O título da exposição “Quero amar quem acenda uma fogueira comigo às 7 da manhã”, em cartaz na galeria Arlinda Corrêa Lima, do Palácio das Artes, carrega uma sugestão afetiva. Mas não é só disso que se trata. O nome com que a mostra foi batizada se ancora na solidão, não apenas afetiva ou sexual, mas também social e política, segundo a curadora, Flaviana Lasan.




 
Ela reuniu 11 artistas mulheres, negras, de diferentes regiões de Minas Gerais, que trabalham com técnicas e suportes variados. São quase 50 obras que expressam dramas vividos coletivamente pelas pessoas que esse grupo representa, mas, sobretudo, que apontam para individualidades. “Trata-se de tentar definir o tema solidão da mulher negra, o que está ligado a vários processos pessoais. Basta pensar nos índices de estupros e assassinatos relativos a esse grupo, entendendo que cada caso é um caso”, diz.
 
Esse intento levou a um recorte que privilegia a diversidade, com artistas que não fossem só de Belo Horizonte. “Fui buscando nos interiores, porque, territorialmente, existem diferenças no que diz respeito a essa questão da solidão”, afirma. As artistas reunidas na mostra vêm de cidades como Lavras, Ouro Preto, Ribeirão das Neves e do Quilombo do Torra, em Sabinópolis, entre outras localidades, além da capital.
 
“Quero amar quem acenda uma fogueira comigo às 7 da manhã” reúne obras de Ana Elisa Gonçalves, Ana Paula Sirino, Danielle dos Anjos, Daiely Gonçalves, Desirée dos Santos, Elizabeth Ramos, Josiane Souza, Maria Auxiliadora, Mônica Maria, Rebeca Amaral e Andréa Rodrigues – esta última, presente com um texto que baliza a temática da mostra.




 
“Institucionalmente, temos um legado de imagens escravocratas; não temos imagens contemporâneas da mulher negra que traduzam a visão da mulher negra. Pensamos os territórios relacionados à singularidade dessa produção”, explica a curadora. Ela salienta que a diversidade se dá também nas técnicas e recursos empregados nas obras.

Diversos materiais


São pinturas, gravuras (algumas se valendo de materiais como água de feijão, nódoa de banana, terra e papelão), peças de cerâmica, registros audiovisuais e outros recursos. Flaviana diz que foi observada, também, a questão geracional. Ela destaca que a exposição abarca a produção de um período que parte dos anos 1960 e chega até os dias atuais, com prevalência de nomes que despontaram nas décadas de 1980 e 1990.
 
Esse grupo inclui algumas mulheres que já alcançaram reconhecimento no circuito das artes visuais e outras que estão completamente à margem do mercado. “Dentro desse processo, que chamo de curadoria ativista, tento mesclar aquelas figuras consolidadas com outras que estão despontando ou que nem sequer se consideram artistas, a despeito de trabalharem ativamente”, diz a curadora.




 
Ela se inspirou na bibliografia de Lélia Gonzáles e em “Irmãs do inhame: mulheres negras e autorrecuperação”, de Bell Hooks. Em seguida, vieram como motes inspiradores o álbum “Bom mesmo é estar debaixo d’água”, da baiana Luedji Luna, o conjunto da obra de Conceição Evaristo e o livro “Cartas para minha avó”, da filósofa Djamila Ribeiro.
 
“Quem acende a fogueira somos nós, mas estamos exaustas. Queremos que mais gente venha acender essa fogueira. Tanto Lélia Gonzáles quanto Bell Hooks observam o quanto a mulher negra trabalha, em termos de carga horária mesmo, a fim de tentar disfarçar para si mesma esse processo de solidão. Enquanto nos Estados Unidos se discute o que as mulheres negras querem, no Brasil ainda se discute quem as quer”, afirma. 
 
“QUERO AMAR QUEM ACENDA UMA FOGUEIRA COMIGO ÀS 7 DA MANHÔ

Coletiva. Em cartaz na Galeria Arlinda Corrêa Lima, do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, 31.3236.7400), com horário de visitação de terça a sábado, das 9h30 às 21h, e domingos, das 17h às 21h. Entrada gratuita. Até 14 de janeiro de 2024.  

 


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