Quantos professores negros você teve ou tem na escola? A mestre e doutora em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yone Maria Gonzaga, de 54 anos, não teve um sequer. Nem enquanto cursava os ensinos fundamental e médio, nem na graduação em letras. “Só fui ter uma professora negra no mestrado”, conta. Em 1995, Yone estava entre as 30 mil pessoas que se reuniram na histórica Primeira Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasília, para denunciar o preconceito, o racismo e a ausência de políticas públicas para a população negra. O movimento abriu caminho para debates importantes que resultaram na criação das políticas afirmativas no Brasil. O sistema de cotas raciais foi implementado de forma gradativa nas universidades brasileiras a partir dos anos 2000.
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Passadas 13 décadas do fim da escravidão, população negra não tem direitos garantidosPaís reage à crise econômica sem deter preconceito racialAbolição: festival em BH discute resquícios da escravidãoEntenda: Escravos deram contribuição essencial para a abolição no BrasilA construção histórica do racismo no BrasilQuase 50 mil pessoas foram resgatadas em condições análogas à escravidão desde 2000Se entrar na universidade já é difícil para a população negra no Brasil, a parcela que entra, encontra outros desafios dentro da academia. Na UFMG, Yone desenvolveu uma pesquisa sobre a gestão universitária com base nas relações raciais a partir da implementação de políticas afirmativa. “A gente verifica na pesquisa que há deslocamentos do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista das disciplinas, do ponto de vista do currículo, mas ainda há muito a avançar”, comenta.
OUTRO OLHAR
A reprodução de conhecimento sob a ótica branca e a falta de pautas que contemplem a diversidade foram algumas das deficiências apontadas pela pesquisa da educadora.“A nossa matriz de conhecimento sempre foi eurocêntrica. Isso também é reproduzido na grade curricular da universidade. Então trazer nosso conhecimento africano e afro-brasileiro para dentro da academia é fundamental para se construir um outro olhar”, explica. A universidade, segundo ela, vive um processo de transição e tem buscado se adequar, o que demonstra o poder de transformação da representatividade.
Ela defende que esse movimento de mudança ocorra também em instituições de todos os níveis de ensino. “Nossas crianças, jovens e adultos precisam aprender que descendemos de reis e rainhas africanos e não de pessoas escravas como muitas vezes tendem a dizer. A história dos negros precisa ser contada a partir desse referencial de pessoas altivas, de pessoas com conhecimento”, ressalta.
PERTENCIMENTO
O ator e mestrando em educação pela UFMG Denilson Tourinho também conduz pesquisas com a temática do povo negro. Segundo ele, é muito importante o reconhecimento das culturas e arte negras como princípios educativos. “Meu foco é nas relações étnico-raciais. É fundamental a gente conhecer dentro das nossas formas, até mesmo dentro do nosso próprio idioma, a forte presença africana. Na arte, as expressões, e corporeidade negra não é limitada exclusivamente ao samba e à capoeira”, argumenta.
Ele destaca que o país vive um momento importante de reavaliação do pensar e da educação sobre a valorização dos saberes negros.
A crescente presença de pesquisadores negros dentro das universidades é comemorada pelo educador. “A produção do conhecimento propiciado também pelo negro nos leva as outras possibilidades, a outros entendimentos de pertencimento e de valorização”.
LEGISLAÇÃO
A Lei 10639 torna obrigatório, desde 2003 o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares. A lei é um avanço na luta antiracista no país e na transformação do nosso sistema educacional. .