Na maior instituição do estado e uma das principais do país, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o reitor Jaime Arturo Ramírez é categórico: “A situação é dramática, extrema, muito grave”.


Os números não mentem: são pelo menos R$ 754 milhões previstos na lei orçamentária para as federais mineiras este ano (número apurado em sete das 11 instituições) e R$ 179 milhões (23,7%) ainda não foram liberados ou foram contingenciados. Em agosto do ano passado, foi anunciado o segundo corte orçamentário feito pela União no prazo de apenas um ano e meio. A previsão do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle, portal do Ministério da Educação (MEC) que trata do orçamento, era de redução média de 45% nas verbas de investimento (cerca de R$ 350 milhões) nas 63 universidades públicas do país para 2017. Nos recursos destinados ao custeio, a diminuição era de 18% na comparação com o que havia sido previsto para 2016. No caso dos investimentos, o corte afeta, principalmente, obras e compras de equipamentos.
Já o custeio é relativo às despesas correntes, que vão do pagamento de contas de consumo ao gasto com pessoal terceirizado.

Na UFMG, o orçamento de 2017 é aproximadamente 10% menor do que foi em 2016. São R$ 173,2 milhões, contra R$ 191,8 milhões. “Além de ser menor, está contingenciado. O governo liberou 85% e, se não autorizar os 15% restantes, não só a UFMG, mas todas as outras federais vão entrar em situação grave até o fim do ano”, avisa o reitor, afirmando que ainda não há qualquer sinalização da União para solucionar o problema.


No quesito obras, a situação é ainda pior. O orçamento de R$ 22,6 milhões é 10% menor do que em 2016 (R$ 22,8 milhões) e menos da metade do que foi em 2014 (R$ 46,3 milhões). Além disso, há um contingenciamento de 50% desse valor. Como resultado, a universidade está com oito de suas 10 obras paralisadas.
Dos R$ 72 milhões previstos para intervenções em prédios como os dos cursos de belas artes, educação física e da Faculdade de Educação, apenas R$ 29,8 milhões foram executados. Por questões estratégicas e de demanda, apenas a moradia estudantil e o Centro de Atividades Didáticas 3 (CAD 3) continuam em construção e serão entregues até o fim do ano. “O que está parado são obras essenciais e que fazem parte do compromisso feito pela universidade de expansão para acomodar salas de aula, para professores e laboratórios, por exemplo”, diz Ramírez.

“A manutenção do câmpus é muito preocupante. É o dia a dia das universidades”, ressalta o representante da UFMG. “Retomar uma obra, que pode se deteriorar ao longo do tempo, é muito mais caro”, acrescenta. Apesar do arrocho, o reitor afirma que ainda não há previsão de corte de pessoal. “Não há mais como reduzir, pois, se isso ocorrer, põe a universidade em extrema fragilidade do ponto de vista de funcionamento”, ressalta. A UFMG já havia sido atingida duramente em suas finanças em 2015, quando houve suspensão de pagamentos de contas de águas e luz e demissão de terceirizados.

Naquele ano, foram perdidos R$ 50,7 milhões em repasses do Ministério da Educação (MEC), dos R$ 263 milhões inicialmente aprovados pela Lei Orçamentária.
Para enfrentar o cenário, a universidade anunciou interrupção de obras em curso no câmpus e lançou um plano de adequação orçamentária com cortes de 16% no custeio da administração central (pró-reitorias e diretorias) e 50% nos recursos de capital (obras, equipamentos e investimentos). Na época, um fundo de emergência de R$ 2 milhões foi criado para atender à pós-graduação.

Obra no Instituto de Ciências Exatas: de 10 intervenções na UFMG, oito estão paradas - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press
CRISE INÉDITA Jaime Ramírez destaca que só não faltam insumos básicos, como materiais de higiene, de limpeza e do dia a dia de laboratórios e salas de aula, porque a universidade fez uma provisão para essas despesas no início deste ano. “Mas essas questões também vão se deteriorar rapidamente”, prevê. Sem poder reduzir vagas, à espera de recursos e com o caixa em estado de alerta, não resta alternativa que não esperar o anúncio da previsão de orçamento para 2018, que deve ser divulgada este mês. “Por ser grande e robusta, a universidade tem a característica de ser resiliente, mas tudo tem limite. Olhando em perspectiva, não há paralelo na história da instituição, que completa 90 anos, com a crise financeira da gravidade que estamos enfrentando. E isso vai ter efeito na UFMG como um todo”, avisa.

O reitor garante que continuará sendo indicado ao governo federal que a melhor maneira de sair da crise é não deixar de investir em educação. “Isso é um princípio. A própria universidade, pelas relações que tem com a sociedade em diversas dimensões e não apenas na formação de pessoas, é uma forma também de voltar a ter um pouco de credibilidade e fazer a economia engrenar. Deixar de investir em educação, ciência e tecnologia é equivocado do ponto de vista político e deixar de investir nas universidades é igualmente equivocado.”.