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Estado de Minas

Congresso entra na polêmica aluguel X locação; entenda

No Congresso, PL quer que convenções coletivas regulamentem a locação e expõe confronto entre condomínios e proprietários. Eles descartam interferência no complemento da renda


postado em 24/02/2020 04:00 / atualizado em 24/02/2020 07:58

Lísia aluga três imóveis e garante que, selecionando inquilinos, dificilmente o negócio termina em conflito(foto: Mariane Silva/Esp. CB/ D. A. Press)
Lísia aluga três imóveis e garante que, selecionando inquilinos, dificilmente o negócio termina em conflito (foto: Mariane Silva/Esp. CB/ D. A. Press)

Brasília
– Mais rentáveis que o aluguel tradicional, as locações de imóveis por temporada, via plataforma de intermediação, estão transformando a relação entre proprietários de imóveis e condomínios no Brasil. Aplicativos como o Airbnb, que já agitaram o mercado de hotéis em todo o mundo, estão na mira de parlamentares interessados em regulamentar esse novo nicho de mercado, que promete criar tanta polêmica quanto a chegada do Uber no país. No Congresso, tramitam 16 iniciativas visando a restrição da atividade por meio de projetos de lei – outros 12 foram arquivados.

Um dos mais adiantados é o PLS 2.474/19, que propõe que a convenção coletiva dos condomínios regule a possibilidade de aluguel, no intuito de encontrar um equilíbrio entre o direito de proprietários de locarem seus imóveis – conforme garantido pela Lei do Inquilinato, de 1991 – e o direito dos demais condôminos sobre as áreas comuns. O texto, de autoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), tinha, até a última sexta-feira, na pesquisa de opinião do site da Casa, 101 votos favoráveis e 1.572 desfavoráveis.

Apesar de polêmica, a matéria leva em conta problemas enfrentados em Portugal – onde quem se muda tem dificuldade de alugar imóveis, em sua maioria disponibilizados para o modelo de locação via plataformas – e Barcelona – onde a taxa de serviço no centro histórico foi elevada para garantir a conservação dos edifícios tombados. “Em algumas cidades europeias, os conflitos em relação ao uso dos aplicativos deveram-se pela redução da oferta aos moradores e aumento do custo do aluguel, o que acarretou na limitação da atuação das plataformas. Já nos Estados Unidos, o estado de Nova Iorque editou uma lei que proibia plataformas digitais de alugarem casas e apartamentos por prazos inferiores a 30 dias, quando o dono não estivesse presente no imóvel”, explica o autor da proposta.

Ângelo Coronel destaca que não é contra o serviço ou o aplicativo. “O PL pretende apenas assegurar o direito de os condôminos decidirem sobre regras gerais que impactam na vida daquela comunidade. Se em um condomínio os proprietários julgarem que a locação por aplicativo é desejável, tudo bem. Por exemplo: em São Paulo já há novas construções voltadas exclusivamente para o aluguel por aplicativos. Porém, se por outro lado houver a percepção de que esse tipo de locação causa transtornos aos demais proprietários, que danifica os espaços comuns e gera insegurança, é direito da maioria decidir pela proibição”, justifica o senador.

Ainda de acordo com o parlamentar, entre julho de 2017 e o final de 2019, no estado de São Paulo “havia 33 decisões em segunda instância a respeito do uso de plataformas digitais para aluguéis por temporada via plataformas digitais”. “Já segundo pesquisa da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo, quase 47% dos condomínios já discutiram sobre o uso de aluguel por plataformas digitais. 
Entre esses, 64% optaram por algum tipo de limite para esse tipo de locação. As justificativas predominantes para a proibição são segurança, perturbação do sossego e mau uso das áreas comuns”, salienta.

Anfitriões

 Os chamados anfitriões, que alugam imóveis ou quartos para temporada, divergem sobre a necessidade de uma legislação, mas convergem ao afirmar que o PL de autoria de Ângelo Coronel é rígido. É o caso da empresária Lísia Lima Campos, 39 anos. Ela aluga parte de sua casa, no Setor de Mansões do Lago Norte, em Brasília, mais o quarto do apartamento do filho, próximo ao Centro Universitário de Brasília, além de uma quitinete na Asa Norte. Ela explica que é importante selecionar os inquilinos e descreve a atividade como mais do que um serviço de locação de espaços. “Há muito compartilhamento. Já recebi gente da Alemanha, da Nova Zelândia, dos Estados Unidos, da China e de Cuba. Os estrangeiros são ainda mais habituados, gostam dessa troca”, defende.

“Já cancelei reserva por falta de educação. E quando um hóspede dá problema, nos comunicamos com outros anfitriões”, explica. Conforme lembra, nos grupos de anfitriões muitos relataram problemas com hóspedes que fazem festa na casa dos anfitriões, por exemplo. Lísia destaca que a tecnologia chegou para ficar e que muita gente ainda está aprendendo a usar. Por outro lado, ela entende que a alta rotatividade de pessoas pode incomodar. “Acredito que o coletivo é mais importante que o individual. Então, não sou contra uma regulamentação. Mas eu achei o PL muito engessado”, destaca.

O tradutor e professor de inglês David Haxton Jr., 62 anos, tem uma casa de hóspedes em seu terreno em um condomínio vertical no Jardim Botânico. Ele conta que já participou de uma reunião de anfitriões para debater problemas com hóspedes, mas que seleciona bem seus locatários. O professor acredita que é muito mais importante a definição de regras claras e o diálogo entre proprietários e condomínios que “uma lei que venha de cima”. “Tem inquilinos e 'inquilinos'. Por causa de um inquilino, eu vou deixar de usufruir de uma fonte de renda que bons inquilinos podem me dar? Em flats, em que você tem piscina, sauna, tem que ficar claro o que pode e o que não pode fazer. Mas tem que ser regulamentado pelo condomínio”, opina.

Rede ampla

Números da locação pela plataforma

• O Airbnb está presente em 191 países, 
com mais de 7 milhões de anúncios, sendo 250 mil no Brasil. Já viabilizou mais de 500 milhões de chegadas de hóspedes no mundo todo desde a sua fundação, há 11 anos.

• 69% dos anfitriões brasileiros utilizam a renda extra do Airbnb para manter suas casas, e 55% deles para deixar diversas contas em dia. Além disso, esse recurso representa, em média, 23% da renda familiar dos anfitriões brasileiros.

• Segundo pesquisa do Airbnb, o impacto econômico direto da plataforma foi de R$ 7,7 bilhões em 2018. Esse valor considera os gastos em toda a cadeia que envolve o turismo, incluindo despesas em restaurantes e comércio locais, não apenas com hospedagem.

• Em 2018, os hóspedes do Airbnb gastaram R$ 1,8 bilhão em restaurantes e cafés no Brasil.

• Segundo o levantamento da plataforma, 28,2% dos hóspedes disseram que não teriam viajado ou ficado tanto tempo no destino se não fosse a economia proporcionada com esse tipo de hospedagem.

• O último censo, de 2010, identificou cerca de 6 milhões de unidades habitacionais ociosas no Brasil. Isso porque o país tem a cultura do investimento em imóveis.

• A locação por temporada via plataformas digitais é mais segura do que aquela feita antigamente. O Airbnb dispõe de diversas ferramentas e segurança – como identificação verificada, sistema de comentários e avaliações, pagamento 
via cartão de crédito e seguro para o imóvel – que outros modelos de locação não oferecem.

Fonte - Airbnb


Plataforma e síndicos divergem


Diretora de Relações Institucionais do Airbnb, Flávia Matos defende que a realidade dos serviços do da Airbnb no Brasil é diferente dos outros países. Considera ainda que a Lei do Inquilinato já regulamenta o setor. “No Brasil, o último censo identificou 6 milhões de imóveis ociosos no país. A prática de locação para temporada já é antiga, e prevista no artigo 48 da lei. Nesse sentido, a gente não entende que haja necessidade de regulamentação, porque já é regulamentado. A tentativa de restrição da locação por temporada viola o direito de propriedade do dono daquele imóvel”, argumenta.

Ainda segundo Flávia, o aplicativo exige a documentação dos usuários, o que ajuda na segurança. Além disso, há o estímulo para que anfitriões e hóspedes se comuniquem e o ranqueamento mútuo dos usuários. Quem não respeita as políticas do Airbnb ou é muito mal avaliado, seja proprietário ou locatário, é retirado da plataforma.

“A própria plataforma se constitui a partir de uma comunidade baseada na confiança e determinados códigos de conduta. O prejuízo à coletividade é malvisto na própria comunidade. O preconceito, a comunidade não aceita. É no sentido da construção de uma comunidade responsável, que seja boa para todos os seus membros que a empresa se baseia. Nossa missão é criar um senso de pertencimento em qualquer lugar, com base na construção de laços de confiança”, afirma Flávia.

O presidente da Associação Brasileira de Síndicos e Síndicos Profissionais (Abrassp), Paulo Melo, é contrário à plataforma e favorável à regulamentação proposta pelo PL do senador Ângelo Coronel. Segundo ele, o fluxo de pessoas dificulta a gestão do condomínio. Principalmente a gestão em segurança. “O ideal, em casos assim, seria que o proprietário pagasse taxa extra e, se fosse o caso, até impostos específicos para a realização da atividade. Também é importante que o condomínio tenha um cadastro do proprietário e de cada visitante. Sei que, com as novas tecnologias, dificilmente isso volta atrás. É uma nova realidade. Mas é preciso regulamentar”, afirma.

Em 10 de outubro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a convenção coletiva não poderia proibir a locação por meio do Airbnb em condomínios. Segundo a decisão, o modelo de negócio não se enquadra no conceito de hospedagem, mas de locação por curta temporada. Mas afirmou que o condomínio pode adotar outras medidas, como cadastramento de pessoas na portaria. Segundo Paulo, a Abrassp pretende recorrer da decisão e, também, marcar uma audiência pública com o senador para debater o PL e seus dispositivos.

O relator do PL, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concluiu que não há vício legal ou inconstitucionalidades no texto de Ângelo Coronel. Ainda assim, demonstrou uma visão semelhante à da definição do STJ e recomendou pela rejeição do texto. O autor do projeto, porém, afirma que tem parlamentares suficientes para garantir a continuidade da tramitação.


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