Jornal Estado de Minas

PRECONCEITO AMARELO

Ex-BBB Juliette se desculpa nas redes por usar termo 'japinhas'


Em uma live de áudio no Twitter realizada nesta segunda-feira (25/4) pela ex-BBB Juliette Freire, a sister utilizou o termo "japinhas" para se referir a um grupo de cantoras coreanas. Ao ser comunicada que a palavra possui um teor pejorativo para a comunidade amarela, Juliette publicou em seu perfil que isso não acontecerá mais, pedindo desculpas.





Com a retratação, muitos internautas apareceram para comentar sobre a situação. Alguns deles, elogiando a atitude da artista em reconhecer o erro e outros, se posicionando contra uma militância excessiva que problematiza pautas que consideram irrelevantes.



Usuários pertencentes à comunidade amarela também divergem quanto ao uso do termo, mas muitos não aprovam e o consideram pejorativo, relacionando o conformismo de alguns com a necessidade de aceitação pelos não-racializados.


Além do pedido de desculpas, a ex-BBB compartilhou o link de uma reportagem da revista Trip sobre preconceito amarelo, que explica sobre como estereótipos são prejudiciais a essa parcela da população e sobre a crescente onda de racismo anti-amarelo após o início da pandemia do novo coronavírus.





Termo depreciativo

Os termos "japa", ou "japinha", como utilizado por Juliette em sua live do último dia 25, têm relação com a palavra "jap" que, apesar de ter sido muito usado durante a Segunda Guerra Mundial, já foi registrada em ações racistas anti-amarelas ainda nos anos 1920 nos EUA. A palavra se refere aos japoneses e ao Japão Imperial e ganhou força num momento de receio dos estadunidenses em relação ao Perigo Amarelo, movimento de medo existencial para com países leste-asiáticos relacionados ao racismo e à xenofobia.

Medo do Perigo Amarelo despertou sentimentos racistas e xenofóbicos para com a população amarela, principalmente japonesa, nos EUA (foto: L.A. Public Library/Reprodução)

Os crimes de guerra e as atrocidades cometidas pelo Japão Imperial foram responsáveis por um sentimento racista e xenofóbico com imigrantes e descendentes de japoneses nos EUA, que se intensificou logo após o ataque japonês à base naval estadunidense Pearl Harbor em dezembro de 1941. O termo, então, passou a ser considerado, além de uma ofensa, depreciativo.

No contexto brasileiro, "japa", além de refletir uma conotação negativa, também é utilizado para despersonalizar indivíduos da comunidade amarela, que possuem ascendências e histórias próprias. Reduzidas a uma palavra que generaliza diversas etnias, ainda são cercadas pelo fetichismo e pelo preconceito anti-amarelo.





Campos de concentração para japoneses

Como resposta ao ataque a Pearl Harbor, o então presidente estadunidense, Franklin D. Roosevelt, assinou uma ordem executiva autorizando a criação de 10 campos de concentração no Oeste dos EUA direcionados aos nipo-americanos em 1942.

Sob o argumento de que poderiam ser "simpatizantes do inimigo", o governo obrigou imigrantes e descendentes de japoneses a se desfazerem de suas posses. Estima-se que cerca de 120 mil pessoas foram enviadas a esses campos, onde eram separadas e identificadas por números.

Sob o argumento de que poderiam ser "simpatizantes do inimigo", imigrantes e descendentes japoneses foram obrigados a se desfazerem de suas posses (foto: J. Willard Marriott Library/Universidade de Utah/Reprodução)

"Assim como na Alemanha nazista, fomos colocados em campos de concentração", relatou a nipo-americana Joyce Nakamura Okazaki à agência de notícia Reuters. Ela tinha sete anos quando sua família foi forçada a deixar sua casa, em Los Angeles, para morar em um dos campos, e conta que não chegou a testemunhar prisões e torturas, mas que "ficávamos sob constante ameaça se chegássemos perto das cercas de arame farpado", completou.





Sobre o tema, popularizou-se nos últimos anos a HQ "Eles nos Chamavam de Inimigo", uma autobiografia do autor George Takei, distribuída no Brasil pela editora Devir.

O livro "Eles nos Chamavam de Inimigo" se popularizou nos últimos anos (foto: Editora Devir/Reprodução)

Reflexos no Brasil

No Brasil, também há registros de campos de concentração para japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, logo após a decisão do país em romper relações com os países do Eixo. Um dos maiores ficava na cidade de Tomé-Açu (AM), que ainda preserva muito da cultura japonesa e que ainda abriga cerca de mil descendentes.

"É uma sociedade cuja cultura local permeia-se por traços fortemente marcados pela cultura japonesa", diz Elton Sousa, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coautor do livro e documentário Por terra, céu e mar: histórias e memórias da Segunda Guerra Mundial na Amazônia em entrevista à BBC News.

Trapiche municipal de Tomé-Açu, cujo único acesso à região era via barco (foto: Museu da Imigração Japonesa/Reprodução)

Apesar de não se comparar aos campos de extermínio da Alemanha nazista, o campo brasileiro era marcado por privações extremas. Bens dos imigrantes eram confiscados, correspondências eram censuradas nas agências de correio de Belém e reuniões com outros habitantes eram proibidas.



"As pessoas eram vigiadas diariamente pelas forças policiais locais para não se comunicarem umas com as outras. Caso fossem pegas com tal prática, seriam penalizadas", explica Sousa.

"Se houvesse três ou quatro japoneses juntos, conversando, a polícia levava embora, presos. Não tinha liberdade", conta Hajime Yamada, morador de Tomé-Açu que vivenciou parte dessa história. "Eles pensavam que estivéssemos planejando negócios de guerra, mas não tinha nada disso", completa.

Em 2011, a Assembleia Legislativa do Amazonas fez um pedido oficial de desculpas a imigrantes japoneses pelos abusos cometidos durante a Segunda Guerra.