Jornal Estado de Minas

Prontos para beber, engarrafados são a nova modalidade da coquetelaria


A necessidade impulsiona a inovação. Quando todo mundo se fecha em casa, qual é a solução para fazer o público se sentir no bar? Oferecer a bebida em garrafa ou lata. Os coquetéis prontos se tornaram, neste um ano de pandemia, uma nova e promissora modalidade da coquetelaria. Em algum momento, o consumidor vai querer a praticidade de beber a sua mistura preferida quando e onde quiser.




 
A paixão por negroni e coquetelaria levou Henrique Chaves a desenvolver uma receita própria. As pesquisas, estimuladas pelo desejo de dar um toque brasileiro ao coquetel clássico, começaram há cinco anos. “Ao longo do tempo, produzia uma determinada quantidade, engarrafava e dava para amigos de presente e consumia. Enquanto isso, fui pesquisando sobre coquetéis engarrafados e enlatados.” No ano passado, ele lançou o negroni Benerick’s, primeiro de uma linha que só cresce.
 
Já no primeiro lote, a demanda surpreendeu. O plano era vender 100 garrafas, mas os pedidos chegaram a 250. Henrique aponta duas razões para a alta procura: as pessoas estão mais em casa e a experiência se torna descomplicada. “Antes, para tomar um bom negroni, você tinha que ir a um bar de alta coquetelaria ou a um restaurante muito chique. Hoje muito mais pessoas podem experimentar porque o engarrafado é mais acessível. A garrafa está ali para você consumir no momento em que quiser.”
 
Para que o negroni tivesse sabores brasileiros, Henrique criou um bitter (bebida responsável pelo amargor) com laranja-bahia e nibs de cacau. Gim, campari e vermute permanecem na receita. Além da rodela de laranja, que é acompanhamento mais tradicional, experimente adicionar folhas de manjericão e três gotas de vinagre balsâmico. Sempre com bastante gelo.




 
Cachaça com limão siciliano (DrinkMEi) (foto: DrinkMEi/Divulgação)
 
A marca continuou a inovar com o negroni spritz na lata. “Ao fazer a minha pesquisa na Itália, me deparei com a história do spritz. O império austro-húngaro, ao invadir a região de Veneza, achou o vinho de lá muito forte no teor alcoólico e na potência de sabor e começou a diluir com água gasosa”, conta. A versão mineira leva água tônica, mas o resultado é o mesmo: o coquetel fica mais refrescante e menos intenso. Ou seja, é perfeito para os dias de calor ou para quem prefere um sabor mais suave.
 
Outros dois coquetéis clássicos podem ser consumidos na garrafa (neste caso, de bolso): old fashioned e dry martini. Assim como o negroni, as receitas seguem a tradição, mas ganham um toque regional. No old fashioned, adiciona-se mel de abelha sem ferrão encontrada apenas nas Américas. Já o dry martini é feito com azeitonas produzidas no Brasil.
 

É só abrir e tomar

 
Na pandemia, Igor Araújo conseguiu viabilizar o seu projeto de coquetéis engarrafados. Com o mercado de eventos parado, o dono da empresa de bares itinerantes Barmes e do empório de frutas desidratadas EmBar decidiu investir em um produto que se encaixasse nas necessidades mais atuais do consumidor. “As pessoas iam para bares, restaurantes e eventos e bebiam coquetéis feitos por profissionais. Agora, em casa, elas buscam mais praticidade. Todo mundo quer tomar uma bebida boa em casa, mas não quer ter o trabalho de fazer.”




 
Gim com frutas (Drink Neck) (foto: Victor Quaranta/Divulgação)
 
Daí surgiu a Drink Neck, marca de coquetéis a base de gim prontos para beber, que serão lançados nas próximas semanas. “Eles são 100% naturais, não uso nada de aditivos químicos, apenas frutas e aromas naturais. Tanto que o prazo de validade refrigerado é de 30 dias”, detalha. Adocicada e gaseificada na medida certa, a bebida funciona como cerveja lonk neck de cerveja: é só abrir e tomar. Quem quiser pode transferir para uma taça e adicionar outros ingredientes.

Inicialmente, o Drink Neck terá três sabores, que brincam com as estações do ano. O verão tropical une maracujá e grapefruit. Já o flor de outono combina framboesa e hibisco, enquanto o inverno picante é a base de limão e gengibre (mistura que lembra o moscow mule). Em todos, utiliza-se suco de limão para garantir um toque cítrico.
 
Na hora de diversificar a sua produção, que se resumia a uma única cachaça, o fundador do Grupo Gouveia Brasil, Roberto Brasil, partiu para a ideia da bebida mista. Nada mais é do que cachaça misturada a outros ingredientes e pronta para beber. “Foi o jeito que encontrei para chegar ao jovem e às mulheres que nunca tomaram cachaça”, comenta.




 
Negroni spritz (Benerick's) (foto: Bárbara Dutra/Divulgação)
Batizada de DrinkMEi, a bebida contém a mesma cachaça, só que em uma quantidade bem menor (o destilado puro tem de 38% a 48% de teor alcoólico, enquanto este produto tem 18%). Para dar sabor, Roberto não utiliza essência, trabalha sempre com a própria fruta. As opções são mel e limão, limão siciliano e jabuticaba. Quanto mais gelada estiver, melhor.
 

Lógica diferente

 
Nada melhor do que viver a experiência antes de ensinar. Victor Quaranta enxergou rapidamente que os coquetéis engarrafados seriam a salvação na pandemia. Mas, antes de lançar seu manual, já acessado por quase 100 pessoas no mundo inteiro, ele se aventurou temporariamente neste mercado.
 
 
A conservação, segundo o mixologista Victor Quaranta, é um dos pontos de atenção na hora de fazer coquetéis engarrafados (foto: Saulo Roberto/Divulgação)
 
“Queria escrever o material tendo passado pela experiência de montar um negócio. Era importante sentir na pele as dificuldades para poder validar o curso. Não posso ensinar o que não faço”, justifica o mixologista, que é professor e autor do livro Mixologia: o universo do bartender cientista.




 
O Manual dos coquetéis engarrafados destaca pontos que devem ser observados com atenção quando a bebida vai para a garrafa. Um deles envolve a conservação, que não era uma preocupação do bartender. “Coquetel sempre foi pensado para consumo imediato. No bar, você tem que beber rápido porque senão o gelo derrete todo e a bebida esquenta”, aponta Victor.
 
Na garrafa, a lógica é diferente. A começar pela restrição no uso de ingredientes frescos. Frutas, por exemplo, devem estar desidratadas ou em forma de xarope. No caso de coquetéis que levam limão espremido, o mixologista recomenda preparar o sweet and sour. Clássico da coquetelaria, este concentrado de limão e açúcar, além de dar um toque cítrico, equilibrando os sabores, aumenta o prazo de validade da bebida. Vinagre pode ser usado na mistura para estender ainda mais a duração.

Coquetéis que só levam destilados são mais fáceis de engarrafar, se considerarmos a conservação.
Como exemplos, o black russian, com vodca e licor de café, e o negroni, a base de gim, vermute e campari. Mas isso não impede de ir além. A orientação, aliás, é pensar em receitas autorais para se diferenciar e oferecer uma experiência inédita aos clientes.




 
Dry martini (Benerick's) (foto: Bárbara Dutra/Divulgação)
O gelo é um dos ingredientes mais importantes na coquetelaria, já que a água resultante da sua diluição influencia diretamente no sabor. O que fazer, então, se o coquetel está engarrafado? Victor dá duas sugestões. Uma é mandar a bebida já diluída, para que possa ir direto da geladeira para o copo, sem gelo. Ou informar ao cliente que ele deve adicionar o gelo na hora em que for consumir.
 
O manual, que ainda fala sobre equipamentos, ficha técnica e receitas, é voltado para pessoas que querem entrar neste mercado. Quem compra tem direito a duas aulas para tirar dúvidas e uma de introdução à mixologia. É importante já saber pelo menos a base da coquetelaria. “Os engarrafados são uma modalidade da coquetelaria, então primeiro você precisa saber fazer coquetéis.” 
 

Apple martini (Victor Quaranta)

Ingredientes
1000ml de vodca; 40ml de xarope de maçã verde; 40ml de sweet and sour de limão; 2g de ácido cítrico; 25ml de licor de laranja; 20ml de água
 
Modo de fazer
Para o sweet and sour, coloque em uma panela 80g de açúcar e 80ml de limão espremido e coado. Deixe em fogo alto até iniciar a fervura. Depois coe. Adicione o ácido cítrico. Coloque todos os outros ingredientes na garrafa e misture. 

audima