Jornal Estado de Minas

EDUCAÇÃO

Ensino híbrido: o formato que veio para ficar

A sala de aula clássica, com estudantes sentados à escuta do professor à frente da classe explicando conteúdo, teve seu fim decretado durante a pandemia. O fechamento de estabelecimentos e a implementação de classes on-line não só aceleraram a modernização da educação brasileira como a fizeram pular definitivamente para o século 21. No ensino superior privado e público, o modelo híbrido – combinação de atividades em salas de aula e não presenciais – passa a ditar as regras em maior ou menor grau numa nova sala de aula. Um consenso já reina: será preciso se reinventar ainda mais – e investir – para oferecer aos estudantes possibilidades de aprendizado diferentes do que havia antes e mais atrativas do que o mero ensino remoto. 





 

O novo espaço de aprendizado tem como bases um modelo que define bem a ideia de que, a partir de agora, tudo estará fora da ordem habitual – no melhor dos sentidos. Nele, a sala de aula invertida, composta pelas chamadas metodologias ativas, ganha terreno: o estudante recebe antecipadamente o material teórico e, em sala, o professor se encarrega de revisar conhecimento e atividades práticas para aplicação. Alunos se reúnem, pesquisam, debatem. Interação é mais do que nunca essencial, com aulas mais participativas e menos expositivas.  

 

Para o setor privado de ensino superior, não há dúvidas de que essa aceleração será uma obrigação no pós-pandemia. “A pandemia acelerou a expansão da tecnologia da educação. O ensino híbrido não começou agora. Houve uma aceleração cultural e as pessoas perceberam que funciona”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Celso Niskier. “Minha visão pessoal: aula como antes, em que o aluno pega duas conduções e vai para a sala assistir ao professor vai perder sentido, porque ele já recebeu aquilo em casa durante esses quase dois anos. Ele quer ir à sala praticar o que aprendeu”, diz. 

 

Em Belo Horizonte, a Faculdade Arnaldo aproveitou o contexto para acelerar e concretizar a aplicação de novas metodologias no cotidiano da instituição. “Ensino híbrido é possível e novas metodologias, necessárias”, afirma o diretor, João Guilherme Porto. Antes do fechamento das salas de aula, em 2020, a faculdade já trabalhava com disciplinas remotas em cursos presenciais. “Mas, havia preconceito do corpo docente e dos alunos, que foi quebrado”, conta. A instituição optou por manter e incrementar o modelo híbrido em sua linha pedagógica. Em todas as salas de aula, foram instaladas câmeras e equipamentos para transmissão de aulas ao vivo. A indução de elementos tecnológicos em diversos cursos é outra aposta. 

 

Caso das aulas práticas do curso de odontologia, que deixaram no passado papelada e velhos equipamentos. Fichas foram substituídas por prontuário de atendimento eletrônico e todo o acompanhamento dos pacientes se faz por meio digital. Máquinas de radiografia foram trocadas por scanner e tomografia computadorizada. “Hoje, vivemos num mundo onde reuniões estão deixando de ser presenciais. Por isso, é preciso dar a alunos e professores ferramentas para nossos estudantes serem capazes de estar num outro mercado de trabalho.” 

 

Nas universidades públicas a questão também está em alta. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde parte do conteúdo a distância também já era realidade, resolução interna permite até 20% da oferta de atividades nesse modelo, mas dentro de um projeto pedagógico pensado para isso, ressalta a reitora Sandra Goulart Almeida. “O curso de letras oferta há mais de 20 anos algumas disciplinas a distância. É um processo de ensino e aprendizagem possível, mas temos de pensar em como usá-lo e o que aprendemos nesse contexto”, diz.  

 

Sandra destaca ser fundamental a presencialidade. “Precisamos consolidar o conceito da sala de aula invertida, já presente no início da década de 1990. Mandar tarefa ao estudante para ele vir à sala de aula resolver um problema. O ensino deve ser trans, multi ou interdisciplinar, não dá mais para simplesmente passar conhecimento. A escola hoje é ainda mais de reflexão crítica, porque a informação está na mão. Trabalhar competências, habilidades e reflexão crítica permite ao aluno criatividade e autonomia como aprendiz.” 

 

PESQUISA

 

O Observatório da educação superior, levantamento da empresa de pesquisas educacionais Educa Insights, em parceria com a Abmes, mostrou esse cenário. Os entrevistados responderam sobre os momentos de aprendizado que consideravam mais importantes, como aulas presenciais teóricas ou práticas, atividades presenciais de estudo individual com tutor, aulas remotas ao vivo ou gravadas. Em média, cada um dos nove modelos propostos foi considerado importante para 80% dos entrevistados. 





 

“A primeira grande resposta é que não existe variação significativa entre nenhuma das possiblidades. Há indicação de que o clássico – aula presencial em sala de aula – é muito bem quisto e é difícil tirar. Nunca deixará de existir, mas outros componentes, mesmo o remoto, com aulas síncronas (ao vivo), tem aceitação bem positiva”, afirma o diretor e fundador da empresa, Daniel Infante. “A tendência do futuro da educação é híbrida e ela está na cabeça do aluno.” 

 

Estudante do 8º período de odontologia da Faculdade Arnaldo, Carolina Borém, de 33 anos, concorda. No último semestre, ela tem parte da carga horária a distância, com aulas gravadas. “Acesso a recursos tecnológicos e a novas formas de aprendizado permitem estar um passo à frente no mercado de trabalho. É um diferencial para o futuro contratante”, diz. 


O melhor dos dois mundos

 

O recado é claro: a nova geração de estudantes quer o melhor do mundo presencial e virtual e espera essa flexibilidade. Ainda não há levantamento apontando como as instituições estão adotando os novos modelos. Mas, do lado das particulares, já se sabe que poucas estão retomando as aulas no modelo presencial tradicional. Outras transformaram o presencial em metodologia ativa (aluno vai à sala aplicar conhecimento já adquirido em pré-estudos) e aquelas em cujos campi os 40% de carga horária remota já eram realidade optaram por usar parte desse percentual em aulas gravadas e parte em aulas ao vivo. Na Unicarioca, no Rio de Janeiro, por exemplo, a pós-graduação era presencial, passou ao modelo remoto e assim permanecerá.  

 

O processo de ensino-aprendizagem vem sofrendo mudanças também na PUC Minas. Grupos de professores trabalharam e pesquisaram novas dinâmicas para, no retorno ao presencial, incrementá-las às práticas inovadoras já ativas nos laboratórios da maior universidade católica do mundo. O ensino virtual ganhou novo status. Com mais de 85 mil alunos matriculados em cursos de graduação e pós-graduação, a PUC conta hoje com cerca de 65% deles (mais de 50 mil) já integrados à educação a distância. 

 

"A pandemia de COVID-19 acabou por consolidar de forma bastante exitosa a modalidade de disciplina on-line síncrona", Maria Inês Martins, pró-reitora de graduação da PUC Minas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
A pró-reitora de graduação, professora Maria Inês Martins, diz que o isolamento social forçado trouxe oportunidades e desafios que exigem novo significado da presencialidade na educação. “É notório que a PUC Minas avança para o ensino híbrido, que reflete a dimensão do espaço (presencial ou on-line) e do tempo (síncrono ou assíncrono). E a pandemia de COVID-19 acabou por consolidar de forma bastante exitosa a modalidade de disciplina on-line síncrona (transmitidas ao vivo). Isso levou à incorporação dessa modalidade entre as possibilidades de composição das matrizes curriculares dos cursos de graduação”, afirma. 





 

A nova perspectiva é amparada pela Portaria 23/2017, do Ministério da Educação (MEC), segundo a qual cursos EAD podem ter até 30% de atividades presenciais, e a Portaria 2.117/2019, que prevê em cursos presenciais até 40% de atividades on-line. Na PUC Minas, os cursos ampliaram a carga horária de disciplinas por meio de EAD. Antes da pandemia, as disciplinas on-line assíncronas (gravadas pelo professor) representavam 18%; após a pandemia, essa porcentagem passou a ser de 28%. 

 

A inserção do aluno como principal protagonista do aprendizado vinha sendo adotada na universidade desde o fechamento das instituições de ensino, em 2020. No câmpus de Poços de Caldas, no Sul de Minas, as disciplinas de direito do trabalho e direito tributário, eminentemente teóricas, passaram a incorporar a técnica da “gameficação”. “Faço com os alunos um jogo denominado Cultural game, em que troco algumas atividades por jogos”, explica a professora Vanessa Gavião Bastos. A ideia é trabalhar em equipe e a escuta ativa. No curso de direito do câmpus Contagem, na Grande BH, as metodologias ativas também estão no centro das atividades. “O aluno passa a ocupar o papel de protagonista, diferente da sala de aula à qual estamos acostumados, onde o professor conduz tudo”, explica a professora Simone Reissinger.  

 

NEGÓCIO Além de uma demanda de estudantes, o ensino híbrido se tornou também um modelo de negócio, permitindo a instituições locais abocanhar um mercado de alcance nacional. Entre as particulares, os grandes grupos já começaram a investir nesse filão pós-pandemia. Instituições de pequeno e médio porte têm o desafio de se adaptar à nova realidade, sabendo que ele é sinônimo de custos. A estimativa é de que investimentos em tecnologia da informação, bibliotecas virtuais e outros recursos cheguem a 5% do faturamento, em média, podendo ir a 15% em alguns casos. Nos próximos dias, as instituições privadas vão criar um grupo de trabalho para compartilhar experiências e saber o que está ou não dando certo. Os modelos ideais não devem ser conhecidos antes de dois anos.  

 

A pandemia também zerou o jogo da avaliação de qualidade. O impacto das aulas remotas na educação superior só será conhecido no fim de 2023, quando serão divulgados os dados do Enade a ser aplicado no fim deste ano. O presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Celso Niskier, ressalta que novos modelos não podem ser inovadores meramente para facilitar a vida do aluno. Na disputa entre quem vence, o pódio será definido por quem não apenas inovar, mas mantiver a qualidade, sendo a motivação do aluno a grande chave.  

 

“Sem motivação, o estudante vai passando por inércia. Modelos inovadores vencedores deverão engajar o aluno. Já sabemos que aula remota não engaja. Serviu para que não se parasse, mas vimos que no fim os alunos desligam câmera, não têm mesma motivação, evadem com frequência”, relata. Daí, a necessidade de adaptar, trazendo a linguagem dos jogos, conteúdos mais atraentes e laboratórios virtuais apoiando laboratórios práticos. “Aquilo que trouxer engajamento para os alunos será o caminho do sucesso para combinar motivação e resultado em termo de qualidade.”