(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Moeda social substitui dinheiro

Não existe crise na economia solidária, na qual a riqueza fica na própria comunidade. O que vale é o trabalho voluntário


postado em 08/11/2008 13:45 / atualizado em 08/01/2010 04:06

Irene Duarte Fonseca dá duro na costura como voluntária, enquanto vai juntando os valores necessários para trocar pelo tão sonhado fogão (abaixo), doado pelos moradores de Uberlândia (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press )
Irene Duarte Fonseca dá duro na costura como voluntária, enquanto vai juntando os valores necessários para trocar pelo tão sonhado fogão (abaixo), doado pelos moradores de Uberlândia (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press )
Uberlândia – O mundo financeiro mudou. As bolsas encolheram, moedas esvaziaram-se e grandes bancos desapareceram do mapa. No Brasil, existem, porém, 33 comunidades que dão as costas para o que acontece no resto do planeta. Se consultadas, seriam capazes de dar lições de economia aos poderosos. Elas imprimem o seu próprio dinheiro, só compram com desconto e emprestam a menos de 1% ao mês. Não é pouca coisa. A chamada economia solidária já conta com 35 bancos e cinco moedas próprias em circulação. No lugar do real, entram papéis alternativos, como a palmas, o bem, a terra ou a oração, que chegam a valer mais do que a moeda oficial do país.

Dentro do sistema de economia solidária, não existe crise financeira. Nem internacional, nem local. O funcionamento é simples: em vez de pagar em reais, o consumidor usa a moeda social em circulação no seu bairro ou cidade. No comércio local, ele ganha desconto ao pagar com esse dinheiro. Já o comerciante pode desfazer a troca no banco social, se tiver necessidade de fazer compras fora da comunidade. “Com isso, a riqueza fica dentro do bairro, pois o pagamento em palmas ou orações não tem valor fora dali”, observa. É o oposto da economia globalizada, onde o investidor só aplica no Brasil se ele for o país mais rentável no momento. “Durante uma crise, os investimentos evaporam, porque não há nenhum vínculo com o país ou com a comunidade. A riqueza muda muito rapidamente de lugar”, compara Peterson Gandolfi, professor de administração da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

A primeira experiência com moeda social de Minas Gerais está instalada em Uberlândia, na rica região do Triângulo Mineiro. Quem colabora na organização não-governamental (ONG) Ação Moradia recebe o pagamento pelas horas trabalhadas em hora-ação, o nome oficial da moeda. Em mineirês, foi encurtado para oração. Na prática, cada hora de colaboração na cozinha, na limpeza ou na costura corresponde a uma oração. “No começo, o marido da minha colega ficou revoltado. Achou que ela estava ganhando só em orações e reclamou que oração a gente recebe é na igreja”, brinca Enilda Pereira de Andrade, de 31 anos, que colabora na horta. Com o tempo, Enilda passou a achar mais bonito receber o salário em moeda solidária. “Aqui dentro, a oração vale do mesmo jeito que o real”, completa.

Com as cédulas na mão, devidamente numeradas e plastificadas, é possível trocar por mercadorias usadas no bazar, que recebe doações de eletrodomésticos, móveis e computadores das empresas da região. Na tabela de preços, um par de meias vale duas orações, um fogão sobe para 50 orações e o computador atinge o teto de 70 orações. “Nenhuma comunidade é tão pobre que não consiga gerar sua própria riqueza. O problema é que o trabalhador gasta o seu salário mínimo no supermercado das grandes redes, em vez de dar preferência para o mercadinho do bairro. Com a moeda alternativa, o dinheiro forçosamente vai ficar dentro da comunidade e circular lá dentro. Quem quiser comprar fora terá de trocar por reais”, explica o empresário Oswaldo Cetti, que fundou a entidade com a mulher, Eliana Maria Carrijo Setti. No caso dele, a moeda social também minimizou o dilema na hora de distribuir as doações de bens de maior valor e ajudou a captar mais horas de trabalho “voluntário” entre as pessoas da comunidade.

Discórdia

O uso da moeda social, porém, nem sempre é sinônimo de satisfação garantida dos consumidores. Mas as crises na economia solidária, como queria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não passam de suaves marolinhas, perto do vendaval financeiro que assusta o planeta nos últimos meses. É o caso, por exemplo, da disputa pelo fogão de seis bocas, seminovo, que gerou discórdia entre as voluntárias da Ação Moradia. “Sonhei com o fogão e me empenhei dia e noite na costura, fiz o jardim, trabalhei duro na quermesse. Juntei 180 orações, mas quem acabou levando foi outra, que tinha apenas 40 horas”, protesta Irene Duarte Fonseca, 30 anos. Ela não se contentou em tirar o tanquinho, o colchão de casal, o computador e o vasilhame em substituição ao objeto de desejo. E já entrou na fila de espera pelo novo fogão recebido em doação pela comunidade.

“O que falta nos mercados financeiros mundiais é um pouco de solidariedade, que o banco social vem trazer. Não posso abrir mão disso”, defende Virgínia Pereira Gomes. Espécie de presidente do Banco Central local, que guarda a chave do cofre, ela baixou a portaria da “medida da necessidade”, que serviu como critério de desempate.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)