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Estado de Minas

Da ordem de oitiva do colaborador no processo penal


postado em 04/10/2019 04:00

Brunco César Gonçalves da Silva
Advogado e professor de processo penal

O instituto da colaboração premiada firmou-se no processo penal brasileiro suscitando várias discussões acerca de seus contornos, tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial. Um desses aspectos desprovidos de uma base normativa e ainda carente de discussão diz respeito ao momento da oitiva do colaborador na instrução criminal.

Uma vez requerida a oitiva do colaborador, é fundamental atentar-se para os contornos de seu depoimento, especificamente para o momento processual de realização desta oitiva, vez que o colaborador  “deve ser analisado no processo penal como uma categoria própria, pois não se encaixa adequadamente como testemunha (por ter interesse no caso) ou informante (por prestar compromisso de veracidade)” (VASCONCELLOS, 2018), de modo que seu status processual deve ser sempre de colaborador, o que impõe o estabelecimento de uma ordenação específica para sua oitiva em relação às testemunhas e aos acusados, até para se possibilitar na medida devida a busca da corroboração ou fragilização de suas declarações, do que depende a própria aplicação dos benefícios acordados.

O colaborador não pode ser visto como se testemunha fosse, pois não possui a imparcialidade para tanto e, ainda que preste o compromisso de veracidade por imposição do parágrafo 14 do artigo 4º da Lei 12.850/13, isso não afasta sua condição de interessado, o que se ressalta em razão da promessa de concessão de benefício.

Portanto, o colaborador é um sujeito processual distinto dos demais, uma categoria própria, suis generis, pois é motivado pela recompensa, pelo prêmio e, logo, interessado e parcial, de modo que o seu compromisso serve apenas como forma de oposição às garantias que no acordo ele é obrigado a renunciar. Enfim, colaborador não é testemunha, não é “informante”. Colaborador é colaborador. Este é o ponto e é isso que não pode deixar de nortear a estruturação das oitivas na instrução criminal.

Ora, as declarações do colaborador podem constituir prova com potencial de condenação, e se é prova com potencial de condenação tem que ser colocada primeiro. Essa é a única forma de se dar efetividade ao direito ao confronto e assegurar a ampla defesa.

Ademais, a disciplina legal da colaboração premiada fixa que só há benefício para o colaborador se alcançados os resultados. Mas os resultados devem ser causalmente vinculados à colaboração. Se o colaborador não é o primeiro a ser ouvido, essa aferição fica prejudicada. Em havendo colaboração, a instrução servirá para corroborar ou fazer desmoronar o conteúdo das declarações do colaborador, por isso sua oitiva há de ser o primeiro ato da instrução.

Com efeito, primeiro se procede à oitiva do colaborador para depois, através da instrução contraditória, verificar se a prova produzida em juízo corroborará ou não o que ele disse. Não se produz primeiro a prova em juízo para que depois possa o colaborador guiar-se pela mesma para parecer coerente. Se suas declarações precisam ser corroboradas (ou desacreditadas), obviamente deve ela ser o primeiro ato da instrução.

Ouvir o colaborador depois de já inquiridas as testemunhas impedirá que o exercício da ampla defesa se estenda sobre eventuais provas por ele indicadas em sua oitiva, pois não terá a defesa a possibilidade de produzir provas ou contraprovas orais em confronto com suas declarações. Isso cria uma verdadeira e ilegal “cilada processual” para os delatados, que veem a ampla defesa ser mandada às favas com tal expediente.

Realizando-se a oitiva do colaborador como primeiro ato da instrução, assegura-se inclusive para ele próprio a possibilidade de efetivo contraditório, na medida em que terá toda a instrução criminal para produzir prova que corrobore suas declarações.

Com essas suscintas considerações, visando contribuir para o amadurecimento do debate acerca do regramento do instituto da colaboração premiada, sustenta-se que em juízo, acaso requerida por qualquer das partes da oitiva do colaborador, tal oitiva deve ocorrer como primeiro ato da instrução criminal, em audiência específica para tal fim.


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