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Estado de Minas

Governo altera regras de concessão de aeroportos para a iniciativa privada

Transferência de aeroportos à iniciativa privada mudou. Regras dos primeiros leilões foram modificadas, depois do fracasso financeiro de alguns terminais, como Viracopos


postado em 09/09/2019 06:00 / atualizado em 09/09/2019 08:06

A Aeroportos Brasil Viracopos, operadora do terminal de Campinas, entrou em recuperação judicial (foto: Denny Cesare/AE)
A Aeroportos Brasil Viracopos, operadora do terminal de Campinas, entrou em recuperação judicial (foto: Denny Cesare/AE)

Na última sexta-feira, o governo federal assinou o contrato de concessão de 12 aeroportos em blocos no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, da chamada 5ª rodada, com a qual arrematou R$ 2,4 bilhões. A modelagem foi bastante diferente das etapas iniciais, para não cometer erros que até hoje têm consequências perversas. As concessões do segundo processo, que rendeu 10 vezes mais, com outorgas de R$ 24,5 bilhões, resultaram na judicialização de pleitos, pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro e, em última instância, na recuperação judicial de uma concessionária, a Aeroportos Brasil Viracopos, operadora do terminal de Campinas (SP).

O novo modelo mostra uma curva de aprendizagem nas concessões aeroportuárias, explica Jorge Leal Medeiros, professor de transporte aéreo e aeroportos da Universidade de São Paulo (USP). “A primeira concessão, em 2011, foi de São Gonçalo do Amarante (RN), um terminal pequeno, no qual o Exército Brasileiro fez parte da obra. Na segunda, dos aeroportos de Viracopos, Brasília e Guarulhos, o modelo não contemplava o gatilho, de exigir obras conforme a demanda”, destaca.

Os investimentos foram muito altos e havia uma simbiose muito grande entre as empreiteiras dos consórcios e o governo da época, segundo Leal. “Tanto que grande parte das construtoras foram parar em Curitiba”, lembra o especialista, referindo-se ao envolvimento das companhias na Operação Lava Jato. “As previsões foram superestimadas e, depois, o país passou por uma crise econômica. As concessionárias estão pedindo reequilíbrio econômico-financeiro, resultado, em parte, de o governo ter colocado uma exigência muito pesada”, diz.



Apesar disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão regulador, fiscalizador e também parte dos contratos, não atendeu todos os pedidos. No entender de Alberto Sogayar, advogado da área de infraestrutura do escritório L.O. Baptista Advogados, um dos grandes problemas é o fato da Anac ser parte do contrato. “Claro, houve ousadia dos empresários, mas era um momento econômico diferente e acreditava-se que teria mais movimentação. Mas houve um problema de estruturação jurídica”, revela.

No momento em que a agência é parte dos contratos, além de fiscalizadora, passa a ter papel duplo, avalia Sogayar. “Ela está lá para contribuir na regulação daquele ativo. Como parte do interesse, compromete os direitos dos concessionários. Deveria ser técnica e independente. Isso influenciou muito negativamente naquela etapa das concessões. Vários pediram reequilíbrio e não tiveram seus pleitos atendidos”, recorda.

Daniel Vila-Nova, sócio do escritório Souto Correa, especialista em direito administrativo e regulatório, explica que, quando se fala em agências no Brasil, é preciso ressaltar que não há uniformidade. “São vários órgãos em inúmeros setores com tipos de competência e atribuições diferentes. Há uma assimetria que vivenciamos desde a década de 1990. Só recentemente é que começa um esforço de padronização”, explica.

O advogado ressalta que não é uma anormalidade a agência figurar nos contratos de concessão, como ocorre na Anac. “O problema não é esse. Agora, todas as concessões, no início do ciclo, fizeram pleito de reequilíbrio econômico-financeiro. Isso sinaliza que a modelagem não foi adequada à sustentabilidade das operações. O modelo de concessão que foi desenhado não está parando em pé”, alerta.


CONTRAPARTIDAS


Vila-Nova cita o caso mais emblemático, de Viracopos, que pediu recuperação judicial. “Essas concessões tinham como contrapartidas, não só a área específica do terminal, mas os empreendimentos do entorno, que envolvem logística mais complexa. O concessionário tem de buscar parceiros para investir. Ao serem travadas, quebraram a expectativa de segurança do mercado em investir”, explica.

A concessão de Viracopos, cujo leilão foi em 2012, previa um terreno de 26 quilômetros quadrados, que influenciou no lance de outorga. No entanto, até hoje, sete anos depois, o empreendimento só conta com 12 quilômetros quadrados. Os outros 14 quilômetros quadrados ainda estão em processo de desapropriação. A projeção de exploração imobiliária do concessionário, com construção de hotéis, estacionamentos, galpões logístico, não se concretizou. Ao pedir reequilíbrio econômico-financeiro, no entanto, por conta da não utilização do terreno na integralidade, o pedido foi negado pela Anac.

Na época, as projeções davam conta de que o potencial de ocupação poderia gerar R$ 2 bilhões de receita no período da concessão, de 30 anos. Ou seja, R$ 200 milhões no período de sete anos, praticamente uma parcela da outorga devida pela concessionária. Conforme Vila-Nova, ao avaliar os pedidos, a postura da Anac foi muito restrita. “Os pleitos mais substanciais, negou. A atuação foi muito limitada”, avalia. No caso de Viracopos, a operadora entrou em recuperação judicial, porque a lei de devolução, embora assinada em 2017, só foi regulamentada este ano.

Vários outros pedidos também não foram aceitos, como uma tabela a respeito de cargas abandonadas. Como Viracopos é um aeroporto que opera muita carga, algumas mercadorias não são resgatadas. A Receita Federal as declara para perdimento, porém, entre a declaração e a destinação, fica no aeroporto ocupando espaço. Como a Receita não pagava para a Infraero, órgão estatal que administrava os aeroportos antes das concessões, não paga às concessionárias. Outra conta que, em Viracopos, chegou a R$ 200 milhões em sete anos.

A redução da tarifa teca-teca (terminal de carga-terminal de carga) também poderia render mais R$ 200 milhões para a empresa em recuperação judicial. O mecanismo foi criado para remunerar o terminal onde a mercadoria desembarcou, sem ser nacionalizada ali, mas em outro aeroporto. No contrato, a tarifa era de R$ 0,50 por quilo, mas a Anac reduziu em 80%, para R$ 0,08, com a concessão em andamento.

Para o especialista Vila-Nova, as várias questões que foram parar nas varas judiciais de São Paulo apontam que a simples transferência para o setor privado pode gerar efeitos mais perversos. “Privatiza a atividade, mas a torna insustentável. A modelagem ficou mais preocupada com a obra de infraestrutura do que com a qualidade do serviço e a sustentabilidade da operação”, sustenta.


OUTRO LADO


A Agência Nacional de Aviação Civil explica que suas competências decorrem da lei de sua criação, nº 11.182/2005. “Não se vislumbra, em razão disso, qualquer risco de parcialidade das decisões decorrentes da gestão contratual. Pelo contrário. Por contar com um corpo técnico altamente especializado em questões afetas à infraestrutura aeroportuária, entende-se plenamente oportuno que a agência concentre as atividades relacionadas à modelagem das concessões e à respectiva gestão e fiscalização”, informa.

Sobre o caso de Viracopos e o terreno entregue pela metade, a Anac afirma que: “De acordo com informações prestadas pela própria concessionária em 2012, não existia previsão de exploração das áreas não entregues até o presente momento.” No início da concessão, segundo a Anac, a empresa exploraria as áreas centrais do aeroporto, mais próximas ao pátio e ao terminal, que foram devidamente entregues.

A Anac acrescenta ainda que, caso Viracopos comprove o impacto negativo, será possível reavaliar o cálculo. “O pleito da concessionária pode ser dividido em duas partes: frustração de receitas não tarifárias devido à impossibilidade de exploração imobiliária e custos não previstos incorridos para o cumprimento de obrigações contratuais. Enquanto a primeira parte foi negada, a segunda foi acatada e estimada em R$ 4.143.286,84 (valores de setembro/2018)”.


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