Jornal Estado de Minas

FAÇAM SUAS APOSTAS

Mineiros buscam o ouro em concurso mundial de queijos

 

Ganhar uma medalha não significa apenas ter a qualidade do trabalho reconhecida. Os prêmios, ainda mais internacionais, têm o poder de transformar a vida de produtores, assim como a história de uma região, estado ou país. Mais uma oportunidade bate à porta com a segunda edição do Mundial do Queijo do Brasil, que será realizado, de quinta a domingo, em São Paulo. Cerca de 1,2 mil queijos de várias nacionalidades concorrem ao título de melhor do mundo.





 


“Quando Minas ganhou a primeira medalha e isso desbloqueou uma questão sanitária, além de melhorar a vida de pequenos produtores, entendi o poder dos concursos”, destaca a presidente da associação SerTãoBras e organizadora do mundial no Brasil, Débora Pereira. Mineira de Ponte Nova, há 11 anos ela mora na França e dá aulas em duas escolas de queijo.


Tudo começou em 2015, na segunda edição do Mundial do Queijo de Tours, na França, quando Débora pediu para inscrever queijos mineiros. Naquela ocasião, ela tinha em casa o Capim Canastra (São Roque de Minas) e o Catauá (Coronel Xavier Chaves).


“Não tinha nenhuma documentação, mas expliquei para a organização que a participação seria muito importante para ajudar na luta dos produtores”, relembra a mineira, integrante da organização Guilde Internationale des Fromagers, que reúne mais de oito mil profissionais ligadas ao queijo e promove os principais concursos do mundo.





O queijo da Serra da Canastra ganhou a medalha de prata que faria história. O produtor, Guilherme Ferreira, esperava havia dois anos o certificado do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). “A notícia se espalhou como pólvora e, nove horas depois, o Guilherme recebeu a certificação”, conta Débora, que ficou impressionada com a repercussão do prêmio.

 

Com apenas quatro anos de história, a queijaria Cana Velha já se destacou pelo trabalho de maturação com café (foto: Helena Melo/Divulgação )

Na edição seguinte, em 2017, Minas Gerais ganhou 12 medalhas, sendo uma super ouro, com o queijo Senzala, de Sacramento. Débora viu Marly Leite, a produtora, virar uma “celebridade” do queijo.

 

“Em uma segunda oportunidade, constatei que as medalhas continuavam tendo um impacto grande. Quem ganhava melhorava de vida e isso estava provocando uma revolução social nas famílias produtoras de queijo”, aponta. Os mineiros levaram 50 medalhas em 2019 e 40 em 2021.





Com o desejo de ver o sucesso queijeiro ser compartilhado entre mais pessoas, Débora teve a ideia de criar o Mundial do Queijo do Brasil e contou com o apoio da Guilde Internationale des Fromagers, que cedeu protocolos, regulamentos e fichas de avaliação. Araxá foi a cidade escolhida para a primeira edição, em 2019, com 953 queijos inscritos. Minas abocanhou 154 medalhas, sendo sete super ouro.


Não é difícil de comprovar o impacto das premiações na vida dos produtores. Para Christiane Brandão, da queijaria Maria Nunes, em Santo Antônio do Itambé, as duas medalhas de prata em mundiais (França e Brasil) são um “divisor de águas”. Por vários motivos.

 

Antes de mais nada, o reconhecimento internacional se converteu em força para continuar a empreender no campo. “Sou a primeira mulher da família a tomar frente da produção de queijos. É um orgulho poder honrar os meus antepassados”, diz.





 

'Quando Minas ganhou a primeira medalha e isso desbloqueou uma questão sanitária, além de melhorar a vida de pequenos produtores, entendi o poder dos concursos', destaca a presidente da associação SerTãoBras e organizadora do mundial no Brasil, Débora Pereira (foto: Arnaud Sperat Czar/Divulgação)

Desde nova, seu sonho era trabalhar com queijos, mas, diante da resistência do pai, ela veio estudar na capital. Christiane só voltou para a roça depois de ficar “sem chão” com o assassinato do pai. Decidiu se estabelecer na fazenda e reativou a queijaria. Com isso, resgatou a tradição da família (ela é da quinta geração de produtores de queijo) e memórias de infância. “Era 'piolho' de quatro de queijo. Ficava lá espionando o vaqueiro para comer a massa”, conta a “queijólatra” assumida.


A produtora deu uma guinada na produção quando conheceu a técnica de “afinar” ou maturar queijos. Com isso, passou a produzir um com casca lisa e outro com casca “florida”, chamada assim pela presença de fungos que se desenvolvem naturalmente. Este último foi o que ganhou as medalhas.


Os prêmios deram visibilidade imediata ao queijo, o que resultou em mais vendas e mais dinheiro para seguir com a construção da queijaria. “Falo que vendo um queijo para comprar um tijolo”, brinca Christiane, que herdou um pedaço de terra sem luz elétrica nem estrada de acesso. Isso não é mais uma preocupação. Hoje a fazenda recebe até grupos de turistas.





Ouro à vista

Além do casca florida, Christiane inscreveu no mundial em São Paulo o seu queijo tipo reblochon, que é uma novidade. Agora torce para ganhar uma medalha de ouro. Assim, terá mais incentivo para melhorar a estrutura da queijaria e dobrar a produção. “Tem gente esperando mais de 40 dias, é um desespero”, comenta a produtora, que vende queijos do Amapá ao Rio Grande do Sul.

 

O queijo Maria Nunes, premiado com duas medalhas de prata em mundiais, tem casca 'florida' (foto: Christiane Brandão/Divulgação )

As duas medalhas (ouro e super ouro) na primeira edição do mundial no Brasil mudaram a história da queijaria Cana Velha, em Entre Rios de Minas. Até então, Helena e Gilbert Melo, que são de BH, produziam no sítio de dois a três queijos por dia, e nem era para vender. Queriam aproveitar o leite que sobrava na geladeira. Com os prêmios, e a avalanche de pedidos que chegaram logo em seguida, eles se empolgaram e decidiram estruturar a fábrica.


“Para nós foi muito bom, aumentou muito a procura pelos queijos. Tinha gente ligando do Brasil inteiro”, conta Gilbert. Naquela época, com 10 meses de existência, a queijaria não tinha leite, quanto mais queijo suficiente. Passados três anos, a produção está em 12 peças, o que ainda não basta para atender a demanda, que já se espalhou pelo Brasil. Os interessados precisam entrar na fila de espera.





A Cana Velha ganhou o ouro com o seu queijo tradicional (massa cozida e cremosa, maturação de 30 a 40 dias e sabor suave) e o super ouro com o queijo maturado com café. “Na casca, que fica bem marrom, dá para sentir um pouco do gosto de café, que lembra defumado. É para quem aprecia um queijo diferente”, descreve Helena. Tem sido o mais vendido.


O casal não para de buscar melhorias. Se não for para se destacar pela tradição (são apenas quatro anos como produtores de queijos), que seja pela qualidade. Por isso, eles se esforçam para entregar o melhor produto possível. Além de investir em insumos importados, trabalham de modo artesanal, manuseando cada peça com todo o cuidado e carinho. “Fazemos um queijo e experimentamos. O que não passa no nosso padrão de qualidade, no olho e no sabor, não sai de lá”, ele conta.

O melhor dos melhores

Depois de Araxá, é a vez de São Paulo receber o Mundial de Queijo do Brasil, que passa a ser realizado de dois em dois anos, em cidades diferentes. A principal atração será o concurso para eleger os melhores queijos do mundo. Na primeira etapa, 180 jurados vão avaliar cerca de 1,2 mil concorrentes. Em seguida, os ganhadores da medalha super ouro concorrem ao prêmio máximo. Na edição passada, venceu o queijo Mandala, da Pardinho Artesanal (SP).





 

Na primeira edição do concurso brasileiro, em Araxá, 953 queijos se inscreveram para concorrer ao prêmio de melhor do mundo (foto: SerTãoBras/Divulgação )

Segundo a organizadora Débora Pereira, este é o único concurso do país que aceita queijos artesanais (a produção ocorre na mesma fazenda de onde sai o leite) e da indústria. Ela se inspirou na França.

 

“No Brasil, o mundo dos queijos artesanais é separado por um abismo do mundo industrial, o que não acontece em outros países. Queremos promover a união para que o setor trate de assuntos de interesse comum.” Como exemplo, o certificado exigido contra tuberculose e brucelose.


Em seis anos, o queijo do Serjão conquistou medalhas de bronze, prata, ouro e super ouro em competições internacionais. E agora, o que esperar? O produtor Sérgio de Paula Alves, de Piumhi, na Serra da Canastra, garante que a responsabilidade só aumenta. “Chegar no topo não é o mais difícil. Já se manter em evidência... Não podemos deixar a peteca cair.”






Além do premiado queijo com casca de mofo branco e interior cremoso, Serjão vai participar do concurso em São Paulo com uma novidade, o meia cura, maturado por 10 dias. “Como é um queijo macio, tem uma textura bem diferenciada. Foge do canastra tradicional”, destaca. Os outros lançamentos da queijaria serão o doce de leite (receita da sua avó) clássico e com café especial.

 

O restaurante Mila, em São Paulo, servirá durante o roteiro gastronômico pasta seca com fonduta de queijos e guanciale (foto: Laís Acsa/Divulgação )

O mundial inova ao trazer dois concursos inéditos no Brasil, de melhor queijeiro (produtor) e melhor queijista (comerciante). Seis candidatos ao primeiro prêmio vão apresentar duas criações, uma usando o leite fornecido pela organização e outra com o leite da própria fazenda.

 

Já o melhor queijista será aquele que ganhar mais pontos em provas que envolvem conhecimentos gerais, harmonizações com bebidas e outros alimentos e a montagem de uma mesa de queijos (avaliada como obra artística).





Em paralelo, serão realizadas conferências técnicas, mesas redondas, degustações e feiras para a venda de produtos, uma aberta para o público e outra exclusiva para profissionais. Destaque para o encontro de três produtores de queijo cabacinha, de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, e a degustação de 500 quilos de legítimos queijos gruyère de 60 produtores suíços.


A programação do festival se estenderá na rua com o roteiro gastronômico. Até 25 de setembro, 15 estabelecimentos da capital paulista vão servir receitas inéditas criadas com queijos brasileiros.


Tem o coquetel do bar Agustín com cachaça infusionada com queijo marmorato, vermute seco e picles de pimentão. O restaurante Mila Pasta terá pasta seca com fonduta de queijos chouchou e telha e guanciale (veja receita). Como sugestão de sobremesa da confeitaria Marilia Zylbersztajn, tortinha de queijo boursin em massa filo com calda de manga e maracujá.

Pasta seca com fonduta de queijos e guanciale (Mila - SP)

Ingredientes
100ml de creme de leite; 100ml de leite; 75g de queijo chouchou; 35g de queijo tulha; 1 dente de alho; 330g de massa seca curta


Modo de fazer
Em uma panela, pré-aqueça o alho inteiro, o leite e o creme de leite até amornar. Adicione o queijo chouchou cortado em cubos pequenos e adicione na mistura até dissolver bem. Acrescente o queijo tulha ralado e retire do fogo. Filtre em um chinoix fino para obter uma textura de fonduta sedosa e bem lisinha. Reserve. Cozinhe a pasta seca curta em uma panela com bastante sal (a água deve ter gosto de água do mar), pelo tempo indicado na embalagem do fornecedor, para que fique em textura ao dente. Assim que cozinhar, escorra o excesso de água. Adicione a massa em uma panela para saltear com a fonduta, por volta de 1 minuto, até que a mistura esteja amalgamada. Disponha a pasta em um prato e por cima fatias finíssimas de guanciale, que irão amolecer com o calor da fonduta. Sirva imediatamente.

Serviço

2ª edição do Mundial do Queijo do Brasil
De 15 a 18 de setembro
Teatro B32 (Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3732, Itaim Bibi, São Paulo)
Informações no site