Jornal Estado de Minas

Enem

A medicina é só um detalhe

Natural de Ibirité, fui criada em um bairro periférico da região metropolitana de BH. Sempre tive um ambiente familiar muito estável e com um grande empenho por parte dos meus pais em dar uma boa educação para mim e para o Felipe, meu irmão.




 
 
 
A nossa dinâmica familiar sempre foi: meu pai trabalhava e era o provedor, minha mãe era profissional do lar e cuidava da família. Meus pais se casaram muito jovens, ela aos 16 e ele aos 20. Logo tiveram nós 2 e não estudaram a partir de então, nesse sentido, a simplicidade que os impossibilitaram nos auxiliar na vida acadêmico não os impediram de nos preparar com o mais importante dos conhecimentos: as virtudes humanas. 
 
Minhas Colegas de turma no plantão da obstetrícia (foto: Arquivo pessoal)
 
As pautas dos assuntos em casa sempre eram rígidas, onde virtudes como a honestidade, respeito, fé, verdade, humildade, generosidade e diligência (oposto da preguiça) estavam sempre em evidência. Ora, não seria essa a melhor educação que poderíamos ter? embora não possuam alfabetização completa, meus pais são extremamente sábios e por meio do exemplo criaram dois filhos que amam estudar e crescerem enquanto pessoas.
 
Sofia,minha melhor amiga da medicina (foto: Arquivo Pessoal)
  
Quanto ao meu irmão, esse sempre foi mais inteligente que o normal mesmo. Ele sempre muito quieto, reservado e estudiosos buscando novas ideias e concepções sobre a vida. E eu sempre o vi como o meu herói, uma admiração imensa que me fazia querer seguir os mesmos passos. Estudamos nas mesmas escolas, quando completamos o ensino médio não poderíamos ir a curso pré-vestibular por falta de condições financeiras, na época meu pai estava mal financeiramente. Tampouco, portanto, poderíamos seguir para uma faculdade já que não teríamos como custear e nem perto passaríamos de uma universidade federal tendo em vista o ensino precário a que fomos submetidos.




 
Minha família (foto: Arquivo Pessoal)
 
O ano foi 2010, completei o ensino médio e me vi contra a parede: o que um jovem sem dinheiro faz quando se forma? Desiste de estudar e corre para arrumar um trabalho. Foi mais ou menos isso que aconteceu, arrumei um trabalho como vendedora de shopping e fiz Enem no final do ano só para ver quão ruim eu seria nisso. Mas a boa notícia veio, fiz uma boa nota na redação o que na época elevou a minha média geral na prova e me permitiu ganhar uma bolsa de estudos para administração ou direito na PUC MG, a realidade é que o pobre no brasil na maioria das vezes não pode sonhar, ele faz o que dá. Naquela circunstância eu só pensava
em qual curso me daria um emprego razoável e rápido, assim escolhi administração.
 
Já no segundo semestre de curso, eu seguia trabalhando no shopping aos sábados, domingos, feriados e encaixando os estudos nos intervalos de lanche, no ônibus e onde dava. Foi nessa época que procurando vagas de estágio para amenizar aquela rotina incapacitante que eu me deparei com uma vaga em um banco. Mais que depressa me adiantei, mandei o currículo, participei dos processos e entrei. Em resumo, foram 6 anos de banco, me formei em administração e todo esse processo serviu para uma coisa: me mostrar que eu poderia muito mais, que eu já tinha conseguido conquistar o impossível dentro da minha realidade e que não poderia parar por ali. Eu acordei e descobri de repetente que também poderia sonhar.
 
Foi assim que acordei e resolvi ouvir meu coração chamando pelo desejo de fazer medicina, desejo esse que já era uma faísca no meu peito e virou uma chama quando por ocasião de um namoro com um cirurgião passei um mês no México e tive a oportunidade de acompanha-lo na rotina clínica.




 
Meu grupo de semiologia reunido (foto: Arquivo Pessoal)
 
Nesse contexto, eu acordei um dia e disse: vou fazer medicina. Foi quando eu comecei o cursinho e mudei toda a minha vida para chegar nessa conquista. No início eu trabalhava no banco ainda, para manter meus estudos e emendava o trabalho no cursinho, estudava aos finais de semana, nas férias, no horário de almoço. No primeiro ano de vestibular eu nem cheguei perto, mas já estava bem melhor do que antes de começar e essa era a minha motivação, melhorar a cada dia e superar a mim mesma, pois eu sabia que seria uma loucura me comparar com outro aluno que teve a oportunidade de estudar nas melhores escolas e estava bem mais preparado do que eu.
 
Dra. Juceli, minha ex-professora de Semiologia por quem tenho um profundo carinho e admiração (foto: Arquivo Pessoal)
 
Recapitulando o assunto das virtudes ensinadas, eu sempre tive a certeza que embora nunca tenha sido a melhor aluna da sala, a minha disciplina, diligência e coragem me levaria a sobrepor a falta de talento. E a vitória veio, saí do banco e passei 1 ano estudando sozinha, com livros e aulas online. Já que para eu ter mais tempo para estudar eu não teria dinheiro para pagar cursinho presencial, assim me dediquei totalmente aos estudos em casa. Acordava e ia dormir com a cara nos livros e nessa rotina cheguei no Enem de 2019 a aprovação veio, para a supresa de muitos. Aos 26 anos inicio então a minha segunda graduação e mudo completamente a minha carreira.

Concluo dizendo para meus futuros colegas que estão na luta pela tão sonhada vaga: a medicina é só um detalhe, minha maior conquista foi a maturidade, o crescimento espiritual, o autoconhecimento e a resiliência que adquiri nesse percurso. Estudar para um vestibular concorrido ou um concurso, vai muito além de foco no objetivo final, esse é um processo que te leva a um profundo fortalecimento interior. 
 
Se em breve serei a primeira médica da família é porquê Deus me mandou os anjos certos, por isso deixo meus sinceros agradecimentos ao Rafael e aos professores do Determinante pré-vestibular, foram vocês os primeiros a acreditarem em mim quando tudo parecia impossível. 
 
Artigo escrito pela aluna de Medicina Lorrane Hishihara
 
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