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Segredo bom é segredo morto

"Não conseguiu disfarçar o desconforto. Agradeceu, mas perdurou aquela sensação de pedra mastigada no arroz. Boca minha, gosto meu, que se danasse! Bebi com o prazer de sempre"


postado em 28/06/2019 04:05

Vou te contar um segredo. Melhor, dois. Bem baixinho, que fique entre a gente: gosto de novelas mexicanas. Sim, acompanho os dramalhões com os olhos de quem testemunha duelos do Velho Oeste, retardando a piscada, a que não perca um mísero lance. Então, aquela profusão de lágrimas, aquelas bofetadas que lembram pastelões chegam a mim quase em câmera lenta. Esquadrinho cada movimento. E gravo pra rever mais tarde. Confesso que me divirto e me envolvo em cumplicidade comovente com os personagens de perfil raso, com as sacadas piegas. É pop, né?

Já me perguntaram se acompanho com pipocas? Aí é pra filme. Castanhas? Às vezes. Mas, invariavelmente, com uma cerveja a tiracolo. E das que amo. Sou vidrado nas docinhas, aquelas pretas. Cheguei a curtir a versão de uma delas batida com ovo no liquidificador. Agora, sei lá se isso é revelação de segredo ou confissão. Me julguem.

A verdade é que a primeira dessas preferências continua inabalável. A segunda, nem tanto. Talvez seja peso morto. Já explico. Dia desses me visitou o primo Carleto. Tirado a moderno, fez cara de espanto quando, às 18h, pedi licença e sintonizei na novelinha. E daí? Casa minha, escolha minha! Pior é que vi as miradas dele revirarem, eu voltando da geladeira e gentilmente oferecendo a bebida. Parecia ter cometido um pecado ao estender-lhe inocentemente a garrafa:

– Aceita?

Não conseguiu disfarçar o desconforto. Agradeceu, mas perdurou aquela sensação de pedra mastigada no arroz. Boca minha, gosto meu, que se danasse! Bebi com o prazer de sempre. Ele no suco de caixinha. Fez lembrar, num estalo, os tempos de escola técnica, em que devorávamos como um banquete o prato de macarrão instantâneo.

Eram outras paradas agora. Ele tendo praticamente rodado o planeta (faxineiro, cozinheiro, garçom e barman em navios de cruzeiro), eu me limitando à circunferência de nossa cidade. Cada um com suas riquezas próprias de vivência. E era bonito perceber como, em nossas diferenças, nos respeitávamos e, de alguma forma, nos reencontrávamos na forma sempre humana de enxergar o mundo. Eu em minha sincera simplicidade, ele numa visão que privilegiava o todo sem deixar de lado os pequenos, mas importantes significados.

Assim, a fidelidade aos dramalhões não sugeria qualquer incômodo. Mas aquela cerveja docinha... Foi como se eu houvesse arquitetado uma provocação. Com a diplomacia que lhe era própria, primo Carleto foi tateando, até propor.

– Se incomoda se na próxima visita eu lhe trouxer uma cerveja diferente?

Por que haveria de me importar?

– Se não for amarga, fique à vontade.

Na volta dele, semana seguinte, vi logo que era artigo importado. Dinheiro meu não dava praquilo. Deixei que o primo pronunciasse o nome cheio de letras que não combinavam entre si. Juro que não me recordo se ele mencionou o estilo, sei lá se algo como dupel, dubel, não sei se com alguma letra dobrada. Vai assim. Era uma tal belga. Forte! Mas boa, rapaz.! Mês depois, inventou de trazer uma inglesa, acho que port. Perdão aí se é chamada de outro jeito. Gostinho de café.

E não é que começava a me fazer esquecer as docinhas da velha guarda? Não demorou a que aparecesse com uma, essa, sim, de letras embaralhadas. Quase teve de soletrar: Schwarzbier. Nome pomposo dos inferno. Me ensinou que era de escola alemã. Estranhei, mas, após a terceira, já fui me acostumando àqueles sabores. E, como ele bem observou e gostava de frisar, os contrastes se completavam. Foi enumerando as tais notas disso, daquilo, de não sei mais o quê. Eu flutuando no desconhecimento, mas apreciando.

Por fim, aportou por aqui com uma que, o paladar adestrado (é assim que a gente fala mesmo?), saboreei já com outras expectativas. E que explosão de gostos! Ao seu modo, ele traduziu:

– Tem amargor balanceado, numa espécie de balé com o dulçor.

Eu meio que embasbacado, mas reconhecendo que era das boas. O que importava não era agradar na boca? Fogaréu, viu! Potência! Me foi apresentada como uma Russian Imperial Stout. Ah, escola inglesa. E agora inventou de trazer a precursora dessa, uma tal de Dry Stout. Mas dry não é seco?? Pera lá, pera lá!!

Essas experiências me enriqueceram os sentidos da degustação (até incorporei expressões do primo Carleto, fiz busca na internet por alguns programas especializados pra entender melhor), mas bebida seca não vai dar. Se ele insistir, quem sabe rola? Um gole pelo menos. Só que vai ter de ver na íntegra o capítulo capital do meu dramalhão mexicano. Ah, se não vai....


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