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Estado de Minas ENTREVISTA

Ex-chefe do Corpo de Bombeiros de NY conta seu drama


postado em 08/09/2011 15:26 / atualizado em 09/09/2011 08:55

Mesmo os experientes resgatistas nova-iorquinos, cuja bravura e coragem foram retratadas tantas vezes em filmes, tiveram suas vidas marcadas para sempre com as cenas de terror que sucederam os ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center. Acostumado a trabalhar resgatando e ajudando pessoas, o chefe do Departamento do Corpo de Bombeiros de Nova York aposentado Dan Daly contou, em entrevista ao Estado de Minas, ter sentido frustração ao ver que não havia pessoas a serem salvas. Aquelas que não conseguiram sair dos edifícios morreram esmagadas no colapso absoluto das torres. Por várias semanas, ele e seus companheiros trabalhariam na coleta de pequenas partes de corpos humanos para identificação. Hoje, sentem as sequelas físicas e psicológicas do mais difícil trabalho de suas vidas, no qual 343 bombeiros foram mortos. Mas aquilo que poderia ter enchido Daly com ódio, na verdade, o motivou a levar uma mensagem de paz e unidade ao mundo. Após se aposentar, em novembro de 2002, o norte-americano viaja pelo mundo falando sobre o que, na sua opinião, foi o legado do 11 de setembro. Em julho, ele esteve no Brasil e visitou entidades no Rio de Janeiro e crianças no Morro do Alemão. Na entrevista, ele relata como enfrentou a grande tragédia vivida em seu país há 10 anos.



Como foi o dia 11 de setembro de 2001 para o senhor?


Acordei naquela manhã e estava um dia belo e cristalino, com um céu azul e sem nuvens. Sou piloto, então estava planejando dar uma volta em meu pequeno aeroplano, mas desisti porque tinha algumas coisas para fazer. Então, recebi uma ligação, e meu amigo disse: “Dan, você viu o que aconteceu?”. Eu disse: “Não”, e então ele me pediu que ligasse a televisão. Quando eu perguntei em qual canal, ele respondeu: “Tanto faz, qualquer um”. Liguei a tevê e vi as imagens. Imediatamente, senti uma pontada em meu estômago e comecei a pensar em quantas pessoas poderiam ter sido atingidas. Sabia que 50 mil poderiam estar trabalhando naqueles edifícios. Na mesma hora, soube que não era acidente. Estava um dia muito claro e limpo, nenhum piloto poderia acidentalmente atingir aqueles prédios.

(foto: ARQUIVO PESSOAL)
(foto: ARQUIVO PESSOAL)
Então o senhor soube desde o primeiro momento que não era um acidente.

Sim, na mesma hora. Logo após o telefonema, fui correndo para meu departamento do Corpo de Bombeiros, reuni uma equipe e fomos imediatamente para o local das Torres Gêmeas. Lembro que, de longe, se podia ver uma grande nuvem cinza sobre Manhattan. À medida que nos aproximávamos do Marco Zero, foi como passar do dia para a noite. Tudo estava coberto pela poeira, pessoas atordoadas andavam de um lado para outro, muitas com poeira e sangue pelo corpo. Eu conhecia aquela área muito bem e me lembro que, quando cheguei ao Departamento do Corpo de Bombeiros (nesse momento, a voz de Daly fica embargada), um amigo que estava lá se aproximou e disse: “Nosso amigo Michael está morto”. Pouco tempo depois, descobri que outro amigo meu estava morto. E assim uma notícia terrível atrás da outra ia chegando e não parou naquele dia, nem em muitos depois.

Qual foi a sensação quando o senhor se deparou com as Torres Gêmeas?

Como membro do Corpo de Bombeiros, normalmente entramos nos prédios e, se alguma coisa der errado, saímos do local antes de ele desmoronar. Estávamos diante daqueles edifícios enormes e sabíamos que havia centenas de bombeiros dentro deles, com milhares de vítimas presas. Sabíamos que não existia nenhum jeito de eles saírem dali com as ferramentas reduzidas que tinham. Começamos a andar por onde conseguíamos, procurando por vítimas ou por qualquer evidência de sobreviventes, mas ficamos muito desapontados. Mesmo nos hospitais, médicos e enfermeiros que esperavam por vítimas muito feridas, necessitando de cirurgia, não tinham o que fazer, porque elas nunca chegaram. Trabalhei no local nas semanas seguintes, todos os dias, por turnos de 12 horas.

Passamos a buscar por pequenos pedaços de corpos humanos, e isso foi muito forte emocionalmente. Acho que minha pior memória foi encontrar (a voz de Daly fica embargada novamente) a mão de uma mulher no meio de destroços. Isso não é algo que você pensa que terá de fazer um dia.
Mesmo os experientes resgatistas nova-iorquinos, cuja bravura e coragem foram retratadas tantas vezes em filmes, tiveram suas vidas marcadas para sempre com as cenas de terror que sucederam os ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center. Acostumado a trabalhar resgatando e ajudando pessoas, o chefe do Departamento do Corpo de Bombeiros de Nova York aposentado Dan Daly contou, em entrevista ao Estado de Minas, ter sentido frustração ao ver que não havia pessoas a serem salvas.

Aquelas que não conseguiram sair dos edifícios morreram esmagadas no colapso absoluto das torres. Por várias semanas, ele e seus companheiros trabalhariam na coleta de pequenas partes de corpos humanos para identificação. Hoje, sentem as sequelas físicas e psicológicas do mais difícil trabalho de suas vidas, no qual 343 bombeiros foram mortos. Mas aquilo que poderia ter enchido Daly com ódio, na verdade, o motivou a levar uma mensagem de paz e unidade ao mundo. Após se aposentar, em novembro de 2002, o norte-americano viaja pelo mundo falando sobre o que, na sua opinião, foi o legado do 11 de setembro. Em julho, ele esteve no Brasil e visitou entidades no Rio de Janeiro e crianças no Morro do Alemão. Na entrevista, ele relata como enfrentou a grande tragédia vivida em seu país há 10 anos.

 

Em seu website, o senhor fala sobre um legado que ficou do 11 de setembro. Qual é esse legado?

O legado é como mudamos nossa maneira de tratar as pessoas. Isso não tem a ver com o que aqueles criminosos fizeram, destruíram, mas com o que nós podemos construir se ficarmos juntos. Mesmo em circunstâncias trágicas como aquela, o sentimento de amor pode surgir. Depois de tudo, eu decidi que, pelo resto da minha vida, trabalharia para ter certeza de que algo como aquilo nunca acontecesse de novo. Minha mensagem é a de que precisamos assumir nossas responsabilidades pessoais.Precisamos agir melhor com nossas famílias, nossa comunidade, em toda nossa atmosfera. Não podemos querer consertar o mundo e, ao mesmo tempo, ser um membro que comete abusos contra nossa própria família.

Nesses 10 anos, quando o senhor pensa nos amigos e nos homens que perdeu no 11 de setembro, alguma vez sentiu raiva?

Logo após os ataques, eu sentia muita raiva. Eu queria pegar uma arma e me juntar às Forças Armadas para tentar achar os responsáveis por aquilo. Mas fui professor escolar antes de entrar para o Corpo de Bombeiros. Disse a mim mesmo que minha resposta para tudo isso não seria por meio de uma arma. Minha resposta seria a diferença que eu poderia fazer aos jovens. Minha raiva se transformou em motivação para fazer a diferença, de um jeito não violento.

Alguns relatórios mostram que vários bombeiros tiveram sequelas e físicas e psicológicas por terem trabalhado no 11 de setembro.

Sim, há muitos bombeiros que ficaram doentes após os trabalharem nos ataques. Grande parte do problema é que não havia máscaras apropriadas. Eu mesmo tenho alguns problemas de pulmão. Nossa maior preocupação hoje é que, dez anos depois, as pessoas estão preocupadas e em alerta por conta dos tantos casos de câncer que têm surgido entre os que trabalharam lá. Quanto ao trauma psicológico, muitos tiveram problemas também. Você pensa nas coisas terríveis que viu, e o trauma é grande. Afinal, foram 343 bombeiros mortos.

Na sua opinião, como o 11 de Setembro mudou a sociedade americana?

Os ataques do 11 de Setembro mudaram drasticamente a sociedade norte-americana. Primeiro, porque vi muitos americanos trabalhando, se ajudando mais, em um senso de comunidade, com as pessoas demonstrando compaixão, gentileza. Você sabe, após toda tragédia, especialmente a do 11 de Setembro, é difícil para as pessoas voltarem a ter uma vida normal. Mas, emocionalmente, acho que a maioria de nós está muito mais conectada com o mundo. Mas também nos tornamos mais tensos, mais nervosos e talvez um pouco menos otimistas em relação ao futuro. Politicamente, tudo mudou, principalmente no que diz respeito à segurança. Hoje, com qualquer barulho de explosão, tudo volta à nossa cabeça.

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