Jornal Estado de Minas

DO CAMPO AO COPO

Lúpulo: produção em MG revoluciona mercado cervejeiro

A Mundo Hop, em Mateus Leme, espera colher 15 mil quilos neste primeiro ano (foto: Rafaela Nassam/Divulgação)
Quantas vezes se falou que não dava para plantar lúpulo no Brasil? Tantas que virou uma verdade no mundo cervejeiro. Com a visão e a coragem de uns, o que parecia impossível virou realidade para todos. Minas Gerais agora cultiva um dos mais importantes ingredientes da cerveja. Encurtando a distância entre o campo e o copo, a bebida fica muito mais fresca.



O lúpulo é o “tempero” da cerveja. Vêm dele o sabor amargo e o aroma característicos. Dizem que a planta surgiu na China há três mil anos antes de Cristo. Quando chegou à Grécia, começou a ser usado em saladas.

Foi na Alemanha que passou a fazer parte da produção de cervejas. “O lúpulo entrou na cerveja por questões medicinais. As águas eram de qualidade muito ruim e, com as suas características antibióticas, impedia que as pessoas passassem mal”, relata Thiago Fenelon, cofundador da Mundo Hop.

Pensando nisso, em 1516, o duque da Baviera, Guilherme IV, promulgou a “Lei da Pureza da Cerveja”, determinando que todas as misturas tinham que ter água, malte de cevada e lúpulo. Desde então, é raro encontrar um rótulo sem a planta.



Quase todo o lúpulo usado no Brasil é importado, vindo principalmente dos Estados Unidos e Alemanha, que são os maiores produtores do mundo.

Essa história começou a mudar nos anos 2000, quando o engenheiro agrônomo Rodrigo Veraldi contrariou a tese de que era impossível o cultivo por aqui e plantou as primeiras mudas na Serra da Mantiqueira. O objetivo era produzir cerveja para o seu restaurante, Entre Vilas, que fica em São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo.
 
Engenheiro mecânico, Thiago trabalhava com inovação em São Paulo. “Olhava para a fazenda dos meus avós e me perguntava o que poderia fazer com mais valor agregado”, conta, referindo-se a uma área de mil hectares em Mateus Leme, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde o forte são gado e madeira.

Em 2018, depois de saber de iniciativas na Serra da Mantiqueira, ele chamou Gabriel Purri, seu amigo de longa data, para um novo desafio.

Os sócios gostavam de tomar cerveja, mas não foi por isso que abriram a Mundo Hop. Viram no lúpulo uma oportunidade de impactar um mercado em ascensão, com a vantagem de serem vizinhos de BH e Nova Lima, que formam um importante polo cervejeiro.



“Estudamos muito o mercado de cervejas artesanais e vimos que os 1,5% que temos hoje no Brasil eram o mesmo que os Estados Unidos tinham nos anos 1980. De lá para cá, eles conseguiram chegar a cerca de 20%”, aponta Thiago.

O lúpulo da Fazenda Cervejeira é usado na produção de oito rótulos da Stadt Jever (foto: Cintia Magalhães/Divulgação)
Com a ajuda de um agrônomo especializado em lúpulo, a dupla preparou o solo, com calcário e muita matéria orgânica, para receber as mudas vindas dos Estados Unidos.

Nesse meio tempo, Thiago e Gabriel tiveram que lidar com a descoberta de doenças e chegaram a perder praticamente toda a plantação, mas conseguiram driblar os problemas e fazer com que o campo se tornasse produtivo. A Mundo Hop cultiva hoje sete variedades, que somam 10 mil plantas em quatro hectares.

O lúpulo é uma trepadeira que atinge seis metros de altura. Para guiar o seu crescimento, que, de tão rápido, chega a 35 centímetros por dia, utiliza-se barbante. Lâmpadas ficam acesas na plantação todos os dias, das 17h à meia-noite, para que a planta receba as necessárias 18 horas de luminosidade.



“O lúpulo não é de clima frio, é do verão dos países de climas amenos. Ou seja, gosta de calor”, esclarece Thiago.

Diferentemente dos outros países, que trabalham com uma única safra, seguindo as condições climáticas (a planta cresce por quatro meses e fica oito meses hibernando), os mineiros conseguem ter três safras anuais. Isso porque o lúpulo recebe a iluminação adequada e nunca hiberna.

Este é o primeiro ano de colheita comercial na Mundo Hop, que começou em janeiro, teve uma segunda etapa em maio e vai terminar em setembro. A expectativa é somar 15 mil quilos no fim do ano.

Por dentro do lúpulo, existe um pozinho amarelo, a lupulina, que dá as características marcantes da cerveja (foto: Rafaela Nassam/Divulgação)
Os trabalhadores sobem em andaimes para acessar o ponto mais alto da planta, que chega inteira ao galpão de beneficiamento. Uma máquina colheitadeira alemã de 1972, restaurada por uma empresa polonesa, faz o trabalho de separar caules e folhas (que vão para compostagem) da flor (única parte usada).

Por dentro das pétalas em um tom verde-claro, existe um pozinho amarelo, a lupulina, que dá as características marcantes da cerveja. No aroma, lembra muito manga, maracujá e outras frutas amarelas.

As flores colhidas durante o dia ficam a noite secando em uma máquina que Thiago e Gabriel inventaram. No dia seguinte, elas são trituradas e prensadas no processo de peletização, ou seja, transformam-se em pastilhas cilíndricas, no formato de uma rolha de vinho. Os lotes passam por análise química para avaliar suas características sensoriais e ficam armazenados em uma câmara fria.



Vencidas as barreiras no campo, o desafio agora é no asfalto com os cervejeiros. “A maior barreira do mercado não é quem nunca usou lúpulo brasileiro, mas quem já usou e fala que não é bom. O que produzimos nos dois primeiros anos era ruim mesmo, mas conseguimos qualidade com pesquisas e investimentos no processo de beneficiamento”, aponta Thiago.

O que anima é saber que quem testa se impressiona com a diferença de trabalhar com lúpulo fresco, colhido no dia anterior. Em geral, os importados chegam ao Brasil dois anos depois da colheita.

Um passo à frente

Mais de 10 cervejarias já estão usando o lúpulo da Mundo Hop, entre elas a Capapreta, que rapidamente substituiu os importados pelos mineiros em 95% da sua produção. “O Brasil é um potencial agrícola e tenho certeza de que, em breve, vai figurar entre os cinco maiores produtores de lúpulo do mundo. A gente só se adiantou a isso. Somos uma cervejaria que sempre gostou de inovar e colhemos bons resultados com essa coragem”, diz o fundador, Lucas Godinho.

A Cervejaria Capapreta já usa lúpulo mineiro em 95% da sua produção (foto: Rafaela Nassam/Divulgação)
No dia em que visitou a fazenda, Lucas se surpreendeu com o que viu. Voltou com 10 quilos de lúpulo, em dois dias estava produzindo cerveja e lançou os primeiros rótulos no mês passado.



“Lá na plantação já entendi que tinha um insumo muito bom em mãos e que não fazia mais sentido comprar de fora se tinha no nosso 'quintal'. Você fomenta a economia local, traz características do seu terroir para o copo de cerveja, como acontece com o vinho, e ganha frescor”, analisa.

Em pouco tempo, a cervejaria mudou a receita de seis rótulos e criou mais um, a Savassi Brew, no estilo brazilian pale ale. “Essa cerveja foi criada para atender o churrasco caseiro do cervejeiro. É leve e fácil de beber. Faz algum tipo de referência à pilsen, só que fica muito mais interessante”, explica, destacando que o lúpulo brasileiro caiu como uma luva em uma cerveja de estilo brasileiro.

Nos bares da cervejaria (Savassi, Buritis e Vila da Serra), é unânime a percepção de que as novas receitas transmitem mais frescor.

“O que acontece é que no Brasil consumimos lúpulo plantado há dois, três anos. Agora a gente tem a possibilidade de colher num dia e fazer cerveja no outro, e o frescor do ingrediente aparece no copo. É igual comprar morango congelado para fazer suco ou pegar uma bandeja com morango colhido na semana”, compara.



O único limitador não tem a ver com qualidade, mas com variedade. O Brasil ainda produz poucas espécies de lúpulo, por isso a Capapreta não consegue substituir 100% da produção. No caso da English Pale Ale, cerveja no estilo extra special bitter, os lúpulos continuam a vir da Inglaterra.

“Criamos essa cerveja para ser uma réplica do que os ingleses fazem, então essa receita é intocável, porque tem a característica dos lúpulos ingleses. Não consigo substituir”, ressalta.

Fazenda urbana

José Felipe Carneiro está no ramo cervejeiro desde 1999. Fez história à frente da Wäls e agora aposta na produção de lúpulo. “Faltava alguém com coragem, loucura e conhecimento suficientes para encarar o desconhecido, e essa pessoa é o Zé Felipe. Para você ter uma ideia, a fazenda era um aterro sanitário”, conta o empresário José Pedro Leite Fontes, sócio da Fazenda Cervejeira, que fica no Bairro São Francisco, Região da Pampulha, em BH, e funciona aos sábados e domingos.

Nada melhor que churrasco para acompanhar os chopes com lúpulo fresco da Fazenda Cervejeira (foto: Henrique Suarez/Divulgação)
Inaugurada há um ano, a Fazenda Cervejeira tem o diferencial de ser dentro da cidade. Lá, são cultivadas 13 espécies, usadas na produção da cervejaria do Stadt Jever, que pertence ao pai de José Felipe, Miguel Carneiro.



O público tem a chance de tomar chopes com lúpulo fresco, conhecer a plantação e acompanhar a colheita. “A cerveja é uma das bebidas mais queridas do Brasil e é gratificante ver a alegria das pessoas colocando pétalas das flores de lúpulo no copo delas.”

Para acompanhar os chopes, nada melhor do que churrasco. Comandada pelo chef Cristóvão Laruça (Caravela, Turi e Capitão Leitão), a cozinha da Fazenda Cervejeira é toda baseada em fogo e brasa.

“Temos o fogo de chão com costela, como se faz no Sul do Brasil, Argentina e Uruguai. É impactante quando o cliente entra e se depara com o varal de carnes”, descreve. Além da costela, galeto e leitão. Da parrilla, saem cortes como flat iron e picanha.



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No meio da plantação de lúpulo, você pode comer o famoso american barbecue, de origem texana. Entre as opções, peito bovino, cupim e costelinha de porco. Cristóvão já está desenhando novidades para o mês que vem. O projeto é abrir mais uma cozinha para explorar o lúpulo como ingrediente da comida. “A ideia é trazer a cerveja para dentro do prato”, adianta.

Além da plantação em Carmo da Cachoeira (MG), de onde vem o maior volume de produção, os sócios estão replicando pelo país o modelo de fazenda com restaurante. No mês que vem, será inaugurada a Fazenda Cervejeira em Ouro Preto. A unidade em Maceió (AL) está prevista para dezembro e a de Domingos Martins (ES) até janeiro. Segundo José Pedro, o plano é lançar franquias no ano que vem.

Ceviche de tilápia com chips de batata-doce roxa para harmonizar a cerveja Savassi Brew (Daniella Mira – chef dos bares da Cervejaria Capapreta)

Ingredientes
150g de filé de tilápia; 35g de cebola roxa cortada em fatias bem finas; suco de ½ limão taiti; suco de 1 limão siciliano; 2 colheres de sopa de azeite; 3g de raspas de gengibre; 1g de pimenta dedo-de-moça sem semente picada; 15g de aipo fatiado bem fininho; 20g de pimentão vermelho picado; 50g de manga tommy em cubinhos; sal e pimenta-do-reino a gosto; 10g de cheiro verde picado; 3g de coentro picado

Modo de fazer
Pique a tilápia em cubos. Tire toda a semente do pimentão vermelho e da pimenta dedo-de-moça e pique em cubos bem pequenos. Pique a cebola roxa bem fininha, o aipo em fatias e a manga em cubos e reserve. Em um bowl, faça uma mistura com os limões espremidos, o sal, as raspas de gengibre e o azeite. Acrescente a tilápia picada. Deixe marinar por uns cinco minutos. Adicione os demais ingredientes à mistura da tilápia marinada. Sirva o ceviche com chips de batata-doce roxa.