No momento em que o governo foi obrigado a acionar a pleno vapor as usinas termoelétricas para enfrentar uma das piores secas da história, o planejamento estratégico para a expansão dessa fonte de energia para os próximos dez anos sofreu uma reviravolta. O governo decidiu quintuplicar a expectativa de expansão de energia proveniente de térmicas na próxima década, segundo o novo Plano Decenal de Energia para 2014-2023 obtido pelo Estado.
Na contramão das térmicas e eólicas, a participação de hidrelétricas deve cair de 69% para 61% no período. O uso das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ficará estável em 4%. Segundo a EPE, a eólica, junto com as hidrelétricas, não trará segurança para o sistema.
O aumento expressivo da energia térmica corresponde a uma capacidade maior de energia do que a que será produzida pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau - complexo em construção no rio Madeira, em Rondônia, que prevê geração de 6,5 mil MW. Representa também mais da metade do que produz Itaipu, segunda maior usina do mundo e símbolo maior do potencial elétrico brasileiro, com capacidade de geração de 14 mil MW.
As projeções contidas no novo plano traçam uma fotografia da matriz energética no futuro e funcionam como uma espécie de “guia” para os novos investimentos em energia. Para agregar essa energia termoelétrica adicional ao sistema até 2023, os leilões para a contratação de novas térmicas terão de ocorrer até 2018.
Apesar do custo e do risco ambiental das térmicas serem mais elevados, o aumento é justificado no governo pela necessidade de segurança energética e pela tendência de redução da participação hidrelétrica na matriz do País. Neste ano, por causa da seca prolongada que baixou o nível do reservatório das hidrelétricas a padrões inéditos, o parque térmico foi colocado em funcionamento pleno para garantir a geração de energia para todo o sistema interligado, com um custo maior para o consumidor.
No cenário energético brasileiro, as térmicas têm o papel de um bateria, uma espécie de “backup” de energia para o País, explica o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. A tendência, prevê ele, é que as térmicas sejam usadas com mais frequência. O que se projeta “preferencialmente” é um aumento das térmicas a gás, mas também estão previstas térmicas movidas a carvão, apesar de mais poluentes.
“Está cada vez mais claro que não podemos ficar dependentes da energia hídrica ou de fontes intermitentes, como eólicas. É preciso ter esse ‘backup’ e, para isso, a térmica é fundamental”, diz Tolmasquim. Racionamento. Sem as térmicas, admite o presidente da EPE, o Brasil teria enfrentado este ano problemas de racionamento de energia, como em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. As novas projeções, que levam em conta um aumento da demanda de 5% ao ano, indicam que para manter, nos próximos dez anos, a participação térmica atual de 15% na matriz, é preciso crescer mais do que o previsto. Tolmasquim destaca, no entanto, que a maior expansão virá das eólicas, que saltarão de 2% para 12% na matriz energética. O Brasil, diz, é um dos maiores mercados em expansão do mundo nessa fonte de energia.
Responsável pelo programa energético da campanha à reeleição da presidente Dilma, Tolmasquim argumenta que reduziu o espaço para a construção de usinas com grandes reservatórios, principalmente, por razões socioambientais. Os projetos hidrelétricos com grandes reservatórios têm sido abandonados por estarem em áreas muito sensíveis, com vasta biodiversidade ou terras indígenas.
A consequência desse cenário é que a geração hidrelétrica na matriz brasileira fica cada vez mais dependente do ciclo de chuvas. “A água que se estocava nos reservatórios dava para passar por três anos com pouca chuva. Agora, não”, reconhece. Do potencial de 260 gigawatts (GW) de energia hidrelétrica, o Brasil já utilizou um terço. Mas a EPE estima que somente 172 GW desse potencial serão explorados. A grande parte não explorada está na região Norte, onde o movimento de reação a novas empreendimentos é cada vez mais explosivo.
Um dos últimos grandes projetos hidrelétricos que serão montados é o de São Luiz de Tapajós, com potencial de 8 mil MW e leilão previsto para dezembro. Para o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan, os projetos para novas térmicas estão prontos aguardando os leilões. “Temos projetos prontos para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina”, afirma. A última usina a carvão do País, Candiota III (RS), entrou em operação em 2011.
Por causa do período eleitoral, a Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget) não quis comentar as novas previsões. O conselho diretor da entidade decidiu que quaisquer comentários referentes ao atual momento do setor elétrico serão encaminhados diretamente aos órgãos competentes do governo com base em conceitos puramente técnicos, sem cunho político.