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Estado de Minas

Crédito fácil leva aposentado a dever R$ 247 mil


postado em 29/10/2008 06:29 / atualizado em 08/01/2010 04:08

"Como eles emprestam tanto dinheiro para uma pessoa dessa idade? Por que não cobram a presença de um filho, até para proteção deles?" - Rubens Gomes Pereira, procurador do endividado (foto: Marcos Vieira/ EM/D. A press)
Em 2015, o servidor estadual aposentado Ferreira (nome fictício) vai estar com 85 anos e ainda não terá terminado de pagar os R$ 247 mil em dívidas contraídas em nove bancos e financeiras. Sob o apelo do crédito rápido e fácil concedido a aposentados no Brasil, ele foi induzido a tomar empréstimos para ajudar uma “pessoa amiga” em dificuldades. Só este ano, passou a dever, entre outras, 39 prestações de R$ 884 no Panamericano, 16 de R$ 462 no Banco do Brasil e 10 de R$ 1.119,81 na BV Financeira, que somam 140 parcelas em aberto.

A pedido da família, o advogado Ricardo Vitorino começa nesta quarta-fiera a ajuizar ações declaratórias contra cada uma das instituições financeiras envolvidas no caso do idoso – bancos Itaú, do Brasil, Bonsucesso, Pine, GE Capital, Panamericano e Intermedium, além da BV Financeira, Losango e Fininvest. Ele vai exigir a redução dos juros nos contratos, que variam de 30% ao ano (2,5% ao mês) a 107,4% ao ano (8,95% ao mês). “Tem alguma coisa errada em uma instituição financeira que oferece empréstimo em 84 parcelas para uma pessoa com 78 anos . Ele vai ficar pagando a dívida em até sete anos, se estiver em vida. É a concessão de crédito a todo custo, sem critério”, alerta.

O advogado vai pedir também a nulidade dos contratos em razão da incapacidade mental transitória de Ferreira, que alterna momentos de lucidez com outros de falta de coerência. Segundo Vitorino, o Estatuto do Idoso prevê que sejam oferecidos critérios diferenciados ao idoso, em respeito à idade avançada. “O artigo 43 prevê tratamento especial ao idoso, quer seja maior investigação de sua saúde financeira ou a exigência de que esteja acompanhado dos filhos ao firmar um empréstimo”, sugere. “Eu mesmo passo roupa, lavo e cozinho em casa. Mas ando meio esquecido. Ponho o guisado no fogo e fico vendo a TV. Aí, vira carvão”, relata o aposentado.

O especialista em defesa dos direitos do consumidor lembra que 60% do salário de Ferreira está comprometido com dívidas. É o dobro da margem de 30%, autorizada para desconto automático no contracheque do funcionalismo público, a juros mais baixos. Para driblar o limite estabelecido pelo governo, as instituições financeiras estimularam Ferreira a contratar outras modalidades de crédito, como cheque especial (juros mensais de 8,95%), CDC eletrônico (8,75%) e CDC salário (5,75%). “Uns bancos ficam oferecendo para comprar a dívida dos outros e outros dizem que vão trocar o juro de 5% por outro de 3%. Outro dia, a moça me falou que eu não podia mais pagar no salário, mas que não tinha problema. Na hora, ela tirou uns cheques para mim”, conta o aposentado.

A primeira reação dos filhos de Ferreira foi fazer as contas dos débitos e quitar tudo. Mas, ao listar as dívidas no papel, descobriu-se que nem o patrimônio do pai seria suficiente para acertar as contas. O lote e a casa no Alto Vera Cruz não valem mais de R$ 100 mil. “Como eles emprestam tanto dinheiro para uma pessoa dessa idade? Por que não cobram a presença de um filho, até para proteção deles mesmos? Não consigo entender”, protesta o comerciante Rubens Gomes Pereira, de 49 anos, que assumiu o papel de procurador do pai. Ele e os irmãos estão também pleiteando na Justiça a interdição parcial dos direitos civis de Ferreira, que impediria o pai de administrar conta em banco, cheque e outros produtos financeiros.

Ao chegar da Holanda, onde mora, a filha Nanci Gomes Pereira, de 53 anos, visitou agência por agência bancária, tentando conversar com os gerentes e entender o que estava acontecendo com o pai. “Ninguém percebeu que a situação havia chegado a esse ponto, porque ele não gosta de interferência na vida dele, até hoje. Até que um dia meu pai reuniu a família e nos fez assegurar que só não queria passar fome”, afirma. No Banco do Brasil, Nanci e o pai foram à agência exigir a redução do limite do cheque especial, o que foi atendido no mesmo dia. “No dia seguinte, meu pai foi lá sozinho sem eu saber e a mesma gerente renegociou a dívida com ele, com base no adiantamento do 13º salário. Liguei para reclamar e ela disse que não podia fazer nada, porque achou que ele estava lúcido”, completa.

“É nítido o quanto uma pessoa nessa idade está sendo usada. Ao ter conhecimento da situação, fiquei assustadíssima. Meu pai é do tipo auto-suficiente, que nunca tomou empréstimo em banco, nunca pegou dinheiro com os filhos nem é de gastar com ele.”, conta ela. Ferreira explica que tomou os empréstimos para ajudar uma “pessoa amiga” que estaria com dificuldades para pagar a prestação de um carro e as mensalidades da sua faculdade, além de colaborar na abertura de um ponto comercial.

A reportagem do Estado de Minas tentou ouvir a posição da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) sobre o caso na terça-feira, mas ambas as assessorias não localizaram os responsáveis para dar entrevista.


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