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Estado de Minas

Da Desconsideração da Personalidade Jurídica e seus Aspectos Relevantes


postado em 24/01/2017 11:30

A desconsideração da personalidade jurídica é um dos temas mais perquiridos pelos estudantes da ciência do direito. Tanto pela repercussão que sua aplicação tem na estrutura da realidade econômica, quanto pelo debate gerado em relação às teorias que tratam sobre seus elementos constitutivos (Maior e Menor), o assunto tem grande incidência nos Exames OAB e Concursos em geral.

O Código Civil trata das Pessoas Jurídicas do art. 40 ao art. 69 no Título II de sua Parte Geral. De acordo com o art. 44, que diz:

?são pessoas jurídicas de direito privado: I ? as associações, II ? as sociedades, III ? as fundações, IV ? as organizações religiosas, V ? os partidos políticos e  VI ? empresas individuais de responsabilidade limitada?.

Desde as noções básicas relativas ao tema dos entes coletivos, as questões sobre sua autonomia jurídica e personificação, aparecem em destaque, mostrando-se então, como um conceito central para compreensão desta universalidade de direito.

Em seu manual de Direito Civil, ao iniciar a discussão sobre as Pessoas Jurídicas, assevera Carlos Roberto Gonçalves [1]: ?A razão de ser da pessoa jurídica está na necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades individuais. Essa constatação motivou a organização de pessoas e bens com o reconhecimento do direito, que atribui personalidade ao grupo, distinta da de cada membro um dos seus membros, passando este a atuar, na vida jurídica, com personalidade própria.? Grifo nosso

Desde a Antiguidade, já se prenunciava sobre a necessidade de considerar os entes coletivos como possuidores de personalidade autônoma em relação aos indivíduos que constituem o agrupamento. Encontram-se neste sentido, ensinamentos do jurisconsulto romano Ulpiano (Digesto): ?se algo se deve a ?universitas?, não deve a cada um de seus membros, nem o que a ?universitas? deve, seus membros devem também.? (Si quid universati debent, singulis non debetur, nec quod debet universitas, singuli debent.)

As teorias Afirmativas (Ficção vs Orgânica) são as vertentes  doutrinárias que buscam justificar a existência da personalidade jurídica. Do lado dos Ficcionistas, a personificação do ente coletivo é entendida como uma obra de ficção, criada pela letra da lei, ou pela doutrina, para possibilitar legalmente a criação das pessoas jurídicas como entes individualizados. Os Organicistas abordam o tema pelo aspecto sociológico, afirmam que a personalidade dos entes coletivos é um fato social, proclamam que a pessoa jurídica se forma por forças externas ao direito, possuindo vontade própria e sendo constatável ao senso comum. Para os organicistas, as pessoas jurídicas são realidades vivas que só se confirmam por meio do ordenamento.

O Código Civil adotou a teoria da Realidade Técnica, doutrina intermediária entre as supracitadas. Admite a caracterização do ente coletivo como parte de uma dinâmica interposta ao direito, inclusive, concebendo-o como princípio Constitucional (liberdade de associação). Entretanto, não deixa de condicionar sua existência e personificação, à exigência do registro de seus atos constitutivos. De acordo com o CC art. 45: ?Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo?

O reconhecimento de que o ente coletivo é um sujeito de direito, distinto da pessoa de seus membros, leva-nos ao conceito de autonomia das pessoas jurídicas.  Sua personalização se exterioriza através de elementos individualizantes próprios, como: nome, domicílio, nacionalidade, capacidade processual, imputabilidade, e, sobretudo, pela separação patrimonial. Assim, a subsidiariedade da responsabilidade dos sócios quanto às obrigações socais, é a regra do Direito Empresarial. Conforme CC art 1.024: ?Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.?.

A incomunicabilidade patrimonial, ou seja, a separação entre obrigações sociais e privadas perfazem-se necessárias ao meio social. Este princípio traz segurança jurídica àqueles que se arriscam na atividade econômica. Especificamente, em relação às sociedades empresariais, a autonomia patrimonial vem como um estímulo, limitando a responsabilidade dos sócios, possibilitando a aferição de riscos, e consequentemente, impulsionando a atividade econômica.

A desconsideração da personalidade jurídica aparece como exceção à regra da autonomia patrimonial. Seu objetivo, em suma, é o de não permitir que pessoas mal-intencionadas, utilizem do instituto da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, para encobrir atividades ilícitas, perpetrar simulações, exercer abuso de direito, ou burlar o Fisco e a lei.

Edilson Enedino das Chagas [2] sintetiza o conceito clássico: ?A fórmula da teoria é bem simples. Quando a pessoa jurídica for usada para fins fraudulentos ou por abuso de direito, restando insolvente, com débito não pago, o magistrado poderá afastar apenas a eficácia do seu ato constitutivo, de maneira que possa autorizar que o débito seja satisfeito com o patrimônio particular dos sócios. A sociedade não restará desconstituída, nem declarada inexistente, afastando-se temporariamente sua autonomia, para responsabilizar pessoalmente os sócios pelas obrigações assumidas em nome da pessoa jurídica.?

A doutrina da disregard of the legal entity tem origem na common law. Os primeiros julgados que fundamentam esta interpretação emergem no Poder Judiciário Inglês (vide: Salomon vs Salomon Co Ltd de 1896). Posteriormente, foi a obra do alemão Rolf Serick [3], que já na metade do séc. XX, tomando como base a jurisprudência norte-americana, encampa a eleição de critérios, criando a técnica até hoje utilizada, para a aferição e aplicabilidade do conceito de desconsideração da personalidade jurídica.

Dentro deste tema, temos entre as teorias Maior e Menor, o primeiro aspecto especifico da desconsideração. As teorias tratam sobre os critérios que deverão ser observados, a fim de se decidir sobre a existência de indícios que legitimem o descobrir do véu da personalidade jurídica. A consequente alteração do centro de imputação dos deveres, fará com que as obrigações sociais de determinada relações, recaiam sobre o patrimônio particular dos sócios.

Embora existam outras referências positivadas no direito pátrio, utilizaremos os art. 50 (CC) e o art. 28 § 5o (CDC), pois corporificam o conceito das supracitadas doutrinas. De acordo com o art. 50 ? CC: ?Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.?

O art. 50 do Código Civil, tratado como cláusula geral, coaduna-se com a Teoria Maior. Seu critério é subjetivo, devendo ser tratado como regra na observação da matéria. O abuso de direito (art. 187 ? CC) no uso da personalidade jurídica, que ultima por ocasionar o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, encontram-se como núcleos conceituais para legitimação da aplicação do conceito da desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com esta intepretação, não bastará ao credor provar a insolvência da pessoa jurídica, ou mesmo a extinção irregular de sua atividade, restará imprescindível demostrar o aspecto volitivo da parte ré, devendo evidenciar o objeto fraudulento ?por de trás? das atividades do ente coletivo.

O art 28 § 5º do Código de Defesa ao Consumidor filia-se a Teoria Menor. De acordo com o citado artigo: ?Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores?. Eivado pelo teor protecionista do Código do Consumidor, o dispositivo funda-se no conceito de hipossuficiência do consumidor para determinar a desconsideração da personalidade jurídica. Não exige a identificação do abuso de direito, o critério menor é objetivo, bastando que haja insolvabilidade da pessoa jurídica, e consequente impossibilidade de quitação do débito com os bens sociais, para que se legitime a alteração do centro de imputação das obrigações.

A excepcionalidade na aplicação da disregard of the legal entity é outro aspecto relevante.  A desconsideração da personalidade, não se confunde com a desconstituição da pessoa jurídica. Somente determinadas obrigações, relativas a determinadas relações, sofrem os efeitos da desconsideração. Havendo julgado procedente, o magistrado não julgará extinta a pessoa jurídica, mas tão somente, que certas obrigações recaiam sobre o patrimônio pessoal dos sócios.

Vale ainda citar o conceito de desconsideração inversa. Neste caso é o patrimônio social que se verá acometido por obrigações pessoais. É comum verificar a necessidade da aplicação deste conceito nas relações conjugais e de união estável.

Guilherme Júlio Borda [4] sintetiza bem a questão: ?manobras fraudatórias de um dos cônjuges que, valendo-se da estrutura societária, esvazia o patrimônio da sociedade conjugal em detrimento do outro (no mais das vezes o marido em prejuízo da esposa) e, assim, com colaboração de terceiro, reduz a zero o patrimônio do casal?. Ainda, de acordo com assunto, vide o Enunciado n. 283 da Jornada de Direito Civil: ?é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ?inversa? para alcançar bens do sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros?.

O ultimo aspecto é processual. O Código de Processo Civil contextualizou a desconsideração da personalidade jurídica, entre os art. 133 e art. 137 (CPC ? Título III ? Capítulo IV ? Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica).

Por tratar de matéria de ordem particular, o pedido de desconsideração da personalidade deverá ser requerido pelas partes interessadas ou pelo Ministério Público. Nunca poderá ser gerado ex oficio por incentivo próprio do magistrado. De acordo com o art. 133 ? CPC: ?O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo?

O pedido de desconsideração de personalidade jurídica não necessita ser instaurado por meio de ação autônoma, o novo CPC é claro ao demonstrar seu caráter incidental, permitindo o requerimento através do processo. A decisão de desconsideração é interlocutória, sendo o recurso correto o Agravo de Instrumento. De acordo com o art. 134 ? CPC: ?O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial?.

Devido ao resultado danoso gerado pela ruptura da incomunicabilidade patrimonial,  reprisa-se que o ordenamento preocupou-se em resguardar o contraditório e a ampla defesa da parte passiva,  garantindo-lhe 15 dias para que possa se opor ao pedido. De acordo com o art. 135 ? CPC: ?Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias?.

Por fim, resta-nos advertir sobre o desafio imposto a aplicação da disregard of the legal entity.  O princípio da autonomia patrimonial demonstra-se essencial para fomentar a atividade empresarial. As pessoas jurídicas tem relação difusa com toda a sociabilidade, destacando o Direito Empresarial, as sociedades empresarias produzem bens e serviços imprescindíveis ao convívio social. Ainda que o lucro seja do empresário, os benefícios da atividade empresarial irradiam através do emprego, na cadeia de fornecedores e pelo consumo.

A crítica que se faz, é de que a banalização no uso deste instituto pode causar o esvaziamento da atividade empresarial, demonstrando-se assim, como um verdadeiro desserviço à ordem econômica. A impossibilidade da aferição de risco, ultimaria pelo aumento no preço de bens e serviços ao consumidor.  A desconsideração da personalidade jurídica deve, então, ser tratada a luz de um capitalismo social, onde preservada a segurança jurídica, existam critérios claros para a avaliação do uso abusivo da pessoa jurídica. Não se permitirá o falseamento de um direito, mas, por outro lado, não se punirá o insucesso.

 

[1] Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Esquematizado, v 6

[2] Edilson Enedino das Chagas, Direito Empresarial Esquematizado, v 3

[3] Rolf Serick, Aparencia y realidad en las sociedades mercentiles

[4] Guilherme Júlio Borda, La persona jurídica y el corrimiento del velo societario


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