Jornal Estado de Minas

INSPIRAÇÃO

Americana ensina inglês para pessoas trans em projeto social



Quando a americana Jenna Marisco veio morar no Brasil, em 2009, não esperava encontrar tanto preconceito contra a população LGBTQIA. Vendo tamanha discriminação, ela resolveu fazer algo para mudar o cenário e por meio de uma parceria com a Aliança Nacional LGBTI, importante organização com atuação em todo o território nacional. Assim surgiu o projeto “We are Jane”, que ensina inglês gratuitamente à população trans.



“Eu assisti Pose e é sobre essa comunidade (LGBT) em Nova York nos anos 80. Quando eu estava vendo, pensei: puxa, é Nova York dos anos 80, mas é parecido com onde eu estou vivendo no hoje. Então, eu queria fazer algo agora, não basta eu ficar esperando validar meu diploma, o que eu posso fazer hoje? Eu dou aula de inglês, então posso ensinar pessoas trans”, conta Jenna.

Jenna é formada em psicologia, mas, devido à burocracia de validar seu diploma no Brasil, em 2011, se tornou professora de inglês em cursos de franquias e, posteriormente, passou a dar aulas particulares, o que considera um processo mais eficaz de aprendizado. Foi essa experiência com aulas de inglês, que ofereceu à comunidade trans de Serra, cidade no Espirito Santo, onde mora atualmente. 

A americana Jenna Marisco criou projeto, junto com a Aliança Nacional LGBTI, para ensinar inglês para a população trans em situação de vulnerabilidade (foto: Arquivo pessoal)


Seu objetivo era ajudar as pessoas em situação de extrema vulnerabilidade a terem novas oportunidades de conseguir empregos, no Brasil ou fora dele, uma vez que a língua inglesa é a mais falada no mundo e, consequentemente, muito valorizada nos currículos. 



“Esse projeto tem essa pegada de ensinar a língua inglesa, de conhecer essa pessoa trans e entender nesse processo de aprendizado como processo também da garantia e da formação dela enquanto pessoa de direito”, declara Layza Lima, integrante da Coordenação da Área da Mulher Trans da Aliança Nacional LGBTI.

A proposta foi aceita pela Aliança, mas com a alteração de que, uma vez que as aulas seriam online, fosse divulgada para todo o Brasil. Com três turmas de 5 alunos, as aulas começaram em fevereiro de 2021, cobrando apenas duas coisas dos alunos: compromisso e dedicação. “Nós percebemos que a vontade, a ânsia e a fome de conhecimento que essas mulheres tem, foram inimagináveis. Isso significa que, pra elas, tudo que foi tirado, quando é dado é uma oportunidade única”, afirma Layza.

Layza Lima faz parte da Coordenação da Área da Mulher trans da Aliança Nacional LGBTI, e ajudou a estruturar o projeto We are Jane (foto: Arquivo pessoal)


Jenna observa que muitos cursos se preocupam com a finalização de tarefas em determinado tempo, que veem as turmas como um todo, mas sua proposta é de um aprendizado mais personalizado, por isso um número limitado de vagas são disponibilizadas. “Eu tenho meus grupos, se elas ficam comigo e não desistem, a gente vai ficar junto até que cada uma chegue na fluência do inglês, e na minha experiência com aula particular isso chega a quatro ou cinco anos.”




Aluna de Análise de Desenvolvimento de Sistemas na Universidade Federal de São Paulo, Helena de Brito entende o curso como uma oportunidade.  

“Fiz inscrição e não esperava muito ser chamada, por ser uma pessoa trans/travesti, a gente tá acostumada a receber tanto ‘não’ na cara, que gente já espera o ‘não’. O ‘sim’ vai ser a diferença. Receber um ‘não’ vai ser só mais um ‘não’ entre tantos outros que a gente recebe”, conta 


O projeto começou com uma professora e tinha apenas mulheres trans, agora conta com mais dois professores voluntários, o que aumenta o número de vagas, e atende a homens e mulheres trans. No futuro, Jenna espera criar um coletivo de professores e ampliar o alcance do curso, beneficiando cada vez mais pessoas. Jenna convida professores que queiram se juntar à causa a entrarem em contato pela página do Instagram.

“Ações como essa na comunidade tentam resgatar a pessoa e dar uma outra visão de vida para ela, novas possibilidades, aceitação. Oportunidade para ser inserida em um curso que dificilmente teria acesso, ou mesmo quando a pessoa trans tem dinheiro para pagar, ela não vai ter aceitação em uma escola tradicional, é muito importante”, afirma Helena. 

Nós somos Jane

Em uma pesquisa na internet para ter inspiração de um nome para o projeto, Jenna descobriu um site que registra a violência contra pessoas trans de a cordo com o país, e viu que no Brasil, muitas mulheres trans mortas são registradas como “nome desconhecido”. Nos Estados Unidos, mulheres que não são identificadas ao morrer, são registradas como “Jane Doe”.



Ao escolher o nome ‘Nós somos Jane’ (tradução de We are Jane), Jenna quis mostrar apoio às mulheres trans e que esse problema, do preconceito e do alto índice de morte dessa população, não afeta apenas a elas, mas a toda a sociedade. “Eu queria dar um nome pra elas, homenagear elas”, conta Jenna. 

Dificuldades da população trans

O Brasil é o país que mais mata a população trans no mundo, ortanto, essa parcela da sociedade sofre diversos tipos de preconceitos ao longo da vida, o que limita as perspectivas de carreira. O processo de marginalização, exclusão e de extrema vulnerabilidade, se configura em um problema muito grave que está enraizado na população brasileira. 

Tal processo excludente, que começa muitas vezes dentro da própria casa, afeta a vida dessa pessoa na escola, na saúde, na assistência e nos serviços, fazendo com que acreditem que não tem o direito de acessar mais esses lugares e temem o preconceito que podem estar expostas ao tentar acessá-los.



Para a seleção das alunas no curso, foram analisadas as questões de tecnologia, de vulnerabilidade e de extrema pobreza,  fatores que, muitas  vezes, levam grande parte dessa população para a prostituição como única e última fonte de sobrevivência. Mais que um curso de língua inglesa, We are Jane é uma forma de levar as pessoas trans de volta aos espaços que deixaram de ocupar, como escola, saúde e trabalho.

“Quando a gente fala de dar aulas, nós estamos falando de retornar para aquele campo da escola, nem que seja dentro de um contexto tecnológico, para que essas pessoas aprendam de uma forma mais ampla, saiam do verbo To Be, para aprender de fato uma língua, pelo menos para que ela consiga lá na frente ter oportunidades”, afirma Layza.

Helena aponta que falta mais iniciativas governamentais que garantam os direitos básicos da população trans, para que seja, realmente, inserida na sociedade. Uma vez que também pagam impostos como qualquer outro cidadão, ela quer ver o retorno desse imposto pago em políticas publicas efetivas.

 

“Quando você me pergunta qual que é a importância, é toda. Para uma comunidade que não tem nada, que perde casa, parte, família, estudo, perde tudo, até os órgãos (governamentais) e as leis não te favorecem, quando você tem um mínimo, qualquer ação se torna muito”, afirma Helena. 


Para se inscrever no curso acesse: site
 
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz 




audima