Jornal Estado de Minas

VERMELHO EXÓTICO

Lichias produzidas em fazenda na Grande BH chamam a atenção do mundo


Mateus Leme – “Você tem uma joia na mão”, disse o comprador de frutas exóticas. Patrícia Nogueira estava em Dubai para apresentar suas lichias ao mundo. Ouvir aquela frase foi muito encorajador para quem teve que desbravar um mercado desconhecido e enfrentar vários obstáculos.



A partir deste encontro, ela decidiu investir no negócio a ponto de se tornar referência no Brasil com a Red Lychee, que acaba de inaugurar um empório em Belo Horizonte. Sim, vai ter lichia o ano inteiro.


A Fazenda Olhos D'Água ocupa uma área de 300 hectares de mata atlântica em Mateus Leme, na Grande BH, a 60 quilômetros da capital. Seu nome se refere às nascentes que formam dois enormes lagos.

Ali, são cultivadas as primeiras lichias brasileiras com certificação internacional, que atesta boas práticas agrícolas. Com esse selo, as frutas são qualificadas para exportação. Pela primeira vez, neste ano, elas estão a caminho do Reino Unido, considerado o mais exigente mercado do mundo.

Antes de colher os frutos de um sonho, Patrícia ouviu muitos “nãos” e chegou a pensar em desistir. Especializada em microbiologia, a mineira de Pitangui trabalhava com vinhos até assumir a plantação de lichia.



A colheita, toda manual, começou há três semanas (foto: Élcio Jr/Divulgação)

De cara, teve que enfrentar o desconhecido, já que nunca tinha visto, muito menos comido a fruta. Seu marido, o médico Cássio Nogueira, um apaixonado pela natureza, havia plantado, sem nenhuma expectativa, cinco sementes colhidas na área de uma mineradora da região.

Três anos depois, um agrônomo de São Paulo, em visita para avaliar o potencial produtivo da fazenda, viu os pés de lichia e profetizou: “Isso pode dar certo aqui”, conta Patrícia. Pela análise do especialista, a região tinha um clima mais frio e muita água.

Em 2008, eles plantaram dois mil pés de lichia. Dois anos depois, estruturaram um segundo pomar, com dois mil e quinhentos pés. A primeira safra, em 2013, rendeu oito toneladas.

Para vender toda a produção, Patrícia tinha que ir todos os dias ao Ceasa, em Contagem. “Como não conhecia direito o mercado, aceitava qualquer preço que me ofereciam.”



Os anos se passaram e, com mais experiência, ela passou a vender as lichias em bandejas embaladas em plástico, o que aumentava a durabilidade. Assim, tinha mais tempo para negociar com os compradores e recusar ofertas pouco atrativas. Mas isso ainda não era o ideal.

“Será que devo desistir?”

O desejo da produtora era focar em exportação. Para isso, precisava rever suas estratégias. Mas a safra de 2018 parecia enterrar qualquer plano: naquela época, foram colhidas apenas duas toneladas. “Será que devo desistir?”, ela se questionava. 

A lichiada se transforma em brigadeiro na torta de chocolate com caramelo da chef Carol Machado (foto: Renata Melo/Divulgação)

No ano seguinte, Patrícia decidiu visitar feiras de frutas em Dubai e na China para entender o mercado internacional e descobrir se suas lichias seriam bem-aceitas.



Aqui voltamos ao início do texto, quando, em uma atitude impulsiva, ela bateu na porta do escritório do comprador que não havia aparecido em uma reunião marcada com antecedência. Por sorte, foi recebida e ouviu dele um incentivo.

O que mais chamava a atenção deste comprador era a cor naturalmente vermelha das lichias. Naquela conversa, a brasileira descobriu que muitos produtores usavam produtos químicos para interferir na coloração da casca.

O nome Red Lychee, inclusive, tem a ver com isso. Surgiu quando Patrícia participava de uma feira de frutas em Berlim. “Deixei os folders da fazenda no estande e fui dar uma volta. Quando retornei, soube que todo mundo queria falar com a mulher da lichia vermelha.”



Mercado existia, faltava a certificação internacional para vender em todo o mundo. No caminho, um grande obstáculo: não havia regulamentação no Brasil para o uso de defensivos agrícolas para lichia. Mais que isso, o cultivo da fruta não era legalmente reconhecido.

Patrícia batalhou até conseguir, com a ajuda do agrônomo da fazenda, que o Ministério da Agricultura enquadrasse a lichia como “minor crop” (em português, pequena cultura), criando regras específicas para o setor. 

O plano de exportação, enfim, germinou. Na primeira remessa, a Red Lychee vendeu 20 toneladas para Kuwait, Alemanha, França e Holanda.

Em 2021, ano de muita chuva e safra recorde, com 310 toneladas, surgiu um problema inesperado: a formação de fungos na casca dois dias após a colheita.



Plástico microperfurado

A solução foi importar de Israel um plástico microperfurado a laser que permite a respiração da fruta durante o transporte (por segurança, o tempo máximo até o país de destino tem que ser três dias).

A fábrica de chocolates Ambar desenvolveu uma barra com pedaços de pâte de fruit de lichia (foto: Renata Melo/Divulgação)

“Quanto menos umidade, menor o risco de fungos”, explica Patrícia, orgulhosa em dizer que foi a pioneira no uso desta embalagem no Brasil. Com isso, o frescor da fruta se mantém por cinco a sete dias em temperatura ambiente e até 15 dias em refrigeração.

A busca por melhorias continua. Cinco meses atrás, Patrícia foi a Israel visitar fazendas de lichia e fábricas de embalagens para identificar o que existe de mais avançado em tecnologia.

Em paralelo, estuda o cultivo de lichia da Austrália. Lá, os produtores conseguem prolongar a safra, que ocorre de outubro a fevereiro, plantando espécies diferentes. “É o que estamos tentando fazer”, revela.



Entre os 4,5 mil pés de lichia, divididos em dois pomares, há cinco espécies diferentes. A única comercializada no momento é a bengal. As outras quatro estão em fase de estudos.

Possivelmente, a próxima a entrar no mercado será a B3, que tem casca mais amarela e uma acidez mais presente. Segundo Patrícia, é muito valorizada na Europa por ter mais polpa.

A movimentação nos galpões da Red Lychee está intensa nestes dias. A colheita, toda manual, começou há três semanas e as frutas passam por uma triagem minuciosa antes de serem embaladas e endereçadas para São Paulo, Reino Unido, Canadá, França e Alemanha.

Apesar da previsão de baixa produtividade nesta safra (menos de 100 toneladas), Patrícia olha para o futuro com otimismo. Enquanto percorre os pomares de quadriciclo, suspira de felicidade ao ver seu sonho dar frutos vermelhos e doces.

Várias possibilidades

Por dentro da casca vermelha, existe uma polpa branca, suculenta e adocicada. Originária da China, a lichia é uma fruta exótica pouco consumida pelos brasileiros. Tem período de safra curto, normalmente entre dezembro e janeiro, e por isso se torna cara.



Colhidas manualmente, as frutas passam por uma triagem minuciosa antes de serem embaladas (foto: Élcio Jr/Divulgação)

Patrícia Nogueira quer mudar essa realidade com o recém-inaugurado Empório Fazenda Olhos D'Água, no Bairro Belvedere, em BH. Lá, ela vai oferecer a fruta o ano todo e de forma mais acessível.

“Queremos dar a oportunidade para a população brasileira conhecer a lichia em diferentes possibilidades, criando memórias com uma fruta exótica”, resume a fundadora da Red Lychee.

Fora a fruta in natura, encontrada apenas no período de safra, os consumidores podem comprar na loja a polpa congelada e outros tantos produtos à base de lichia, como geleias e doces.

A ideia é explorar nas receitas toda a diversidade do pomar da fazenda, construído ao longo de quatro décadas pelo marido de Patrícia, Cássio. Sempre que viaja, ele traz na mala alguma semente ou muda.

Para se ter uma ideia, lá existem mais de 80 espécies de manga, mais de 12 espécies de abacate, mais de 10 espécies de banana e mais de mil pés de coco, além de limão, mexerica, laranja, açaí e frutas mais raras, como uvaia, jabuticaba branca, pitanga preta e mini romã.



Alquimista dos sabores

Izabela Garcia é a responsável pelo setor de pesquisa e desenvolvimento de produtos da Red Lychee.

Apesar de ter feito vários cursos, incluindo confeitaria na Le Cordon Bleu, em Paris, ela não se define como chef nem gastrônoma. Diz ser uma alquimista dos sabores, que se movimenta pela curiosidade e segue a intuição para criar as receitas.

Uma das opções fora da safra é comer a lichia desidratada (foto: Renata Melo/Divulgação)

Sócia da fábrica de chocolates Ambar, Izabela conheceu a Red Lychee quando foi procurada para uma parceria, que rendeu dois produtos: um bombom recheado com geleia e ganache de caramelo de lichia e uma barra com pedaços de pâte de fruit de lichia.

“Quando fui visitar a fazenda, a Patrícia falou: amei os chocolates, mas tenho muita lichia e preciso de alguém para desenvolver mais produtos.”

Em um mês, a pesquisadora criou seis receitas. Além da espécie exótica, ela sugeriu usar frutas bem conhecidas do pomar, para que as pessoas se identificassem facilmente com os produtos.



Assim, surgiram os doces de lichia com banana e com manga e as geleias de lichia com maracujá e laranja (essa última é usada para fazer bala).

Ainda encontramos sucos variados de lichia (um deles com uvaia), bolo à base de farinha de amêndoas e ovos da fazenda e lichia desidratada, que também aparece na paçoquinha (com amendoim triturado e um toque de sal) e mel com flor de lichia.

Em parceria com a Mimo di Latte, a loja vende picolés como o de amendoim com doce de lichia (lichiada).

“Acho que a lichia combina com a grande maioria das frutas por causa do dulçor”, observa Izabela, que, aos poucos, vai testando novas combinações e receitas.

Entre os próximos lançamentos, podem estar algumas das suas primeiras criações, entre elas kombucha, caramelo e compota de lichia.

Disponível o ano todo, a polpa congelada leva muita praticidade para a cozinha. Com ela, dá para fazer em casa, como ensina a pesquisadora, sucos, bolos, ceviche, sorvete e smoothie (veja abaixo), além de usá-la para finalizar saladas, iogurte e outros pratos.

Smoothie de lichia (Izabela Garcia)

Ingredientes
1 banana; 10 lichias; 1/2 xícara de iogurte; 1/2 xícara de leite; 1/4 xícara de suco de laranja; 2 colheres de chá de mel

Modo de fazer
Retire a polpa das lichias. Bata todos os ingredientes no liquidificador e sirva na sequência.

Serviço

Empório Fazenda Olhos D'Água
Avenida Paulo Camilo Pena, 359, Belvedere
(31) 99985-0795