A pandemia de COVID-19 afastou pessoas e muitos projetos tiveram que ser interrompidos, mas não foi empecilho para um sistema que tem se expandido pelo interior de Minas Gerais e levado ganho a pequenos produtores rurais: as barraginhas. Elas são usadas para captação de água da chuva a baixo custo, experiência que garante acesso ao insumo, sustentabilidade na região do semiárido e geração de renda.
O sistema das barraginhas foi desenvolvido e é implementado com assessoria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Idealizador e coordenador do programa, o engenheiro-agrônomo e pesquisador Luciano Cordoval de Barros, da unidade Embrapa Milho e Sorgo de Sete Lagoas, Região Central de Minas, recorre às novas tecnologias e meios de comunicação disponíveis para repassar informações e técnicas sobre a construção dos reservatórios aos agricultores.
Já foram capacitados mais de 10 mil técnicos, que se tornaram multiplicadores do sistema em diferentes regiões do país, especialmente nas áreas semiáridas.
Cordoval criou o projeto há 37 anos no Norte de Minas e desde então o sistema se expandiu, alcançando 15 estados. Antes da pandemia, a divulgação on-line das informações já era usada no trabalho. O isolamento social imposto pelo coronavírus fez com que a ferramenta fosse ampliada.
Luciano Cordoval explica que, assim que começou o projeto, fazia um trabalho itinerante, principalmente no Norte mineiro, região historicamente castigada pelas estiagens prolongadas, para ensinar aos agricultores como construir as barraginhas, que servem para a contenção da água da chuva, facilitando a infiltração da água do subsolo e a recomposição do lençol freático.
“Inicialmente, recebia pessoas na unidade da Embrapa para os treinamentos e também fazia um trabalho itinerante no interior. Um dia em uma cidade e no outro dia em outra. Em cada lugar que passava, treinava as pessoas e formava parceiros. Com o passar dos anos, fui aumentando o (serviço) on-line e reduzindo o trabalho presencial”, relata Cordoval.
Os treinamentos são também realizados na sede da Embrapa Sorgo e Milho em Sete Lagoas. “Passei a receber os representantes dos municípios e os parceiros”, diz o pesquisador, lembrando que, além das atividades presenciais, há alguns anos começou atividades a distância. “Antes da pandemia, o trabalho com as barraginhas era 80% on-line e 20% presencial. Com a pandemia, passou a ser 100% on-line”, conta.
Correções
Ele explica que, desde março, repassa de casa as informações sobre os reservatórios, dando orientações para a construção das barraginhas e interagindo com os técnicos e agricultores por WhatsApp e e-mail. “As pessoas entram em contato comigo, falando de vários estados.Elas me mandam fotos e tiram dúvidas. Mando áudios e desenhos, informando como fazer. Vou fazendo as correções a distância, quando é preciso elevar o aterro ou aprofundar mais a barraginha”, relata.
Cordoval ressalta as vantagens dos reservatórios: “As barraginhas controlam a erosão e conservam o solo. A água da chuva infiltra no solo e alimenta o lençol freático. Isso cria sustentabilidade hídrica”.
A elevação do lençol freático aumenta a disponibilidade de água, garantindo a irrigação de lavouras e a manutenção de atividades como silagem e produção de farinha de mandioca e rapadura.
Protocolos ajudam a manter apicultura
A necessidade de isolamento social mudou a rotina da comunidade de João Moreira, no município de São João da Ponte, onde foi implantado o Projeto Meu Rio, uma das estratégias voltadas para a conservação, uso racional de água, sustentabilidade e geração renda. A produção e comercialização de mel, incentivada durante a implantação do projeto, ajuda os produtores a vencerem as dificuldades impostas pela pandemia.
O Projeto Meu Rio é coordenado pela organização não-governamental Instituto Grande Sertão (IGS), sediada em Montes Claros.
Um dos objetivos da inciativa é a revitalização do Córrego João Moreira, além de garantir renda e sustento das cerca de 100 famílias. Entre outras ações são construídas barraginhas e plantadas mudas de espécies nativas. Oficinas resgatam atividades produtivas, aproveitando os recursos locais.
A coordenadora-geral do projeto Meu Rio, Vanessa Veloso Barbosa, afirma que, por causa distanciamento social, entre março e julho as ações em João Moreira foram reduzidas, se limitando à realização em espaços ao ar livre, com a participação somente de moradores, para reduzir os riscos de transmissão do coronavírus.
Em agosto e setembro, foram retomadas as oficinas. “Mas, os encontros, que antes contavam com 30 ou 40 pessoas, foram reduzidos a nove participantes, reunidos em locais abertos, com o uso de máscara, álcool em gel e todas as medidas de segurança”, conta Vanessa Barbosa.
Em outubro, a comunidade retomou o plantio de mudas de espécies nativas, restrito aos moradores, por segurança. Assim, estima Vanessa Barbosa, foi cumprida a meta do projeto de produzir e plantar 20 mil mudas na região, visando à recomposição das matas ciliares e o retorno das nascentes do Córrego João Moreira.
Morador da comunidade, o produtor Admilson Gonçalves Cordeiro conta que o isolamento social afetou a vida dos agricultores e as atividades do Meu Rio. Por outro lado, frisa que uma atividade estimulada dentro do projeto está ajudando os produtores a superar as barreiras criadas pela pandemia: a produção de mel.
“A apicultura está ajudando a comunidade a ter uma vida melhor’, disse Admilson. Segundo ele, já existem cerca de 30 produtores de mel, e a perspectiva é que esse número cresça. Eles entregam o mel a uma cooperativa em Bocaiuva, na mesma região, onde o produto é embalado e certificado, ganhando valor agregado para a comercialização.
“Antes, o pessoal era obrigado a ir para São Paulo e para o Sul de Minas, para o trabalho na colheita de café. Agora, deixaram de viajar. O mel está ajudando a trazer a feira para dentro de casa”, assegura Admilson. “Em breve, teremos um polo da apicultura”, acredita.
Drone auxilia algodoal de Catuti
No início da pandemia do coronavírus, as fábricas de fios e tecidos paralisaram as atividades, afetando a vida dos produtores envolvidos no Projeto de Retomada do Algodão do Norte de Minas, no pequeno município de Catuti.
O Estado de Minas visitou um dos empreendimentos na cidade voltados para a conservação e uso racional da água. Técnica batizada de “irrigação de salvação” foi adotada, com a conservação da água em tanques de geomembrana, material sintético.
O assessor técnico da Cooperativa dos Produtores de Algodão de Catuti (Coopercat) e coordenador do projeto, José Tibúrcio de Carvalho Filho, explica que os impactos negativos do coronavírus foram sentidos somente no inicio da pandemia: “Desde junho, tudo voltou ao normal, e a procura pela pluma multiplicou, pois aumentou muito a venda da linha branca para fabricação de máscaras e tecidos para hospitais”.
Os produtores de Catuti mantiveram as atividades de plantio, sendo orientados quanto ao distanciamento e ao uso de máscaras. Também deram prosseguimento às técnicas para superar a carência hídrica da região, recorrendo aos tanques de geomembrana, que acumulam a água captada da chuva para a irrigação durante os períodos de veranico.
A geomembrana é usada por 17 pequenos produtores de Catuti. É ainda utilizada a captação de água subterrâneas, com a irrigação por gotejamento.
Tibúrcio de Carvalho afirma que em nenhum momento a pandemia desanimou os agricultores de Catuti. Eles passaram a investir mais em tecnologia. No plantio da safra 2020/2021, passaram a usar drones para pulverizar as lavouras e se prevenir contra o ataque do bicudo do algodoeiro.
De acordo com o assessor técnico da Coopercat, os 68 pequenos produtores envolvidos no projeto vão plantar 300 hectares de algodão na safra de 2021. A expectativa é de que a pulverização por drone elimine a praga do bicudo e sejam colhidas em torno de 300 arrobas de algodão por hectare, recorrendo também à “irrigação de salvação” na eventual falta das águas de São Pedro.
'Rede do bem'
O blog Projeto Barraginhas (no site projetobarraginhas.blogspot.com), também criado pelo pesquisador Luciano Cordoval de Barros divulga s resultados de implantação das barraginhas nas comunidades e pequenas propriedades. Criado em 2007, a página on-line conta com fotos e informações sobre o projeto, destacando palestras, visitas, treinamentos e eventos chamados “dias de campo”, com vídeos e depoimentos de produtores e parceiros. A documentação histórica reúne 1.226 álbuns e percorre os 3 anos da iniciativa. Cordoval criou ainda um grupo de WhatsApp, a rede do bem”, pelo qual se comunica com pessoas do campo de diferentes partes do país.