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Estado de Minas

Crônica "O circo": jornalista conta como foi o terceiro dia de julgamento


postado em 07/03/2013 06:00 / atualizado em 07/03/2013 07:17

Vamos tentar entender como funciona parte daqueles 9.651 jornalistas e afins que habitam a lona imaginária com câmeras, máquinas fotográficas, gravadores, tablets, microfones, celulares multifuncionais e 381 quilômetros de fios trançados. Uma parcela pratica certa corrida de resultados atrás de entrevistados. Nem sempre quem acompanha o caso Bruno pela TV consegue ver o entrevistado, tamanha parafernália à frente. Por isso, a competição pela entrevista exclusiva, o que só se consegue depois de o entrevistado se esgotar e repetir a resposta 527 vezes.


Há equipes que, além de afros imensos vestidos de terno preto para abrir caminho entre o tiquinho de gente, mantêm sob a lona as chamadas produtoras. São meninas encorpadas (uma boa produtora tem que ser fornida de corpo, não necessariamente forte, para aguentar o tranco). Elas avançam o mais que podem na arena. “Fiquem atentas, meninas, queremos a palavra do doutor Lúcio Adolfo.” Mal a franjinha (no Vale do Jequitinhonha é pastinha) do defensor de Bruno surge à porta do salão do júri, duas produtoras o atacam, uma de cada lado. “Somos do programa do fulano, doutor, o senhor vai entrar ao vivo.” E lá vai o Adolfo. Parece que está levitando, mas não está. As meninas fornidas estão levantando-o pelos cotovelos. Qualquer vacilo, outra dupla de produtoras “rouba” o homem.

E não se convença totalmente quando o apresentador ou apresentadora diz: “Agora, ao vivo, do fórum de Contagem, a repórter Ariosbela Lúcia com as últimas notícias do caso Bruno.” O trabalho de repórter de TV é, às vezes, como o de um ator de novela ou cinema. É preciso decorar, repassar o texto, avaliar os gestos. Depois que o Bruno confessou aquiescência com o assassinato de Eliza, num chororô danado. A repórter começou a ensaiar a matéria. Primeiro, sem o microfone e sem câmara, ao lado de uma van, bem longe do tiquinho de gente. E danou a dizer “como já se esperava que Bruno, como já se esperava que o Bruno…” E fazia aqueles gestos com as mãos e o rosto que caracterizam as repórteres de TV.

Ela lutou com ela mesma e o texto por uns 10 minutos. Quando se achou vitoriosa, postou-se diante da câmara. Leu, acertou. Mas o cinegrafista não gostou. “Repete aí, mudando um pouco a posição do rosto.” E a moça não acertou mais, não tão facilmente.

Do lado de fora, da arena cercada de grades, o jovem Marcelo, nos seus 23 anos, roupa de metaleiro, cabelo aparado quase rente ao coco da cabeça e óculos escuros se sentiu seduzido. Deu nele uma febre de celebridade. Essa febre é comum no entorno de grandes concentrações de jornalistas e afins que se disseminou no país depois dos reality shows. Marcelinho, com 40 graus de vontade de aparecer para o mundo e ainda embolsar uns trocados, cutucou o repórter e falou baixinho: “Se rolar um cachê, dou entrevista. Se pagar mais de cem falo sobre qualquer assunto”. A proposta do Marcelinho correu de boca em boca. Chamou até a atenção de produtoras parrudinhas. E se fosse alguém famoso? “Pode ser até por cem”, insistia Marcelinho. Tadinho, sô.

Pensamento em volz alta: “O futebol perdeu um grande goleiro, mas a dramaturgia ganhou um grande ator”, José Arteiro Calvalcanti, advogado e pensador no caso Bruno.

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