A demissão, ontem, de Marcos Cintra da Receita Federal devido ao fato de o ex-secretário do fisco ter antecipado as condições para a criação de uma espécie de CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) expôs as divergências dentro do governo em torno da proposta malvista entre os próprios aliados do governo e impopular. Tanto é assim que o presidente Jair Bolsonaro usou de sua rede social na tarde de ontem para explicar a demissão e negar a inclusão de um novo imposto na reforma tributária em discussão no Ministério da Economia.
“Paulo Guedes (ministro da Economia) exonerou, a pedido, o chefe da Receita Federal por divergências no projeto da reforma tributária. A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do Presidente”, escreveu Bolsonaro no Twitter. O presidente se pronunciou do hospital, onde está internado após passar por cirurgia. Ele confirmou que a tentativa de recriar a CPMF foi decisiva para a demissão de Cintra.
O ministro Paulo Guedes exonerou Cintra no começo da tarde. José de Assis Ferraz Neto assumiu o cargo interinamente. As informações que circularam ontem são de que Guedes não gostou do fato de um dos assessores do então secretário especial da Receita, o secretário-adjunto Marcelo de Sousa Silva, ter apresentado, na terça-feira, quais seriam as alíquotas em análise pela equipe econômica. O ministro desaprovou a antecipação dos dados, que ainda não foram acertados com o presidente Jair Bolsonaro.
Silva afirmou, durante seminário em Brasília, que a proposta do governo seria taxar cada saque ou depósito em dinheiro com alíquota inicial de 0,40%. Nos pagamentos, mediante operações de débito e de crédito, a cobrança seria de 0,20% para cada lado da operação (pagador e recebedor).
O discurso do secretário-adjunto repercutiu imediatamente, gerando declarações de resistência à volta do imposto dentro do Congresso nacional. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi um dos que disseram não acreditar na aprovação do novo imposto.
O presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, disse que a discussão se tornou pública antes de passar por Bolsonaro, o que teria motivado a saída de Cintra do governo. Mourão afirmou ter se encontrado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, antes de Bolsonaro decidir sobre a demissão. “Ele (Guedes) compartilhou a angústia com essa situação. Eu disse: vamos aguardar a decisão do presidente”, afirmou Mourão.
O presidente do Congresso e do Senado, Davi Alcolumbre, também se manifestou contra uma nova CPMF. “Da minha parte, reafirmo que sou contrário à criação de mais um imposto na vida das pessoas. Quando fui deputado federal votei contra a permanência da CPMF, em 2007. Nós conseguimos tirar essa contribuição da vida dos brasileiros. Quando ela existia eu lutei para acabar com ela”, escreveu no Twitter.
Em nota, o Ministério da Economia confirmou a saída de Cintra — para quem a nova CPMF é fundamental para uma reforma tributária eficaz — e ressaltou que não há um projeto de reforma tributária finalizado. “A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento. A proposta somente será divulgada depois do aval do ministro Paulo Guedes e do presidente da República, Jair Bolsonaro”, informa o comunicado.
A nota do ministério não cita a criação de um imposto sobre pagamentos. O Secretário de Privatizações, Salim Mattar, que ficou sabendo da exoneração pela imprensa, afirmou que o fato é normal para um governo. “Somente ajuste de peças”, disse ao chegar ao Ministério da Economia. “A proposta somente será divulgada depois do aval do ministro Paulo Guedes e do presidente da República, Jair Bolsonaro”, completa o texto.
Substituto
Ferraz Neto, que assume o Fisco interinamente, foi indicado para o cargo de subsecretário-geral há menos de um mês, quando o então titular da subsecretaria, João Paulo Ramos Fachada Martins da Silva, saiu em meio a ameaça de entrega de cargos na Receita por ingerência política. (Com estagiária Ana Russi e Humberto Rezende)
Proposta única dos estados
Os estados querem uma fatia da arrecadação da União com o novo imposto único a ser criado na reforma tributária, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), para alimentar o fundo de desenvolvimento regional e um fundo para compensação das desonerações para exportações, que substituiria a Lei Kandir. A previsão é de que 40% da parte da receita da União no IBS vá para os dois fundos. Além disso, 50% da arrecadação com o imposto seletivo (que tem alíquota diferenciada e incide sobre produtos como bebida, cigarro e energia elétrica) terão a mesma destinação. A previsão está na proposta entregue pelos secretários de Fazenda dos estados ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e que prevê um texto substitutivo à reforma que tramita na Casa, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45.