A meritocracia se baseia em mérito. É uma prática de diferenciação de profissionais com critérios para classificar e promover o trabalhador por merecimento. Parece óbvio e simples, no entanto, não é uma política fácil de ser aplicada ou adotada no mundo corporativo. Para jogar luz sobre o tema, Neuza Chaves, sênior-advisor da Falconi Consultores de Resultado, também pedagoga, mestre em administração com MBA executivo em gestão empresarial, acaba de lançar o livro Meritocracia: influência da cultura brasileira no desempenho e no mérito. A proposta da executiva é explicar com profundidade o assunto e como aplicá-lo de forma efetiva no ambiente organizacional, levando em conta a cultura brasileira. Ela revela que “o que mais me encanta é a meritocracia não considerar sobrenome, biografia e indicações. Deve considerar a competência e o desempenho. O que a pessoa herda e não foi produzido por ela não tem efeito para a meritocracia.”
No livro, a executiva propõe questões como: vale a pena optar pela meritocracia? Quais os custos? E os benefícios de sua implantação? Quais condições para que ela ocorra?. E, principalmente, e o que chama a atenção: se a meritocracia seleciona os melhores ou permite aproveitar e potencializar o melhor das pessoas. Todos esses são desafios e, por isso, não é tão fácil sair do papel e do discurso para se tornar atitude e realidade. Neuza Chaves explica que a meritocracia na cultura brasileira é focada nas relações.“É o grande ponto de conflito e leva correntes a contra indicá-la porque a cultura de relacionamento nega os critérios da meritocracia. Mesmo naquelas organizações em a política é implantada, há gerentes incoerentes ao adotá-la. Acaba sendo uma moeda de duas faces, ou seja, é aplaudida pelo conceito, mas gera conflito na execução.”
Na análise de Neuza Chaves, há três traços fundamentais que desfavorecem a meritocracia. O primeiro que a executiva destaca é a ambiguidade, “que ocorre desde o tempo do senhor dos escravos, que dormia com a escrava e escolhia quem ia amamentar seus filhos. Numa organização, é preciso uma auditoria em cima de critérios, é necessário lutar contra falar uma coisa e agir de forma diferente”. A segunda implicação apontada por ela é o personalismo, “que traz prejuízo ao adotar uma cultura marcada por relações pessoais. Aliás, afinidade com a chefia imediata é um risco até na cultura americana. Estudo da Universidade de Harvard apontou que para 37,5% dos profissionais esse estilo de relação influencia na qualificação individual. É fundamental tomar consciência, ver o que é favorável e os riscos desta complacência porque afetará todos (empregado e empregador), metas terão dificuldade de ser batidas.”
PODER
E o terceiro impedimento para aplicação correta da meritocracia está no que Neuza Chaves chama de distância do poder: “é algo que gera medo, faz com que o profissional seja mais espectador do que próativo. Quando a liderança concentra poder, ela não dá autonomia aos liderados. Assim, os colaboradores não expõem ideias e escondem os problemas. É o traço forte da gestão verticalizada”. Para a executiva, quando a questão do poder é maltratada, “leva à atrofia do profissional e ele não mostra sua capacidade e se acomoda. Sente o desrespeito em silêncio. Ele não mostra mérito por falta de oportunidade.” Ela avisa que “cultura é fazer escolhas que serão apreendidas dentro das organizações. Será em cascata, do primeiro nível até o mais alto. Se ela for errada, a empresa fica engessada.”
Neuza Chaves alerta que o sentido da meritocracia é amplo. “Começa desde o processo de seleção (ao não olhar nada além da capacidade e competência), passa pelo processo de alocação (se for “bonita” fica no atendimento ao público; se não, vai para o estoque), está presente na avaliação de desempenho, classificação e remuneração (plano de cargo e salário). Tudo isso dialoga com a meritocracia. Enfim, ela se inicia na seleção e só finaliza no desligamento.”
Para Neuza Chaves, meritocracia verifica resultados e valores bem definidos, que a organização privilegia. Agora, o que fazer para que ela seja implantada com sucesso? “Há quem acredite que o sistema tenha de eliminar a subjetividade da avaliação do desempenho. No entanto, você nunca irá reduzi-la porque lidamos com pessoas e não máquinas e sistemas de precisão. Portanto, é preciso preparar os líderes para que sejam aptos a medir resultados, a aderência aos valores de forma aberta e dando feedbacks. Assim, quando habilitadas, as pessoas vão saber lidar com a meritocracia. E saibam que meritocracia não é ideologia, mas prática pautada em critérios”.
Meritocracia: influência da cultura brasileira no desempenho e no mérito
Autora: Neuza Chaves
Editora: Falconi
Páginas: 117
Preço: R$ 50
Onde comprar: https://www.falconi.com/cadastro/
Desafio diário
Para ele, a meritocracia é conquistada e provada “no dia a dia, com assiduidade, responsabilidade com o trabalho e na busca de ser assertivo. Comecei como auxiliar de laboratório e, mesmo locado no setor, passei pelo almoxarifado, expedição, autoclave (cobrindo férias), office boy, cheguei ao setor de crédito, cobrança e faturamento, fui auxiliar de tesouraria, virei tesoureiro e hoje sou coordenador.” Com esse histórico, ele agora é um medalhista. “O reconhecimento é gratificante e abre oportunidades de relacionamento para mostrar meu trabalho dentro e fora da empresa. Sei também que serei mais cobrado e terei mais responsabilidade, o que é ótimo. É muito bom ser útil. E que venham mais desafios.”
Ana Cristina Feres enfatiza que no Outback é valorizada “a competência e nossos princípios e valores. Não importa só a questão técnica, mas a história, a identidade e as crenças. Cada pessoa tem sua importância dentro da equipe e todos são treinados. A linha de gestão do Outback é a meritocracia, do lavador de pratos aos sócios, tudo baseado em anos de treinamento e dedicação.”
A trajetória de ascensão de Ana Cristina Feres é especial, já que ao longo dos anos e por todas as etapas que passou, hoje, no comando de uma unidade, “conheço tudo, toda a organização, sei dos problemas, sei o que os colaboradores buscam, os obstáculos e desafios e, portanto, fica mais fácil entender o processo.”
O currículo desses dois profissionais confirma o que Neuza Chaves, sênior-advisor da Falconi Consultores de Resultado, também pedagoga, mestre em administração com MBA executivo em gestão empresarial, afirma sobre o valor da meritocracia, quando aplicada corretamente: “Meritocracia não se trata de uma empresa fria e de robôs, mas de relações pessoais, resultados, feedback positivo ou negativo para todos os colaboradores, com fatos e dados (de onde vem a verdade), de comunicação (não ter medo de falar e saber aceitar as críticas) e de cada um saber o que pretende. E a primeira mudança tem de ser na cabeça do líder. A partir dele se instalará o efeito cascata.”
O ativo são as pessoas
Parte do DNA
Christina Barker afirma que na ALE a meritocracia permeia toda a estrutura organizacional: “Ela é vinculada desde a postura de recrutamento e seleção como prática de promoção e de reconhecimento”. A gerente enfatiza que “a avaliação de performance não leva em conta somente o desempenho de resultado, mas também, com a mesma importância, o comportamento dos colaboradores aderente aos valores da empresa”.
A gerente explica que a evolução da carreira dentro da organização ocorre de forma horizontal e vertical. Ela lembra que há diversos perfis de profissionais, como aqueles que não desejam ser líderes, mas que buscam mudar de área e agregar outros conhecimentos, já que não se veem no comando como gestores. “Pode não ser uma evolução ascendente, mas há várias outras possibilidades de crescimento, sempre pautadas pela meritocracia. O profissional pode crescer em qualquer área. Um assessor financeiro pode gostar e evoluir na área comercial ou um colaborador do jurídico pode ser o destaque da logística. A oportunidade de um gerente comercial com função jurídica ou alguém da área de orçamento ser um líder como diretor de marketing. Temos essa flexibilidade. Mas chamo a atenção mais uma vez de que toda mudança é baseada no mérito.”
Essa mobilidade é super bem-vinda, mas Christina Barker conta que, claro, há áreas em que o pré-requisito técnico é fundamental, mas nada como ter a chance de desenvolver habilidades em outras a áreas de atuação e, assim, conhecer todo o negócio.
ENGAJADOS
Christina Barker revela que 60% das promoções efetivadas no quadro de funcionários da ALE ocorrem das posições internas da empresa. Ou seja, a cada 10 colaboradores, seis sobem na carreira. “Temos um turnover muito baixo, em torno de 12% por ano ao ser comparado com a nossa área, o varejo. E o papel das promoções internas é importante porque gera um movimento em cadeia.”
Cada empresa tem uma cultura específica. Christina Barker diz que a ALE “não é familiar, mas de família. Quer dizer, não é só o resultado que é importante. Essa é a grande diferença. A empresa leva em conta o comportamento, o comprometimento, o relacionamento e a aderência com os valores da organização. Eles são tão importantes quanto o resultado. Ou seja, não basta bater meta. É necessário vestir a camisa da empresa. Atitude ainda mais valorizada em tempos de crise, precisamos de colaboradores engajados, que fazem a diferença.”