Jornal Estado de Minas

Chefs gaúchos resgatam tradições em pratos contemporâneos de restaurante com fila de espera

Cacau e suas variações - Foto: Rogerio Voltan/Divulgação

Na onda de valorização da cozinha regional, Norte e Nordeste estão em alta, mas poucos chefs se voltam para o Sul. Isso levou o gaúcho Tuca Mezzomo a abrir um restaurante em São Paulo para divulgar a tradição sulista através da comida. “Não criamos as receitas apenas pelo sabor, sempre temos alguma história para contar”, aponta o jovem, que passou por várias casas até conseguir realizar o sonho de comandar a sua própria cozinha. Juntou-se a ele no Charco, aberto há quase um ano, Nathalia Gonçalves, também gaúcha, que assina as receitas doces.
 
Cozinhar com fogo faz parte da cultura do Sul, tanto que o churrasco de lá é o mais tradicional do Brasil, e Tuca sempre gostou de trabalhar com lenha, carvão, brasa e carnes. No Charco, a chama é mais que uma forma de preparar os alimentos, está na essência da cozinha. “Não é um restaurante tradicional. Todos os pratos que criamos remetem a sabores da região, com uma certa rusticidade, mas trazemos uma visão mais contemporânea, bem autoral”, destaca o chef.
 
Butiá, laranja e iogurte - Foto: Rogerio Voltan/Divulgação 
 
Todos os ingredientes, em algum momento, têm contato com o fogo. Pode ser na parrilla argentina ou na grelha japonesa yakitori, onde o carvão fica bem perto do alimento.
“Ali preparamos vegetais e frutos do mar, que precisam de uma cocção mais rápida. Então, conseguimos deixá-los tostados por fora e preservamos o ponto certo por dentro”, explica. Outra opção é usar o forno combinado com lenha, de onde saem os sabores mais defumados.
 
Ovelha assada, purê de milho tostado e radiche - Foto: Rogerio Voltan/Divulgação 
 
A costela de boi é um dos pratos mais emblemáticos do cardápio. Não só porque a carne fica extremamente macia e com sabor defumado (depois de ser assada por 12 horas). Tuca serve apenas uma ripa, sem acompanhamentos, para comer com as mãos. “A costela tem muita potência e precisava mostrá-la sem nenhuma distração. Além disso, é uma forma de desmitificar a alta gastronomia”, justifica.
Já se sabe que a experiência inusitada deixa o cliente mais à vontade na mesa.
 
O chef também enaltece um corte “secreto” do porco preto. “Tiramos a parte magra da pancetta para ter uma carne bem marmorizada e muito suculenta. Preparamos apenas com sal, direto na grelha, e servimos ao ponto, com o interior bem rosado”, explica. Acompanha quiabo grelhado, mostarda em grãos e folhas cruas. Mas não pense que o cardápio se resume a carne. O prato que Tuca considera mais interessante, inclusive, é vegetariano. São cogumelos eryngui tostados direto no carvão com purê de abóbora defumada e creme de parmesão.
 
Cotechino - Foto: Rogerio Voltan/Divulgação 

MANTEIGA No Charco, tudo é preparado do zero, incluindo os embutidos (linguiça, cotechino, chouriço e salame) e a manteiga. Tuca deixa a nata fermentando e mistura iogurte fresco para adicionar mais acidez.
Depois resfria e bate para servir no pão como sugestão de entrada. Dessa forma, o sabor fica mais intenso. “Preparamos a comida com todo o carinho, não é um restaurante pasteurizado. Aqui todo mundo cria uma relação muito forte com o alimento, e isso com certeza passa para o cliente.”
 
Arroz pegado de frutos do mar - Foto: Rogerio Voltan/Divulgação 
 
Para colocar a alma na cozinha, não poderiam faltar memórias afetivas. O cuscuz Dona Dalva é uma homenagem à avó de Tuca, que morava no interior do Rio Grande do Sul. Esse era o seu prato favorito nos cafés da manhã na fazenda. O chef faz do jeitinho dela, cozinhando o cuscuz no vapor e misturando os grãos a um refogado de cebola e alho, um pouco linguiça, charque e bastante cheiro verde. “No meio de tantas criações, colocamos um prato super caseiro e chegamos a um contraste interessante, que acaba surpreendendo. Ninguém espera por um prato que aconchega.”
 
 
Não só açúcar 
 
No Charco, sobremesa não é apenas para adoçar o paladar. Os pratos doces também contam histórias e mostram o valor dos ingredientes.
“Tento fazer sobremesas para que as pessoas sintam os sabores dos ingredientes, e não só açúcar”, aponta Nathalia Gonçalves, que seguiu o caminho da confeitaria. No fim das contas, são receitas simples de sabor, mas complexas nas técnicas.
Depois de uma viagem à Bahia, onde acompanhou todo o processo de produção do chocolate, Nathalia teve a ideia de fazer uma sobremesa só com cacau. Nela, a chef explora ao máximo a versatilidade da matéria-prima. Tem sorbet de mel de cacau, semente de cacau caramelizada, caramelo de mel de cacau, farofa crocante de chocolate amargo, bolo de chocolate branco e mousse de chocolate ao leite. “As pessoas se surpreendem quando comem porque não é uma sobremesa de chocolate. Dá para sentir sabores extremamente ácidos, amargos e doces.”
 
Tuca Mezzomo e Nathalia Gonçalves - Foto: Elisete Borim/Divulgação 
 
Nathalia e Tuca se conheceram em Balneário Camboriú (SC), onde se formaram em gastronomia. Enquanto ele queria trabalhar com fogo e brasa, ela se envolveu com doces por acaso. Já em São Paulo, só encontrou vaga de estágio na área de sobremesas e descobriu sua paixão. “Resolvi que ia fazer só confeitaria dali para frente. Me encantou a precisão e a delicadeza das receitas.
Um detalhe faz toda a diferença para dar certo ou errado”, aponta a chef, que se assume perfeccionista e muito crítica.
 
Assim como Tuca, Nathalia gosta de contar um pouco da história do Sul em suas sobremesas, como a butiá, laranja e iogurte. “Fui criada numa chácara com árvores frutíferas e comia muito butiá.” Muito comum na região, a fruta lembra um pouco pequi, mas tem sabor único. Ao sorbet de butiá se juntam compota de casca de laranja, caramelo de maracujá e espuma de iogurte.
 
 
 
A ideia de misturar coco com abóbora também é um resgate de sabores da infância, mas com uma pegada contemporânea. Nessa receita, a chef apresenta mousse de coco defumado, crocante de coco, doce de abóbora em calda e doce de abóbora defumado. Nathalia sempre aposta na criatividade para mostrar clássicos renovados. “Nunca quisemos copiar ninguém. Criar é sempre mais difícil, mas tentamos ao máximo não fazer nada igual. É isso o que as pessoas querem, mais simplicidade e mais sabor.” 
 
 
Cotechino

Ingredientes

300g de copa-lombo suíno; 100g de pancetta suína; 100g de pele de porco; 5g de cominho; 5g de noz-moscada; 1g de açúcar; 12g de sal; 1g de pimenta-do-reino; 1 de cebola roxa; 1 maço de salsinha picada; 100ml de vinagre de vinho tinto; 1 pão brioche

Modo de fazer

Cozinhe a pele de porco por aproximadamente 1 hora, até que fique bem macia. Passe no moedor de carne o copa-lombo, a pancetta e a pele de porco cozida. Misture bem o cominho, noz-moscada, açúcar, sal e pimenta com as carnes, até criar uma liga resistente. Reserve. Corte a cebola roxa em 
fatias finas. Tempere com sal e cubra com o vinagre de vinho tinto. Reserve. Com auxílio 
de um aro, faça o formato desejado do cotecchino, utilizando o mesmo aro para cortar o pão brioche. Em uma frigideira, chapeie os cotechinos e o pão brioche até que fiquem dourados. Monte rapidamente no prato o pão, o cotechino, a cebola roxa e decore com salsinha picada. Sirva quente. 
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