A Lei 13.281/2016 e a mitigação inconstitucional da presunção de inocência

Fato Juridico

Foi publicada no Diário  Oficial da União, em cinco de maio de 2016, com 180 dias de vacância para a maior parte do seu conteúdo,  a Lei 13.281, que altera disposições do Código de Trânsito Brasileiro e a Lei 13.146/2015.

Dentre os dispositivos que alteram o CTB, está o que institui em tal diploma o art. 165-A, com o seguinte teor:

ART. 165-A.  RECUSAR-SE A SER SUBMETIDO A TESTE, EXAME CLÍNICO, PERÍCIA OU OUTRO PROCEDIMENTO QUE PERMITA CERTIFICAR INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL OU OUTRA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA, NA FORMA ESTABELECIDA PELO ART. 277:
INFRAÇÃO ? GRAVÍSSIMA;
PENALIDADE ? MULTA (DEZ VEZES) E SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR POR 12 (DOZE) MESES;
MEDIDA ADMINISTRATIVA ? RECOLHIMENTO DO DOCUMENTO DE HABILITAÇÃO E RETENÇÃO DO VEÍCULO, OBSERVADO O DISPOSTO NO § 4º DO ART. 270.
PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE EM DOBRO A MULTA PREVISTA NO CAPUT EM CASO DE REINCIDÊNCIA NO PERÍODO DE ATÉ 12 (DOZE) MESES.

Ocorre que tal dispositivo está em flagrante inconstitucionalidade. Vejamos o art 5°, LVII, da Constituição Federal:

LVII ? NINGUÉM SERÁ CONSIDERADO CULPADO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA;

Como corolário da máxima efetividade dos direitos fundamentais, há que se entender o direito à presunção de inocência não apenas no âmbito penal, mas em todos os âmbitos em de contato entre o Estado e o indivíduo.

Isso porque a garantia do devido processo legal se aplica a todos os tipos de processo, e se é cabível ao mais (processo judicial), sem sombra de dúvidas deve caber ao menos (processo administrativo).

O ônus da prova, no caso em tela, é do Estado, que tem de produzi-la de maneira lícita,  sob risco de nulidade da prova obtida por meio de coerção. Isso porque a recusa do condutor em produzir prova contra si mesmo não pode permitir ao agente público a aplicação da sanção a título de suspeita. Deve prevalecer, no caso, a proteção ao direito  de permanecer calado, que é um direito fundamental de resistência, limitador da atuação do Estado.

Estabelece o próprio CTB, em seu art. 277, § 2°:

§ 2º A INFRAÇÃO PREVISTA NO ART. 165  TAMBÉM PODERÁ SER CARACTERIZADA MEDIANTE IMAGEM, VÍDEO, CONSTATAÇÃO DE SINAIS QUE INDIQUEM, NA FORMA DISCIPLINADA PELO CONTRAN, ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA OU PRODUÇÃO DE QUAISQUER OUTRAS PROVAS EM DIREITO ADMITIDAS.

É evidente que numa situação em que condutor abordado por agente de trânsito se recuse a ser submetido ao teste do bafômetro existem outros meios menos gravosos de produzir as provas, quais sejam, o testemunho, o auto de constatação lavrado pelo agente, entre outros, elencados no próprio dispositivo, que não dependam de conduta ativa do condutor na produção de eventuais provas contrárias a ele.

Também se ressalta que a mera suspeita não é suficiente para confrontar o princípio da presunção de inocência àqueles que se refiram à segurança ou ao interesse público, de maneira que deve prevalecer, por qualquer ângulo, em tal circunstância, o direito individual de não autoincriminação, posto que oponível a qualquer autoridade ou agente público.

Se o art. 60 da CF, em seu § 4º, IV, veda a possibilidade de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, não há que se entabular longa discussão para falar do tocante à proposta de lei ordinária com tal tendência. Estamos, novamente, a falar do mais  e do menos, e se a proposta em escala constitucional é vedada, há de o ser, com muito mais força, a de nível infraconstitucional.

Desta maneira, é inconstitucional toda norma que afronte o princípio da presunção de inocência e a garantia de não autoincriminação e, portanto, o  art. 165-A do CTB, com a redação dada pela Lei nº 13.281/2016, por ser inconstitucional, não pode produzir efeitos, sejam eles penais ou administrativos.


REFERÊNCIAS:

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da não autoincriminação: significado, conteúdo, base jurídica e âmbito de incidência. Disponível em: https://www.lfg.com.br. 26 janeiro. 2010. Acesso em 06/05/2016.

ROSA, Emanuel Motta da. Alguns questionamentos sobre o Código de Trânsito  Brasileiro. Disponível em: https://emanuelmotta.jusbrasil.com.br/artigos/121943618/alguns-questionamentos-sobre-o-codigo-de-transito-brasileiro. Acesso em 06/05/2016.

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