Muito se fala de Juiz de Fora quando o assunto é a passagem de Luiz Gonzaga por Minas Gerais. De fato, foi lá onde ele morou por mais tempo, mas Ouro Fino se revela um verdadeiro arquivo vivo de histórias do artista. Não faltam pessoas que conviveram com ele e guardam lembranças que permanecem sem registro. Entre a filha de um ex-professor de acordeom e a senhora que lavou as roupas do Rei do Baião, há até quem tenha feito aula de ginástica ao som de sua sanfona.
“Luiz Gonzaga saiu de Exu (PE) adolescente, pobre e sem informação. Chegou a Ouro Fino como militar e corneteiro e saiu daqui como sanfoneiro, artista e homem. Foi um rito de passagem”, teoriza o artista plástico ouro-finense Maneco de Gusmão, de 60 anos. Ele é afilhado de José Rivelli, o Rivelinho, com quem o pernambucano continuou a aprender música e costumava tocar pela cidade. “Meu padrinho me mostrava discos e contava histórias dele na cidade.
A curiosidade em torno desse período da vida do sanfoneiro motivou pesquisa que incluiu conversas com moradores da cidade e culminou com a idealização de um curta-metragem chamado Luiz Gonzaga – Um nordestino em Ouro Fino. História para o enredo é o que não falta: entre os temas disponíveis estão letra de música que teria sido escrita por Luiz Gonzaga para o carnaval de Ouro Fino (lembrada pelo ex-prefeito Sebastião Favilla) e um filho que o artista teria deixado na cidade (sua viúva ainda está viva).
Se for para documentar, que seja logo, pois muitas testemunhas dessa história já morreram, outras passaram dos 90 anos e alguns dos locais onde o artista viveu já estão descaracterizados. A casa onde morou, por exemplo, continua com duas palmeiras na frente, mas hoje abriga a malharia Marina Morena. Já a barbearia de Aldo Zerbinatti, ponto de encontro de Luiz Gonzaga e outros músicos de destaque na cidade, atualmente está dividida entre as lojas Mundo Mágico das Fraldas e Chic Bella Modas.
Orley Zerbinatti, 79 anos, é sobrinho de Aldo e conta como eram esses encontros: “Todo sábado à tarde, a turma se reunia na porta da barbearia. Meu tio gostava muito de música e foi o fundador da Lira Ourofinense. Passavam por lá o saxofonista Rivelinho, o violinista João Bellini Burza, o cavaquinista Arthur Leal e o acordeonista José Mainardi, além do Gonzaga, que tocava sanfona”. O pai dele, Orlando, foi diretor do Clube União Operária Beneficente e organizou baile cuja renda ajudou Gonzaga a comprar outra sanfona.
Iniciação
Quem certamente ajudou Luiz Gonzaga a dominar esse variado leque de gêneros musicais foi José Mainardi, acordeonista mais conhecido da cidade, que deu aulas do instrumento para o pernambucano e se tornou amigo dele. “Eu falava que meu pai tocava igual ao Rei do Baião, mas minha mãe dizia que era o contrário”, lembra Maria Lúcia Mainardi, 65 anos, filha dele. José era técnico de rádio, consertava e tocava piano e tinha conjunto com o qual se apresentava no Éden Club, onde o então aspirante a artista fez seu primeiro show. Grupos ainda se apresentam no clube, hoje com palco aumentado e equipado com camarins.
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Foi Plínio o autor do artigo “Luiz Gonzaga e Ouro Fino”, publicado na Gazeta de Ouro Fino para comunicar a morte do artista, em 1989. Boa parte do material que usou para escrevê-lo recebeu das mãos de Leyde Moraes Guimarães, professora aposentada de 91 anos, que guarda a coleção inteira (e intacta) do centenário periódico ouro-finense. Ela não chegou a ouvir Luiz Gonzaga tocar sanfona (mal se lembra de vê-lo soprando a corneta em desfiles militares), mas para realizar a pesquisa conversou com muita gente e, obviamente, debruçou-se sobre seus jornais. “Aqui ele se desenvolveu como sanfoneiro”, confirma ela.
Saudade
“As fardas eram lavadas no quartel, mas eu é que lavava as outras roupas, incluindo as camisas que ele usava para ir à missa e tocar nos bailes.
Luiz Gonzaga deve mesmo ter levado boas lembranças de Ouro Fino. Nos anos 1980, quando foi tocar em Paranavaí (PR), soube que uma ouro-finense morava na cidade. Era Therezinha Simões Benassi, hoje com 78 anos e de volta à cidade natal, a quem o compositor fez questão de visitar. “Ele foi até minha casa e me disse que em Ouro Fino deslanchou na sanfona, lembrando de Rivelinho, Mainardi e Cadan”, conta ela..