São Paulo – Pela primeira vez na história, o Brasil ganhou o campeonato sul-americano de rúgbi. O simbolismo da vitória: a taça era da Argentina desde que o campeonato começou, em 1951. O milagre se deu graças a um modelo de gestão altamente profissional, que incluiu governança corporativa, definição de metas e outros métodos emprestados do universo empresarial.
A história de como o rúgbi brasileiro evoluiu começou há 9 anos, quando a Seleção estava prestes a jogar a toalha. Sem público nem apoio, os Tupis (nome oficial do time) sobreviviam de rifas e contribuições dos próprios jogadores. Depois de ouvir pela TV o depoimento desalentador de um atleta após uma derrota, Eduardo Mufarej, presidente do conselho de administração da Somos Educação, resolveu dar uma força.
Fã do esporte – apesar de mau jogador na escola e na faculdade –, Mufarej começou com a parte fácil: doando dinheiro. Em pouco tempo, juntou outros amantes do esporte entre os amigos e levantou mais R$ 50 mil. Encontrou um parceiro em Jean-Marc Etlin, o sócio da CVC Capital Partners, que chegou a jogar na Seleção Brasileira em 1981, e no advogado Sami Arap Sobrinho, também ex-jogador. Logo perceberam que dinheiro só não ia resolver. Era preciso intervir na gestão. “Assumimos a responsabilidade com a intenção de melhorar não só o rúgbi, mas deixar um legado para outros esportes, espalhando as melhores práticas para outras confederações”, diz Mufarej.
Com a estreia do esporte na Olimpíada do Rio, foi criada a Confederação Brasileira do Rúgbi. Arap assumiu a presidência no início, mas foi sucedido por um gestor profissional, o argentino Agustín Danza, ex-jogador da Primeira Divisão da Argentina e ex-consultor da Bain.
A cartilha da boa governança é seguida à risca, com conselho, metas de longo prazo e transparência na prestação de contas. A Deloitte foi chamada para ajudar na implementação da governança com base nas melhores práticas internacionais de gestão de confederações esportivas. Como conselheiros fundadores, Etlin, Mufarej e Arap também já estão programando a própria sucessão a partir de 2021, quando termina o prazo de dois mandatos de quatro anos.
Em campo, a solução também veio da Argentina, com o técnico Rodolfo Ambrósio, que treinava a seleção sub-20 de lá. Com Ambrósio, foi implementado um sistema de alto rendimento, com jogadores profissionais que ganham salário (R$ 2 mil) e treinam diariamente.
Atualmente, a CBRu trabalha com orçamento de R$ 14 milhões. Para efeito de comparação, a vela, esporte em que o Brasil tem bom desempenho e tradição, tem pouco mais de R$ 6 milhões. Desde o ano passado, após uma criteriosa auditoria, a CBRu recebe aporte de 700 mil libras por ano da World Rugby, a confederação mundial, que reconheceu o país como estratégico para o desenvolvimento do esporte. Tem ainda patrocínio de Topper, Bradesco, Cultura Inglesa, Heineken e Rumo.
Cerca de 60 mil jovens (acima de 15 anos) praticam o esporte no Brasil. Nos últimos cinco anos, o número de atletas federados saltou de 10 mil para 18 mil. Alguns dos melhores talentos são escolhidos para treinar por seis meses na Nova Zelândia, com patrocínio pessoal de Etlin e apoio de Mufarej.
Agustín, o argentino que é CEO da CBRu, tem fé no Brasil. “É um desafio interessante e estou convicto de que o país tem todas as condições favoráveis para dar certo”, afirma. “Tem uma população enorme, com uma diversidade e riqueza de biótipos. Ainda falta muito, mas hoje temos uma seleção que ganhou da Argentina na Argentina. É um grande feito.”
Ascensão social
O rúgbi nasceu na Inglaterra e é conhecido como “um esporte de hooligans jogado por gentlemen”. Jogo bruto, demanda respeito pelo adversário, disciplina e espírito de equipe. O juiz é tratado por “senhor” e os jogadores são responsáveis por arrumar o vestiário. Após a partida, as equipes jantam juntas e trocam presentes. Na América do Sul, ainda é um esporte de elite. No Brasil, devido à presença de projetos sociais como o Rúgbi para Todos, que atua em São Paulo e no Rio de Janeiro, e o Vivendo do Rúgbi, que atende crianças e adolescentes das escolas públicas de Curitiba, virou esporte popular e oportunidade de ascensão social. Tem crescido muito também no interior paulista, nas cidades de São José dos Campos e Jacareí.