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Estado de Minas Jogos de azar

Especialistas falam sobre a descriminalização de jogos de apostas no Brasil

A América Latina está bem atrás de regiões como Europa e Ásia no tocante à legalização e regulamentação do jogo e das apostas esportivas


04/11/2021 18:06

Reunião de negócios
(foto: Freepik)

 
Somente  algumas nações possuem o que os especialistas chamam de ‘um mercado bem regulado’. Muitos dos principais países latino-americanos têm legislação incompleta ou não possuem legislação alguma, enquanto Equador e Venezuela proíbem completamente os jogos.
 
Isso levou a muitos na indústria do jogo a chamar o continente que abriga mais de meio bilhão de pessoas de ‘A Terra dos Gigantes Adormecidos’ – mas parece que alguns dos gigantes estão prestes a despertar.
 
Após uma série de medidas em direção a uma legislação mais progressista no continente, uma nova Comissão de Trabalho na Câmara dos Deputados do Brasil está trabalhando para acelerar a aprovação do Projeto de Lei no. 442/1991, com vistas à legalização de várias modalidades de jogo até o fim do ano.
 

Entrevista com especialistas


Enquanto o Brasil aguarda a aprovação do PL, decidimos pedir a opinião de dois especialistas no assunto. Do ponto de vista legal, entrevistamos a maior autoridade em legislação de jogos de fortuna e apostas esportivas do Brasil para perguntar se isso pode sinalizar o começo de uma nova era para o setor na América Latina. Neil Montgomery é sócio fundador e administrador do escritório de advocacia  Montgomery & Associados e autor de publicações na área. Para saber a perspectiva da indústria do cassino, falamos com Matej Novota, Líder dos setores de Dados e Reclamações de  Casino Guru, para saber o que ele pensa. 

Quais os problemas que a atual falta de regulamentação do mercado de jogos brasileiro pode causar? 


O Brasil é um dos maiores países do mundo com um mercado de jogos altamente desregulamentado, apesar de o jogo ser muito popular. As regras atuais proíbem jogos de azar em locais públicos ou acessíveis ao público, mas corridas de cavalos em hipódromos autorizados, pôquer, apostas esportivas de quota fixa (embora pendente de regulamentação em nível federal) e loteria são permitidos. 
 
Esse sistema não só está defasado em relação à legislação de outros países do continente como a Colômbia, mas também suscita questões legais, sociais e econômicas para o país em questão.
 
Neil Montgomery destaca a ‘falta de segurança jurídica’ que o atual sistema traz, sendo que os operadores domésticos temem penalidades e são afugentados por regras nada claras. Segundo Neil, ‘legalizar e regular todas as modalidades de jogos de fortuna deixaria as ‘regras do jogo’ claras para todas as partes interessadas’, incluindo operadores, autoridades policiais e apostadores.
 
Ele pontua ainda que que o país deixa de gerar uma receita importante para o governo pela falta que os impostos de um mercado regulado trariam. Ele mencionou a falta de arrecadação de ‘impostos e taxas em níveis estadual e federal’ e se refere a ‘empregos diretos e indiretos’, assim como à necessidade de ‘bens e serviços de um grande número de fornecedores’. Um mercado sem regulamentação significa que esse dinheiro vai para o mercado ilegal.
 
Finalmente, em um nível social, um mercado sem regulamentação não possui rede de segurança para lidar com os aspectos negativos dos jogos, como o jogo compulsivo. Matej Novota ressalta a importância de medidas de segurança que um mercado sem regulamentação não possui. Com base em sua larga experiência na indústria de cassinos, ele acredita que ‘qualquer um que queira realmente jogar vai encontrar uma maneira de fazê-lo, entregando seu dinheiro a operadores ilegais ou não licenciados vindos de outros territórios’.
 
O atual sistema do Brasil põe apostadores compulsivos em alto risco – e o impacto social disso pode ser devastador.
 

A aprovação do PL 442/91, que descriminaliza o jogo, será suficiente para lidar com essas questões?


O PL 442/91 é provavelmente a legislação de jogos mais importante da história do Brasil. Ele aponta na direção de um modelo de concessão de licenças conforme preconizado pela SECAP, secretaria do Ministério da Economia responsável pela regulação do jogo no Brasil.
 
Neil Montgomery vê com bons olhos a boa recepção da lei, dizendo que ‘ela contribuirá enormemente para o trato de questões jurídicas ligadas ao jogo’. Ele acrescenta que o PL possui ‘medidas importantes para assegurar o jogo responsável’ que seguem a tendência global e melhoram a segurança para os apostadores. No entanto, ele adverte que o texto ‘deve ser atualizado’, pois certos aspectos do projeto, como apostas esportivas de quota fixa, já foram legalizadas anteriormente. De forma similar, Matej elogiou o projeto, e acrescentou que suas medidas teriam sido particularmente benéficas no início da pandemia da COVID-19, quando o desemprego aumentou e a arrecadação caiu.
 
No entanto, a aprovação desse Projeto de Lei seria apenas o primeiro de muitos passos rumo a um sistema completamente desenvolvido. Ainda há um longo a caminho a percorrer para que o Brasil esteja no nível de algumas nações europeias.

Essa lei dos jogos deixaria o Brasil em pé de igualdade com normativos progressistas de outros países latino-americanos? 


Apesar do apelido de ‘Gigantes Adormecidos’, há apenas três nações que possuem mercado físico e online totalmente regulamentados: República Dominicana, Nicarágua e Panamá. Dentre as maiores nações, apenas Argentina e Colômbia deram passos na direção de uma indústria bem regulada – em diferentes níveis.
 
O PL 442/91 é a resposta do Brasil a tais passos, mas quão longe ele vai com a lei? Tão longe quanto seus vizinhos, responde Neil Montgomery, mas o Brasil ainda tem ‘muito o que aprender’ com eles. Ele acredita que o Brasil ainda precisa da ‘experiência concreta’ de um mercado regulado antes de considerarmos que ele está num patamar similar.
 
Mesmo assim, há um caminho a percorrer. Globalmente, mesmo os países latino-americanos mais desenvolvidos carecem de algumas medidas que os mercados europeus possuem e que fazem destes últimos os mais avançados mundialmente. 

Quais seriam as vantagens da adoção de um sistema aberto de licenças no Brasil, em vez do sistema de concessões? 


Um potencial catalisador para futuros progressos poderia ser a mudança para um sistema aberto de licenças. Conhecido como modelo de ‘autorização’, ele permite uma quantidade ilimitada de detentores de licenças, que estão sujeitos a cumprir requerimentos de segurança, pagar tributos e seguir a regulamentação. 
 
Muitos países europeus seguem esse modelo e como resultado, podem se gabar de ter os mercados de jogos mais avançados do mundo. 
 
Neil Montgomery acredita que esse sistema poderia trazer vantagens enormes para o Brasil, ao menos no setor online – o setor de jogos que mais cresce atualmente. Ele cita a presença de uma quantidade estimada de 500 operadores estrangeiros de apostas esportivas que oferecem seus serviços no mercado brasileiro: aqueles considerados seguros contribuiriam para a economia e não seriam uma ameaça à segurança dos apostadores. Isso poderia se aplicar também a outras verticais de jogos. 
 
Neil falou ainda sobre a indústria de aviação do Brasil, já que ele assessora juridicamente várias companhias aéreas. Ele afirma que a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) segue um modelo de licitação aberto que é um sucesso.
 
Além disso, ele comentou que um modelo aberto poderia remover uma barreira fundamental para a entrada de muitos operadores: o custo. Normalmente, as taxas de licenciamento são bem mais baixas nesse sistema, o que encoraja diversidade, uma vez que empresas menores podem tentar obter uma licença.

Mesmo países bem regulados têm problemas com jogo patológico – que medidas eles devem tomar para se assegurar de que sua legislação ajude a combater esse problema?


Uma indústria de jogos desenvolvida não faz com que o jogo patológico desapareça. No Reino Unido houve um aumento no vício em 2020, mesmo o país tendo medidas anti-vício das mais avançadas do mundo.
Uma coisa são as implicações de novas regulamentações; sua implementação é outra história, de acordo com Neil. Ele salientou a necessidade de que elas sejam ‘claras, objetivas e diretas’, o que facilita sua aplicação pelas autoridades de maneira diligente e eficiente.
 
Planejamento cuidadoso também é fundamental. Matej Novota alerta contra regras estabelecidas na pressa – algo que pode estar ocorrendo com a tramitação rápida da lei brasileira. Ele recomenda que os países estudem outras nações com legislações de sucesso, pois ‘medidas responsáveis e sustentáveis normalmente requerem um longo prazo para serem implementadas’. 

Como você vê a indústria de jogos no Brasil em cinco anos, caso a nova lei seja implementada? 


Apesar dos avanços e da atmosfera otimista dentro da indústria de jogos, nem tudo serão flores para os apoiadores do PL.
Figuras chave na política local com fortes crenças evangélicas, inclusive ninguém menos que o próprio Presidente Bolsonaro, se opõem ao PL. O presidente prometeu usar seu poder de veto caso o projeto seja aprovado no Congresso, afirma Neil. 
 
Mas ainda no lado positivo, há grandes chances de que o PL seja aprovado. Se for o caso, Neil acredita que os próximos cinco anos servirão para mostrar que os últimos setenta e cinco de falta de regulamentação foram ‘hipócritas’ e ‘uma perda de tempo completa’. 

Estamos prestes a ver uma nova era de jogo mais seguro? 


O Brasil é um país enorme e complexo, dividido em muitos aspectos, e o jogo é um deles. Embora uma grande parcela da população acredite que o jogo é uma atividade pecaminosa, a campanha por uma melhor regulamentação se baseia na necessidade de proteger os cidadãos de hábitos prejudiciais de jogo.
 
Se assumirmos que as pessoas sempre darão um jeito de apostar, seja a indústria regulamentada ou não, então o PL 442/91 é um passo importante em direção a um mercado de jogos mais moderno e seguro para o Brasil.
 
Porém, como Neil e Matej afirmam, como os reguladores implementam essas mudanças é tão importante quanto as próprias leis. Se elas são claras, efetivas e implementadas corretamente; se a segurança dos jogadores e oportunidades de emprego aumentam; somente assim poderemos dizer que o Brasil terá começado uma nova era de jogo seguro. 


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